quinta-feira, 25 de novembro de 2021

UNA, SANTA, CATÓLICA E APOSTÓLICA

 

Santa Igreja, Romana, Católica: una, excelsa, divina, imortal. Que conservas a fé apostólica e as promessas da vida eterna!



Nós te amamos! Nós somos teus filhos! Em teu seio queremos viver. E, da luz que nos dás entre os brilhos, nos teus braços maternos morrer!

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

O NÚMERO DOS PECADOS QUE CONDENAM...

A misericórdia de Deus é infinita; mas apesar desta misericórdia, quantos não se condenam todos os dias! Deus cura ao que tem boa vontade. Perdoa os pecados, mas não pode perdoar a vontade de pecar. A medida dos pecados que Deus quer perdoar não é igual para todos. A um perdoa Deus cem pecados, a outro mil; aquele outro, porém, será condenado ao inferno depois do segundo pecado.

Quantos não há que o Senhor condenou logo depois da primeira queda! Refere São Gregório que um menino de cinco anos foi lançado no inferno quando dizia uma blasfêmia. A Santíssima Virgem revelou à serva de Deus Benedita de Florença, que o primeiro pecado foi a condenação de uma menina de doze anos. A mesma desgraça aconteceu a um menino de oito anos, que morreu e foi condenado logo depois do primeiro pecado. Lemos no Evangelho de São Mateus, que o Senhor, achando estéril uma figueira, cujos frutos procurava colher pela primeira vez, a amaldiçoou imediatamente, e que a árvore secou.

Por acaso algum temerário pode atrever a perguntar a Deus por que quer perdoar três pecados e não quatro? Neste ponto é preciso adorar os juízos divinos e dizer com o Apóstolo: Quam incomprehensibilia sunt iudicia eius, et investigabiles viae eius! – 'Quão incompreensíveis são os seus juízos, e imperscrutáveis os seus caminhos!' (Rm 11, 33). Replica talvez o pecador obstinado: Tantas vezes ofendi a Deus, e cada vez Deus me perdoou; por isso confio em que me perdoará mais este pecado. Respondo-lhe, todavia: porque não te castigou Deus até agora, segue-se que será sempre assim? Encher-se-á a medida e então virá o castigo. Ne dicas, peccavi, et quid accidit mihi triste? – 'Não digas' - avisa o Senhor - 'tenho cometido tantos pecados e Deus nunca me castigou' porque Altissimus enim est patiens redditor – 'O Altíssimo é um juiz paciente' (Ecl 5, 4). Quer dizer que virá um dia em que pagarás tudo, e quanto maior tiver sido a misericórdia, tanto maior será o castigo.

Afirma São Crisóstomo que há mais para receiar, quando Deus atura um pecador obstinado, do que quando o castiga sem detença. Com efeito, observa São Gregório, aqueles que Deus espera com mais paciência, são castigados depois com tanto mais rigor, se permanecem na sua ingratidão. Muitas vezes acontece, acrescenta o santo, que os que foram tolerados por mais longo tempo, morrem de improviso, sem terem tempo de se converter. Quanto mais Deus te houver favorecido com suas luzes, tanto maior será a tua obcecação e a tua obstinação no pecado.

É bem terrível a ameaça que o Senhor dirige aos que são surdos aos seus convites: 'Recusastes obedecer à minha voz; pois bem, eu também me rirei quando morrerdes' – Quia vocavi, et renuistis … ego quoque in interitu vestro ridebo (Pv 1, 24.26). Notem-se bem estas duas palavras: ego quoque (eu também); significam que, assim como o pecador zombou de Deus, confessando-se, prometendo e traindo-o sempre, assim o Senhor zombará dele na hora da morte. Além disso diz o Sábio: 'O imprudente que recai na sua loucura é como o cão que torna outra vez ao que tinha vomitado' (Pv 26, 11). O que Deniz, o Cartucho, explica dizendo: 'Assim como se sente náusea e horror em presença de um cão que devora o que tinha vomitado, assim Deus detesta ao que volta aos seus pecados, que na confissão tinha abominado'.

