terça-feira, 26 de outubro de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (107/109)

 

107. NÃO TERIA SIDO UM ANJO?

Pio IX (1846-1878), o grande papa da Imaculada, era filho do conde Mastai-Ferreti. Quando menino, costumava ajudar à missa, na capela doméstica dos seus pais. Um dia, estando ajoelhado no degrau do altar, notou que, do lado oposto, um vulto o chamava por sinais.

O menino teve medo de sair do seu lugar. Mas, como viu que o vulto insistia, cada vez mais, deixou o lugar e passou para o outro lado onde se achava aquele vulto. Naquele mesmo instante, desprendeu-se do teto uma grande estátua que caiu exatamente no lugar onde o coroinha, havia poucos segundos, estava ajoelhado. É que os Santos Anjos protegem as crianças de um modo maravilhoso.

108. INSPIRAÇÃO DO ANJO DA GUARDA

Em um dia de 1890, 31 crianças da escola de uma aldeia na Boêmia foram a passeio pelos campos vizinhos. Estando ali, desencadeou-se uma furiosa tempestade que as obrigou a se refugiarem debaixo de uma grande árvore até que cessassem a chuva e os raios.

De repente uma das meninas se sentiu impelida a sair daquele abrigo, gritando:
➖ Vamo-nos embora! - e pôs-se a correr.
Seguiram-na instintivamente todas as crianças. Apenas se haviam afastado um pouco, caiu um raio naquela árvore, causando enorme estrago. Os pais das crianças, gratos aos Santos Anjos, ergueram ali um grande cruzeiro para perpetuar a lembrança do acontecimento.

109. PERDOAR AOS INIMIGOS

João Gualberto era homem como outros. Trazia uma espada à cinta e costumava viver metido em brigas e desafios. Tinha um irmão a quem amava com toda a sua alma. Um dia, porém, um malvado matou o seu irmão. Gualberto conhecia muito bem o assassino, e daquele dia em diante procurava ocasião de varar-lhe o peito com a sua espada. Ele o havia jurado e assim o faria.

Era uma Sexta-feira Santa. João Gualberto montou a cavalo e saiu passear pelo campo. Foi andando até que se meteu num caminho estreito entre penhascos muito altos. Nesse momento, vê que vem ao seu encontro um viandante... fixa-o... conhece-o... e, veloz como um raio, salta de seu cavalo. Era o assassino de seu irmão. Ali o tinha diante de si; podia saciar seus desejos de vingança, e grita:
➖Canalha! assassino! Por Barrabás que agora mesmo morres em minhas mãos.

E, desembainhando a espada, lança-se sobre o outro. Nesse momento, o assassino, que vinha desarmado, prostra-lhe aos pés e, com voz angustiosa e com os braços em cruz, dirigia ele esta súplica:
➖ Irmão, hoje é Sexta-feira Santa; por amor de Cristo crucificado, perdoa-me!

O que se passou então no coração de Gualberto? Conteve-se; ergueu os olhos ao céu... olhou para a cruz gravada em sua espada. Pensou em Jesus Cristo que, do alto da cruz, perdoara aos seus crucificadores...
➖ Irmão - disse Gualberto ao assassino - por amor a Jesus Cristo eu te perdoo!

Despediram-se. O assassino afastou-se, arrependido e dando graças a Deus. Gualberto entrou numa capela que encontrou no caminho. Ajoelhou-se diante do Cristo que ali estava pregado na cruz. Tirou a espada, suspendeu-a aos pés daquela Vítima Divina e jurou aos pés da mesma deixar tudo e enveredar pelo caminho da santidade. E assim o fez e a Igreja comemora a sua santificação em 12 de julho.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

O LIVRE ARBÍTRIO E A SALVAÇÃO ETERNA

Por que é aparentemente tão difícil salvar a nossa alma? Por que - como nos é dito - poucas almas são salvas em comparação com o número de almas condenadas? Visto que Deus deseja que todas as almas sejam salvas (I Tm 2, 4), por que Ele não tornou isso um pouco mais fácil, como certamente poderia ter feito?