Meu Deus, eis-me aqui a vossos pés: eu sou esse animal nojento que de novo se pôs a comer os frutos que primeiro detestara. Não mereço misericórdia, Redentor meu; mas o sangue que derramastes por mim, me anima e obriga a esperar. Quantas vezes Vos ofendi e quantas vezes me perdoastes! Prometera não Vos ofender mais, e depois voltei ao que tinha vomitado, e Vós tornastes a perdoar-me. Esperarei porventura até que me mandeis ao inferno? Ou que me entregueis ao poder de meu pecado, desgraça maior ainda do que o próprio inferno? Não, meu Deus, quero emendar-me, e para Vos ser fiel, quero depositar em Vós toda a minha confiança; nas tentações quero sempre e imediatamente recorrer a Vós.

No passado fiei-me em minhas promessas e resoluções e descurei recomendar-me a Vós nas tentações. Daí proveio a minha ruína. De hoje em diante sereis Vós a minha esperança e a minha força e assim poderei tudo: Omnia possum in eo qui me confortat – 'Tudo posso naquele que me fortalece' (Fp 4,13). Concedei-me, pois, ó meu Jesus, pelos vossos merecimentos, a graça de me recomendar sempre a Vós e de implorar o vosso auxílio em todas as minhas necessidades. Amo-Vos, ó soberano Bem, digno de ser amado sobre todos os bens. Só a Vós quero amar, mas para isso deveis me ajudar. Vós também deveis auxiliar-me com a vossa intercessão, ó minha Mãe Maria. Guardai-me debaixo de vosso manto, e fazei que chame por vós em todas as tentações. O vosso nome será a minha defesa. 

(Excertos da obra 'Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano' - Tomo III, de Santo Afonso Maria de Ligório)

terça-feira, 23 de novembro de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (113/115)


113. É DEUS QUEM ME FALA

Certamente já ouviste falar de Donosco Cortês. Foi um dos maiores e mais vigorosos pensadores do século XIX; o mais famoso orador espanhol do seu tempo, considerado o mestre do pensamento e a glória da eloquência parlamentar. Era embaixador da Espanha em Paris. Todos os domingos e dias de preceito abandonava o bulício daquela capital e ia assistir à missa na pobre igreja de uma aldeia vizinha. Ajoelhava-se no chão, rezava como um santo, ouvia com toda a atenção o santo sacrifício.

Depois do Evangelho, o vigário daquela paróquia voltava-se para os assistentes e fazia a sua prática ou homilia. Donoso Cortês era quem o ouvia com maior atenção e reverência.
➖ Donoso - dizia-lhe um amigo - se sabes mais que esse padre, se és maior orador do que ele, por que o ouves?
O grande Donoso respondeu:
➖ Pode ser que eu saiba mais e talvez possua mais eloquência; mas ele tem uma coisa que eu não tenho: é o representante da autoridade e da palavra de Deus. Quando ele fala, é Deus quem fala; e suas palavras sempre têm o segredo de comover-me e tornar-me melhor. E é isso que procuro.

A exemplo desse grande cristão, abandonai os cuidados da vida; deixai por algumas horas as ocupações deste mundo; correi à casa de Deus para ouvir a doutrina da salvação e para salvar a vossa alma!

114. O CORAÇÃO DE OURO

O moderno e famoso escritor Tihamér Toth narra a seguinte curiosidade. Havia em uma cidade (não revela o nome) um senhor cuja fé não devia ser lá muito profunda. Profundo, sim, e ridículo era o conceito que tinha das superstições. A todo o transe havia de levar consigo algum amuleto ou talismã. Pensava que somente assim podia ser feliz.

Entrou numa joalheria. Pôs-se a contemplar os diferentes talismãs usados pela gente supersticiosa de nossos dias: uma ferradurinha com diamantes, uma estrela de ouro, um corcundinha, um elefante de marfim e outros muitos. Contemplou-os demoradamente aquele senhor, mas nenhum daqueles objetos lhe agradou. Voltando-se para o joalheiro, disse:
➖ Não teria um coração de ouro? Creio que isso seria minha felicidade.
➖ Não tenho, respondeu o outro. Isso já não se usa, está fora de moda. Talvez em outra casa o senhor encontre.

E o homem percorreu pacientemente uma, duas, três casas. Os amuletos eram muitos e muito variados, mas todos os joalheiros lhe diziam a mesma coisa: o coração de ouro está fora de moda, já passou sua época. E, afinal, quem manda no comércio é a moda!
Desconsolado saía aquele senhor da última casa. Não encontrara o coração de ouro que lhe poderia trazer a felicidade...
➖Amigo - disse-lhe o dono da última casa, acompanhando-o até à porta - vá a uma casa de antiguidades e talvez lá encontre o coraçãozinho de ouro que procura.

E o homem lá se foi... Caro leitor, o coraçãozinho de ouro já não se usa, está fora de moda e, contudo, para seres feliz e para fazeres felizes aos outros só precisarias disso, que, desgraçadamente, não se encontra: um coração de ouro. Como seríamos felizes, como viveríamos em paz, se todos levássemos, aqui dentro do peito, um coração de ouro, um coração cheio de caridade para com Deus e para com o próximo...

115. O TIO PEDRO ASSISTE ÀS MISSÕES

O ano era 1909. Cedinho foi o missionário à pequenina igreja da vila. A porta ainda estava fechada; mas quem estava ali com a sua lanterninha na mão era o tio Pedro: homem muito conhecido em todo o município por sua fé robusta e sua vigorosa velhice. Entre o missionário e o bom roceiro travou-se logo uma animada conversa.
➖ Quantos anos tem, tio Pedro?
➖ Passei dos oitenta, 'seu' missionário.
➖ Tem assistido às santas missões?
➖ Os senhores já pregaram quatro nesta comarca. Assisti a todas; não perdi nem um sermão e não faltei a nenhum catecismo, porque sempre se aprende alguma coisa.
➖ Muito bem, tio Pedro, bravo; e sua casa, quanto dista daqui?
➖ Quase nada: uns dois quilômetros.
➖ E o senhor vem aqui todas as manhãs?
➖ Todas. Acendo a minha lanterninha e toco para a missão.
➖ Pois olhe, tio Pedro, não faça isso. O caminho é péssimo e o senhor já não é uma criança. Pode acontecer-lhe algum desastre, uma queda por exemplo, e ficamos sem o tio Pedro.
➖ Não se preocupe, 'seu' missionário. Quando saio de casa, digo ao meu Anjo da Guarda: 'Meu santo Anjo, cuida do tio Pedro, que já está velho, a fim de que não lhe aconteça nada'. E até hoje, graças ao meu Anjo, nada me aconteceu.
➖ Ótimo, tio Pedro; mas, seja como for, não venha. Já assistiu a quatro missões, fique em casa.

Ao ouvir essas palavras, tio Pedro ergueu-se, pôs-se de pé direitinho, e disse:
➖ Senhor Padre, não me diga isso nem por brincadeira. Das coisas de Deus não se deve perder nem uma migalha!
E, com efeito, não perdeu nenhuma migalha daquelas santas missões. Assistiu a todos os sermões com o fervor e a piedade de um santo. Ó se todos tivessem uma fé viva como o tio Pedro!

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

O que Cristo fez e ensinou foi a vontade de Deus: a humildade na conduta, a firmeza na fé, a contenção nas palavras, a justiça nas ações, a misericórdia nas obras, a retidão nos costumes; ser incapaz de fazer o mal, mas poder tolerá-lo quando se é vítima dele; manter a paz com os irmãos; querer ao Senhor de todo o coração; amar nele o Pai e temer a Deus. Não por nada à frente de Cristo, pois Ele próprio nada pôs à nossa frente; ligarmo-nos inabalavelmente ao seu amor; abraçar com força e confiança a própria cruz; quando for preciso, lutar pelo seu nome e pela sua honra, mostrar constância na nossa profissão de fé; sob tortura, mostrar essa confiança que sustenta o nosso combate e, na morte, essa perseverança que nos faz alcançar a coroa. Querer ser herdeiro com Cristo, é nisso que consiste obedecer aos preceitos de Deus. É nisso que consiste cumprir a vontade do Pai.