A resposta rápida e simples é que não é tão difícil salvar a nossa alma. Parte da agonia das almas no Inferno é o conhecimento claro de como teria sido fácil evitar a condenação. Os não católicos condenados podem dizer 'Eu sabia que havia alguma verdade no catolicismo, mas decidi nunca perguntar porque eu podia ver que, no futuro, eu teria que mudar o meu estilo de vida' (Winston Churchill disse uma vez que todo homem encontra a verdade em algum momento de sua vida, mas a maioria deles decide virar para o outro lado.) 

Os católicos condenados podem dizer: 'Deus me deu a fé e eu sabia que tudo que eu precisava era fazer uma boa confissão, mas achei melhor adiar e foi assim que morri com meus pecados ...'. Cada uma das almas no Inferno sabe que eles estão lá por sua própria culpa, por sua escolha. Deus não pode ser culpado por isso. Na verdade, quando você olha para trás em sua vida aqui na terra, você vê claramente o quanto Ele fez para tentar impedir que você se jogasse no Inferno, mas você escolheu livremente seu próprio destino, e Deus respeitou a sua escolha. 

Vamos nos aprofundar um pouco mais sobre o assunto. Sendo infinitamente bom, infinitamente generoso e infinitamente feliz, Deus escolheu - e não era de forma alguma obrigado - criar seres que fossem capazes de compartilhar a sua felicidade. Por ser puro espírito (Jo 4, 24), esses seres deveriam ser espirituais e não apenas materiais, como animais, vegetais ou minerais. Daí a criação de anjos sem matéria, e de homens, com alma espiritual em corpo material. 

Mas esse mesmo espírito pelo qual os anjos e os homens são capazes de compartilhar a sua felicidade divina inclui necessariamente a razão e o livre arbítrio; na verdade é através do livre arbítrio que eles escolhem Deus livremente e tornam-se capazes e participantes de sua felicidade. Mas como essa escolha de Deus pode ser verdadeiramente livre se não há alternativa que nos faça dizer não? Que mérito tem alguém em escolher comprar um volume de Cervantes se só tem Cervantes à venda na livraria? E se a alternativa ruim existe, e se o livre arbítrio é real e não apenas ficção, como é que não haverá anjos ou homens que escolherão o que não é bom?

A pergunta que ainda pode ser feita é como Deus poderia ter permitido que a maioria das almas (Mt 7, 13-14; 20, 16) sofram o terrível castigo de rejeitar o seu amor? Resposta: quanto mais terrível é o Inferno,  com mais certeza Deus oferece a cada homem a graça, a luz e a força necessárias para evitá-lo. No entanto, como explica Santo Tomás de Aquino, a maioria dos homens prefere o agora e os prazeres conhecidos dos sentidos às futuras e desconhecidas alegrias do Paraíso. 

Então, por que Deus associou aos sentidos prazeres tão acentuados? Em parte, sem dúvida, para garantir que os pais tivessem filhos para povoar o Céu, mas também certamente para atribuir mérito muito maior ao ser humano que coloca a busca pelo prazer nesta vida abaixo das verdadeiras alegrias da vida futura, que são realmente as verdadeiras alegrias!! Só precisamos desejá-las com fervor suficiente para arrebatá-las (Mt 11,12)! Deus não é um Deus medíocre e deseja oferecer às almas que o amam um paraíso que tampouco é medíocre!

('Eleison Comments', pelo arcebispo Richard Williamson, 2011)

domingo, 24 de outubro de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

   

'Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!' (Sl 125)

 24/10/2021 - Trigésimo Domingo do Tempo Comum

48. 'SENHOR, QUE EU VEJA!'


São Marcos descreve, no Evangelho deste domingo, uma certa caminhada de Jesus pelas terras da Galileia, rumo a Jerusalém. Junto com Ele, além dos seus discípulos, ia uma grande multidão, ansiosa por ver, ouvir e compartilhar as santas alegrias do convívio com Aquele por quem já estavam plenamente convencidos de ser realmente o Messias esperado pelos séculos, ainda que com uma visão algo distorcida da verdadeira natureza divina do seu reino de glória.