(São Cipriano)

domingo, 21 de novembro de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Deus é Rei e se vestiu de majestade, glória ao Senhor!' (Sl 92)

 21/11/2021 - Solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo

52. JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO 


Jesus Cristo é o Rei do Universo. Como Filho Unigênito de Deus, Ele é o herdeiro universal de toda a criação, senhor supremo e absoluto de toda criatura e de toda a existência de qualquer criatura, no céu, na terra e abaixo da terra. A realeza de Cristo abrange, portanto, a totalidade do gênero humano, como expresso nas palavras do Papa Leão XIII: 'Seu império não abrange tão só as nações católicas ou os cristãos batizados, que juridicamente pertencem à Igreja, ainda quando dela separados por opiniões errôneas ou pelo cisma: estende-se igualmente e sem exceções aos homens todos, mesmo alheios à fé cristã, de modo que o império de Cristo Jesus abarca, em todo rigor da verdade, o gênero humano inteiro' (Encíclica Annum Sacrum, 1899).

E, neste sentido, o domínio do seu reinado é universal e sua autoridade é suprema e absoluta. Cristo é, pois, a fonte única de salvação tanto para as nações como para todos os indivíduos. 'Foram-lhe dados poder, glória e realeza, e todos os povos, nações e línguas o serviam; seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá' (Dn 7,14). O livre-arbítrio permite ao ser humano optar pela rebeldia e soberba de elevar a criatura sobre o Criador, mas os frutos de tal loucura é a condenação eterna.

A realeza de Cristo é, entretanto, principalmente interna e de natureza espiritual. Provam-no com toda evidência as palavras da Escritura e, em muitas circunstâncias, o proceder do próprio Salvador. Quando os judeus, e até os Apóstolos, erradamente imaginavam que o Messias libertaria seu povo para restaurar o reino de Israel, Jesus desfez o erro e dissipou a ilusória esperança. Quando, tomada de entusiasmo, a turba, que O cerca O quer proclamar rei, com a fuga furta-se o Senhor a estas honras, e oculta-se. Mais tarde, perante o governador romano, declara que seu reino 'não é deste mundo' (Jo 18,36). Neste reino, tal como no-lo descreve o Evangelho, é pela penitência que devem os homens entrar. Ninguém, com efeito, pode nele ser admitido sem a fé e o batismo; mas o batismo, conquanto seja um rito exterior, figura e realiza uma regeneração interna. Este reino opõe-se ao reino de Satanás e ao poder das trevas; de seus adeptos exige o desprendimento não só das riquezas e dos bens terrestres, como ainda a mansidão, a fome e sede da justiça, a abnegação de si mesmo, para carregar com a cruz. Foi para adquirir a Igreja que Cristo, enquanto 'Redentor', verteu o seu sangue; para isto é, que, enquanto 'Sacerdote', se ofereceu e de contínuo se oferece como vítima. Quem não vê, em consequência, que sua realeza deve ser de índole toda espiritual? (Encíclica Quas Primas de Pio XI, 1925).

O próprio Jesus proclama a sua plena realeza: 'Eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz' (Jo 18,37). Cristo Rei - o Caminho, a Verdade e a Vida - se manifesta por inteiro pela sua Santa Igreja e, por meio dela, e por sua paixão, morte e ressurreição, atrai para si a humanidade inteira, libertada do pecado e da morte, que será o último adversário a ser vencido. E quando voltar, virá com as nuvens 'e todos os olhos o verão' (Ap 1,7) para separar o joio do trigo, as ovelhas e o cabritos, uns para a glória eterna e outros para a danação eterna.

INDULGÊNCIA PLENÁRIA DO DOMINGO DE CRISTO REI

Hoje, dia da solenidade de Cristo Rei, recebe Indulgência Plenária todo fiel* que recitar, publicamente e com piedosa devoção, o ato de consagração do gênero humano a Jesus Cristo Rei

   Dulcíssimo Jesus, Redentor do gênero humano, lançai sobre nós que humildemente estamos prostrados na vossa presença, os vossos olhares. Nós somos e queremos ser vossos; e, a fim de podermos viver mais intimamente unidos a vós, cada um de nós se consagra, espontaneamente, neste dia, ao vosso sacratíssimo Coração. Muitos há que nunca vos conheceram; muitos, desprezando os vossos mandamentos, vos renegaram.

   Benigníssimo Jesus, tende piedade de uns e de outros e trazei-os todos ao vosso Sagrado Coração. Senhor, sede rei não somente dos fiéis, que nunca de vós se afastaram, mas também dos filhos pródigos, que vos abandonaram; fazei que estes tornem, quanto antes, à casa paterna, para não perecerem de miséria e de fome. Sede rei dos que vivem iludidos no erro, ou separados de vós pela discórdia; trazei-os ao porto da verdade e à unidade da fé, a fim de que, em breve, haja um só rebanho e um só pastor.

    Senhor, conservai incólume a vossa Igreja, e dai-lhe uma liberdade segura e sem peias; concedei ordem e paz a todos os povos; fazei que, de um polo a outro do mundo, ressoe uma só voz: louvado seja o coração divino, que nos trouxe a salvação; honra e glória a ele, por todos os séculos. Amém.

*Para que alguém seja capaz de lucrar indulgências, deve ser batizado, não estar excomungado e encontrar-se em estado de graça, pelo menos no fim das obras prescritas. O fiel deve também ter intenção, ao menos geral, de ganhar a indulgência e cumprir as ações prescritas, no tempo determinado e no modo devido, segundo o teor da concessãoA indulgência plenária só se pode ganhar uma vez ao dia. 

sábado, 20 de novembro de 2021

SOBRE O DISCERNIMENTO E AS BOAS OBRAS

O que desejo do homem, como frutos da ação, é que prove suas virtudes na hora oportuna. Talvez ainda te recordes! Quando, há muito tempo, desejavas fazer grandes penitências por minha causa e perguntavas: 'Que mortificações eu poderia fazer por ti?', eu te respondi no pensamento: 'Sou aquele que gosta de poucas palavras e de muitas ações'.

Então era minha intenção mostrar-te que não me comprazo no homem que apenas me chama por palavras: 'Senhor, Senhor, gostaria de fazer algo por ti', ou naquele que pretende mortificar o corpo com muitas macerações, mas sem destruir a vontade própria. Queria dizer-te que desejo ações varonis e pacientes, bem como as virtudes internas, de que falei acima, as quais são todas elas operativas e produtoras de bons frutos na graça. 

Ações baseadas em outros princípios constituem para mim meras palavras, realizações passageiras. Eu, qual ser infinito, quero ações infinitas, amor infinito. Desejo que as mortificações e demais exercícios corporais sejam considerados como meios, não como fins. Se neles repousar o inteiro afeto da pessoa, ser-me-ia dado algo de finito, à semelhança de uma palavra que, ao sair da boca, já não existe, quando é pronunciada sem amor. Só o amor produz e revela a virtude!

Quando uma ação, que chamei com o nome de 'palavra', está embebida de caridade, então me agrada; já não se apresenta sozinha, mas acompanhada de discernimento verdadeiro, isto é, como ato que é meio para se atingir um objetivo superior. Não é exato olhar a penitência ou qualquer ato externo como base e finalidade principal; são obras limitadas, seja porque praticadas durante esta vida passageira, seja porque um dia a pessoa terá que deixá-las por resolução pessoal ou por ordem alheia. Umas vezes a abandonará o homem coagido pela impossibilidade de continuar o que começou, e isto acontece em situações diversas; outras vezes por obediência à ordem do superior. Aliás, neste caso, se as continuar, não terá merecimento algum e cometerá até uma falta.

Como percebes, as mortificações são coisas finitas e como tais hão de ser praticadas. São meios, não finalidade. Quem as assume como finalidade, sentir-se-á vazio quando tiver de abandoná-las. Foi quanto ensinou o glorioso apóstolo Paulo ao vos convidar em sua carta (Cl 3,5) a mortificar o corpo e a destruir a vontade própria, ou seja, a refrear o corpo mortificando a carne, quando ela se opõe ao espírito.

A vontade própria deve ser destruída e submetida à minha. Tal coisa é feita pela virtude do discernimento, como expliquei antes, com o desprezo do pecado e da sensualidade, por efeito do autoconhecimento. Eis a espada que mata e corta todo egoísmo; eis os servidores que não me apresentam somente 'palavras', mas ações. Eles formam o meu prazer. É em tal sentido que afirmava eu que desejo poucas palavras e muitas ações!

Ao dizer muitas, não me refiro à quantidade. É o desejo da alma, alicerçado no amor que vivifica as virtudes, que há de atingir o infinito. Também não quis manifestar desprezo pela palavra! Apenas afirmei que desejava 'poucas palavras', a indicar que todas as ações externas são finitas. Indiquei-as com o termo poucas, mas elas bem que me agradam quando são feitas como meios para adquirir a virtude, sem a conotação de objetivo principal.