O burburinho da multidão em marcha coloca em alerta um mendigo cego sentado à beira do caminho. Um homem cego, muito conhecido naquela região, tão conhecido que o seu nome ficou transcrito para sempre nas páginas das Sagradas Escrituras, Bartimeu, filho de Timeu. No meio do vozerio de tantos, grita mais alto do que todos: 'Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!' (Mc 10, 47). E, diante da reprimenda para se calar e não abafar os ensinamentos de Jesus, insiste ainda mais alto: 'Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!' (Mc 10, 48).

A fé vibrava firme na sua alma sem precisar dos acordes dos olhares e visões do mundo. Jesus percebeu de imediato a grandeza daquele sentimento, daquele gesto, daquela súplica, e o atendeu com deferência, fazendo calar o vozerio em volta: 'Chamai-o' (Mc 10, 49). De pronto e de súbito, diante do chamado de Jesus, Bartimeu se apura em pé num salto, desfaz-se do manto de uma vez e se coloca diante do Senhor, em muda expectativa. 'O que queres que eu te faça?' (Mc 10, 51) pergunta Jesus. E Bartimeu responde, cheio de fé e confiança no Senhor: 'Mestre, que eu veja!' (Mc 10, 51). E a luz da sua fé é então contemplada com os acordes da visão do Senhor: 'Vai, a tua fé te curou' (Mc 10, 52).

Bartimeu, privilegiado na graça, pediu a visão e recebeu a luz, a luz de Cristo, que rompe as trevas do pecado e eleva a alma às glórias eternas. Como cegos, muitas vezes tateando nas penumbras de uma fé claudicante, temos uma imensa dificuldade de vida espiritual e de aceitar e acolher Jesus em plenitude. Como Bartimeu, sejamos capazes de saltar além das quietudes e sonolências terrenas e nos livrarmos do manto das inquietações e vozerios do mundo, para irmos ao encontro do Senhor que passa e, como homens eivados de graça, 'seguir Jesus pelo caminho' (Mc 10, 52).

sábado, 23 de outubro de 2021

POEMAS PARA REZAR (XXXIX)

 

NAS MÃOS DE DEUS

Sou Vossa e por Vós nasci,
O que quereis de mim?

Ó majestade soberana,
Sabedoria eterna
Bondade que deleita a minha alma,
Deus Altíssimo, Fonte excelsa do Bem, 
Toma a minha alma que, sendo nada,
encanta-se toda pelo Vosso amor
O que quereis de mim?

Sou Vossa, pois me criastes
Vossa, pois me resgatastes,
Vossa, pois me sustentais,
Vossa, pois me chamastes,
Vossa, pois esperastes por mim,
Vossa, pois não me perdi,
O que quereis de mim?

Que quereis de mim, Dulcíssimo Bem,
que Vos faça uma serva tão vil?
Que obra feita das mãos
desta Vossa escrava pecadora?
Eis-me aqui, dulcíssimo Bem,
Dulcíssimo Bem, eis-me aqui.
O que quereis de mim?

Eis aqui o meu coração,
Que deponho em Vossas Mãos
Com o meu corpo, minha vida, minha alma,
O mais íntimo de todo o meu amor.
Dulcíssimo Bem, meu Redentor,
Ofereço-me inteiramente a Vós,
O que quereis de mim?

Dai-me a morte, ou dai-me a vida,
a saúde ou qualquer doença
Dai-me honrarias ou humilhações,
a guerra ou a mais profunda paz,
a debilidade ou a força absoluta,
A tudo tendes o meu eterno sim.
O que quereis de mim?

Dai-me riqueza ou privação,
Prazeres ou angústias mil,
Felicidade extrema ou tristeza,
O Céu ou mesmo o inferno,
Dulcíssimo Bem, sol desvelado, 
A vós entrego o meu tudo.
O que quereis de mim?

Dai-me a graça da oração sincera;
Ou a aridez da provação;
Dai-me a abundância da devoção,
Ou quem sabe a petição estéril.
Somente em Vós, ó Soberana Majestade,
anseio encontrar a minha paz,
O que quereis de mim?