Não se deve considerar como mais perfeito o grande penitente que aflige o seu corpo, ao fazer a comparação com alguém que se mortifica menos. Como já disse, seu merecimento não está nisso. Se assim fosse, mal estaria quem por razões legítimas não pode fazer atos de penitência externa e vive unicamente na prática do amor, sob a luz do discernimento, sem poder agir diversamente. O discernimento leva o homem a amar-me sem limites, sem restrições, já que sou a Verdade suma e eterna. É relativamente ao amor ao próximo que o discernimento impõe limites e formas de amar.

Ao brotar da caridade, o discernimento faz amar o próximo ordenadamente. Pela caridade exercida com retidão, ninguém pode pecar, prejudicando-se sob pretexto de ser útil aos outros. Não seria caridade com discernimento se alguém cometesse um só pecado para salvar o mundo inteiro do inferno ou para adquirir um grande ato de virtude. Seria falta de discernimento, pois é ilícito fazer uma grande ação virtuosa ou beneficente através de um ato pecaminoso.

O verdadeiro discernimento ordena-se da seguinte forma: faz o homem orientar todas as suas faculdades a me servirem com virilidade e solicitude; amar o próximo realmente, mesmo sacrificando mil vezes a vida corporal, se fosse possível, para a salvação alheia; suportar dificuldades e aflições para que o outro possua a vida da graça; colocar os seus bens materiais a serviço do outro. Eis quanto realiza o discernimento na medida em que procede do amor.

Compreendes, assim, que o homem que deseja ter a graça, com discernimento tributar-me-á amor infinito, sem restrições; quanto ao próximo, ter-lhe-á juntamente com esse amor infinito uma caridade ordenada, não se prejudicando com pecados sob pretexto de ajudá-lo. A esse respeito vos advertiu São Paulo (1Cor 13,1ss), que a caridade deve começar por si mesmo, pois de outra forma não seria de perfeita utilidade para os demais.

No caso de imperfeição interior, imperfeitas serão as obras feitas para si e para o próximo. Não é certo que alguém para salvar pessoas finitas e criadas por mim, viesse a ofender-me enquanto Bem infinito. Seria mais grave e de maiores proporções a culpa que o efeito decorrente. Por motivo algum, portanto, deves cometer o pecado. Sabe disto a caridade verdadeira, a qual possui a iluminação do discernimento santo.

O discernimento é uma luz que dissolve a escuridão, afasta a ignorância e alimenta as virtudes, bem como as ações externas que conduzem à virtude. Ele constitui uma atitude prudente que não padece enganos, uma atitude perseverante que não pode ser vencida. O discernimento estende-se do céu à terra, isto é, do conhecimento do meu ser até o conhecimento do próprio ser, do meu amor ao amor pelo próximo. E sempre com humildade. Prudentemente ele evita e sai ileso de todos os laços do demônio e dos homens. Sem outras armas além da paciência, ele superou o demônio. Mediante essa doce e gloriosa iluminação, a carne reconheceu a própria fraqueza; desprezou-se; venceu o mundo; submeteu-o a um amor maior; envileceu-o; como senhor, dele fez caçoada!

Devido ao discernimento, os seguidores do mundo são incapazes de destruir as virtudes internas; ao contrário, suas perseguições até as fazem aumentar, servindo-lhes de prova. Como indiquei, as virtudes são concebidas interiormente no amor e depois se revelam, exteriorizam-se através do próximo. Assim, se as virtudes não se mostrarem, agindo exteriormente no tempo da perseguição, é sinal de que não se tratava de verdadeira virtude interna.

Já disse e expliquei que uma virtude não será perfeita, nem frutificará, senão em benefício dos homens. Acontece como para a mulher que concebeu um filho; enquanto não der à luz a criança, de modo que a veja a sociedade, seu marido não dirá que tem um filho. Sucede o mesmo comigo, esposo da alma; até que a pessoa não exteriorize sua virtude no amor do homem, revelando-a de acordo com as urgências em geral ou em particular, afirmo que na realidade não é interiormente virtuosa. O mesmo afirmo quanto aos vícios, pois todos eles são cometidos contra os homens.

(Excertos da obra 'O Diálogo', de Santa Catarina de Sena)