Dai-me quem sabe a sabedoria.
Ou os frutos da pura ignorância,
Tempos plenos de abundância,
Ou anos de fome e escassez.
Escuridão ou a luz cintilante do sol,
me movam para ali ou além mais.
O que quereis de mim?

Se quereis dar-me o alento do descanso,
no descanso encontrarei alento,
Se tiver que trabalhar até morrer,
Eu vou morrer trabalhando.
Dulcíssimo Bem, basta que escolheis
o meu onde, como e quando.
O que quereis de mim?

Dai-me subir o Calvário ou o Tabor,
no deserto ou em terra fértil;
Ser como Jó no rude sofrimento
Ou João amparado em Vosso peito;
Videira estéril ou coberta de frutos,
seja qual for a Vossa Santa Vontade.
O que quereis de mim?

Ser para Vós como José escravizado
Ou tornado governador do Egito,
Davi duramente provado
Ou incensado de todos os louvores,
Jonas em mares afogado,
Ou Jonas liberto de todos os seus males?
O que quereis de mim?

Em silêncio absoluto ou em alta voz,
serva de muitos frutos ou estéril,
 feridas expostas pelas regras,
de viver em plenitude o Evangelho;
Sofrendo ou exultante de júbilo,
Vós sois a minha única morada.
O que quereis de mim?

Sou Vossa e por Vós nasci,
O que quereis de mim?

(Santa Teresa de Ávila, tradução do autor do blog)

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

FONTE DA VIDA ETERNA


Considera, ó homem redimido, quem é aquele que por tua causa está pregado na cruz, e qual é a sua dignidade e grandeza. A sua morte dá a vida aos mortos; por sua morte choram o céu e a terra, e fendem-se até as pedras mais duras. Para que, do lado de Cristo morto na cruz, se formasse a Igreja e se cumprisse a Escritura que diz: 'Olharão para aquele que transpassaram' (Jo 19,37), a Divina Providência permitiu que um dos soldados lhe abrisse com a lança o sagrado lado, de onde jorraram sangue e água. Este é o preço da nossa salvação. Saído daquela fonte divina, isto é, no íntimo do seu Coração, iria dar aos sacramentos da Igreja o poder de conferir a vida da graça, tornando-se para os que já vivem em Cristo bebida da fonte viva que jorra para a vida eterna (Jo 4,14).

Levanta-te, pois, tu que amas a Cristo, sê como a pomba que faz o seu ninho na borda do rochedo (Jr 48,28), e aí, como o pássaro que encontrou a sua morada (Sl 83,4), não cesses de estar vigilante; aí esconde como a andorinha os filhos nascidos do casto amor; aí aproxima teus lábios para beber a água das fontes do Salvador (Is 12,3). Pois esta é a fonte que brota no meio do paraíso e, dividida em quatro rios (Gn 2,10), derrama-se nos corações dos fiéis para irrigar e fecundar a terra inteira.

Acorre com vivo desejo a esta fonte de vida e de luz, quem quer que sejas, ó alma consagrada a Deus, e exclama com todas as forças do teu coração: 'Ó inefável beleza do Deus altíssimo e puríssimo esplendor da luz eterna, vida que vivifica toda vida, luz que ilumina toda luz e conserva em perpétuo esplendor a multidão dos astros, que desde a primeira aurora resplandecem diante do trono da vossa divindade. Ó eterno e inacessível, brilhante e suave manancial daquela fonte oculta aos olhos de todos os mortais! Sois profundidade infinita, altura sem limite, amplidão sem medida, pureza sem mancha!'.

De ti procede o rio que vem trazer alegria à cidade de Deus (Sl 45,5) para que, entre vozes de júbilo e contentamento (Sl 41,5), possamos cantar hinos de louvor ao vosso nome, sabendo por experiência que em vós está a fonte da vida e que, em vossa luz, contemplamos a luz (Sl 35,10).

(São Boaventura)

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Quando falardes, que seja de modo a não ofender ninguém e não digais senão coisas que possais dizer sem receio diante de toda a gente. Tende sempre paz interior e uma atenção amorosa para com Deus; e, quando for necessário falar, que seja com a mesma calma e a mesma paz. Guardai para vós o que Deus vos diz e lembrai-vos desta palavra da Escritura: 'O meu segredo é meu' (Is 24,16). Para avançar na virtude, é importante calar e agir, porque, falando, as pessoas distraem-se, ao passo que, guardando silêncio e trabalhando, recolhem-se. Depois de aprendermos com alguém o que é preciso para o nosso progresso espiritual, não lhe peçamos que continue a falar: ponhamos mãos à obra, com seriedade e silêncio, com zelo e humildade, com caridade e desprezo de nós mesmos. Antes de tudo, é necessário e conveniente servir a Deus no silêncio das tendências desordenadas e da língua, a fim de só ouvir palavras de amor'.

(São João da Cruz)

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XVIII)

Capítulo XVIII

Dores do Purgatório - Santa Perpétua - Santa Gertrudes - Santa Catarina de Gênova - Irmão João de Via

Como já dissemos, a dor dos sentidos tem diferentes graus de intensidade: é menos terrível para aquelas almas que não têm pecados graves para expiar, ou que, já tendo cumprido a parte mais rigorosa de sua expiação, aproximam-se do momento de sua libertação. Muitas daquelas almas não sofrem mais do que a dor da perda, e até já começam a perceber os primeiros raios da glória celestial e a ter um antegozo da bem-aventurança.

Quando Santa Perpétua (Cf. Mar., eh. 7) viu o seu irmão mais novo Dinócrates no Purgatório, a criança não parecia ter sido submetida a nenhuma tortura cruel. A própria mártir escreve o relato dessa visão em sua prisão em Cartago, onde foi confinada pela fé em Cristo durante a perseguição sob Septimus Severus no ano de 205. O purgatório apareceu para ela sob a forma de um deserto árido, onde ela viu o seu irmão Dinócrates, que morrera aos sete anos. A criança tinha uma úlcera no rosto e, atormentado pela sede, tentava em vão beber das águas de uma fonte que estava diante dele, mas cuja borda era muito alta para se alcançar. 

A santa mártir compreendeu que o seu irmão estava no lugar de expiação e que implorava pela ajuda de suas orações. Ela então orou por ele e, três dias depois, em outra visão, viu o mesmo Dinócrates no meio de lindos jardins. Seu rosto era lindo, como o de um anjo; ele estava vestido com um manto brilhante; a beira da fonte estava abaixo dele, e ele bebia copiosamente daquelas águas refrescantes em uma taça de ouro. A santa então compreendeu que a alma de seu irmão mais novo agora desfrutava da bem-aventurança do Paraíso.

Lemos nas Revelações de Santa Gertrudes que uma jovem religiosa do seu convento, por quem nutria um amor especial pelas suas grandes virtudes, morreu nos mais belos sentimentos de piedade (Revelationes Gertrudiana ac Mechtildiana - Henri Oudin, Poitiers, 1875). Enquanto recomendava fervorosamente essa querida alma a Deus, ela ficou extasiada e teve uma visão. A irmã falecida foi mostrada a ela em pé diante do trono de Deus, rodeada por uma auréola brilhante e em ricas vestes. 

No entanto, ela parecia triste e preocupada; seus olhos estavam abaixados, como se ela tivesse vergonha de aparecer diante de Deus; parecia que ela queria fugir e se esconder. Gertrudes, muito surpresa, perguntou à Divina Esposa das Virgens a causa desta tristeza e constrangimento por parte de uma alma tão santa. 'Dulcíssimo Jesus' - ela exclamou - 'Por que a tua infinita bondade não convida a tua cônjuge a se aproximar de ti e a entrar na alegria do seu Senhor? Por que você a abandona assim, triste e receosa?'. Então Nosso Senhor, com um sorriso amoroso, fez um sinal para que aquela alma santa se aproximasse; mas ela, cada vez mais perturbada e após alguma hesitação e toda trêmula, retirou-se.

A essa visão, a santa dirigiu-se então diretamente à alma. 'O que minha filha! - disse à alma - 'você foge diante do Nosso Senhor que a chama? Você, que desejou tanto Jesus durante toda a sua vida, agora afasta-se quando Ele abre os braços para recebê-la?' 'Ah minha querida Mãe' - respondeu a alma - 'eu ainda não sou digna de comparecer perante o Cordeiro Imaculado. Ainda tenho algumas impurezas que contraí na terra. Para se aproximar do Sol da Justiça, é preciso ser tão puro quanto um raio de luz. Ainda não tenho aquele grau de pureza que Ele requer dos seus santos. Saiba que ainda que a porta do Céu fosse aberta para mim, eu não deveria ousar cruzar o limiar antes de estar totalmente purificada de todas as menores impurezas. Parece-me que o coro das virgens que rodeiam o Cordeiro me afastariam com repulsa e horror'. 'E, mesmo assim' - continuou a abadessa - 'vejo-te rodeada de luz e de glória!' 'O que você vê' - respondeu a alma - 'é apenas a orla da vestimenta da glória. Para usar este manto celestial, não devemos reter nem mesmo a sombra do pecado'.

Esta visão nos mostra uma alma muito perto da glória do Céu; mas a sua revelação sobre a santidade infinita de Deus foi de uma ordem muito diferente daquela que conhecemos. Este conhecimento pleno faz com que ela busque, como uma bênção, a expiação que sua condição requer para torná-la digna da visão do Deus três vezes santo. 

Este é exatamente o ensinamento de Santa Catarina de Gênova. Sabemos que esta santa recebeu uma luz particular de Deus sobre o estado das almas no Purgatório. Ela escreveu uma obra intitulada 'Um Tratado sobre o Purgatório', que goza de uma autoridade igual à das obras de Santa Teresa. No Capítulo VIII dessa obra, ela assim se expressa: 'O Senhor é misericordioso. Ele está diante de nós com os braços estendidos para nos receber em sua glória. Mas vejo também que a Essência Divina é de tal pureza que a alma, a menos que esteja absolutamente imaculada, não pode suportar esta visão. Se ela encontrar em si mesma o menor átomo de imperfeição, em vez de habitar com uma impureza na presença da Divina Majestade, ela preferiria mergulhar nas profundezas do Inferno. Encontrando no Purgatório um meio de apagar as suas impurezas, ela se lança ali prontamente e se considera feliz que, por meio de uma grande misericórdia de Deus, seja dada a ela um lugar onde possa se libertar dos obstáculos à felicidade suprema'.

A História da Ordem Seráfica (Parte 4., n. 7; cf. Merv., 83) faz menção a um santo religioso chamado Irmão João de Via, que morreu piedosamente em um mosteiro nas Ilhas Canárias. O seu enfermeiro, o Irmão Ascensão, estava na sua cela rezando e recomendando a Deus a alma dos defuntos, quando de repente viu diante de si um religioso da sua Ordem, mas que parecia transfigurado. Ele estava tão radiante que a cela se encheu de uma bela luz. O irmão, quase fora de si de espanto, não o reconheceu, mas aventurou-se a perguntar quem era e qual era o motivo da sua visita. 'Eu sou' - respondeu a aparição - 'o espírito do irmão João de Via. Agradeço-lhe as orações que elevou ao Céu em meu favor e venho pedir-lhe mais um ato de caridade'. 

'Saiba que, graças à misericórdia divina, estou no lugar da salvação, entre os predestinados para o Céu - a luz que me rodeia é uma prova disso. No entanto, ainda não sou digno de ver a face de Deus por causa de uma omissão que não foi expiada. Durante a minha vida mortal, omiti, por minha própria culpa, e por várias vezes, a recitação do Ofício dos Defuntos, conforme prescrito pela Regra. Rogo-te, meu querido irmão, pelo amor que tens a Jesus Cristo, que rezes esses ofícios de tal forma que a minha dívida seja paga e eu possa me deleitar da visão do meu Deus'. O Irmão Ascensão dirigiu-se de imediato ao seu superior e relatou o que havia acontecido, apressando-se a rezar os ofícios como solicitado. Então a alma do bem-aventurado Irmão João de Via apareceu novamente a ele mas, desta vez, mais brilhante do que antes, pois já estava na posse da felicidade eterna.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)