sábado, 12 de janeiro de 2019

SOBRE A SANTÍSSIMA TRINDADE


Amanhã (13 de janeiro) é dia de Santo Hilário de Poitiers, Doutor da Igreja. Sua obra dogmática mais conhecida é De Trinitate (Sobre a Trindade), na qual defende a doutrina do Concílio de Niceia e demonstra que as Sagradas Escrituras testemunham claramente sobre a divindade do Filho.

'Eu e o Pai somos um só' (Jo 10,30)

Como os hereges não podem negar estas palavras, ditas de modo tão absoluto, as corrompem e as falseiam no sentido de sua impiedade, para torná-las condenáveis. Tentam limitá-las a uma simples unanimidade, como se no Pai e no Filho a unidade fosse só de vontade e não de natureza, isto é, como se fossem eles uma só coisa, não pelo que são, mas pelo que querem.

A tal interpretação adaptam, a seu modo, aquele passo dos Atos dos Apóstolos onde se diz: 'a multidão dos crentes era um só coração e uma só alma' (At 4, 32). Almas e corações em número plural podem se unificar pela convergência das vontades a um único objeto. Servem-se também os hereges do que está escrito aos coríntios: 'quem planta e quem rega são um só' (ICr 3,8). Nesses dois trechos haveria unidade moral, porquanto não difere o ministério instituído para a salvação.

Abusam também daquilo que disse o Senhor, quando rogou ao Pai a salvação das nações que creriam em si: 'Não só por estes rogo, mas também pelos que hão de crer em mim mediante a sua palavra, a fim de que todos sejam um, assim como tu, Pai, és em mim e eu em ti; que eles também sejam um em nós (Jo 17, 20). Ora, como os homens não podem dissolver-se em Deus, nem misturar-se num conglomerado indistinto, sua unidade lhes virá só de uma vontade unânime. Quando os homens fazem o que é do agrado de Deus - argumentam - a harmonia dos espíritos os associa. Logo, concluem, não é a natureza, mas a vontade que os unifica.

Ignora a sabedoria quem a Deus ignora. E como a sabedoria é o Cristo, está fora da sabedoria quem ignora o Cristo ou só o conhece através dessa gente que prefere ver no Senhor de majestade, no Rei dos séculos e Deus unigênito, uma simples criatura, em vez do verdadeiro Filho. E se se obstinam são ainda mais estultos na defesa de sua mentira. Deixando de lado por ora a questão da unidade do Pai e do Filho, podemos perfeitamente refutá-las com as mesmas armas que empregam.

De fato, quando se diz que a alma e o coração dos fiéis eram um, pergunto se isso não acontecia pela fé comum. Sim, pela fé é que o coração e a alma dos fiéis eram uma só coisa. Interrogo agora se essa fé é uma ou múltipla. Uma só, certamente, como aliás já o Apóstolo no-la assegura, pregando ser uma a fé, um o Senhor, um o batismo, uma a esperança e um só Deus. Ora, se pela fé, isto é, pela natureza de uma só fé, todos eram um, como não aceitarás física a unidade dos que são um pela natureza da única fé?

Todos, na verdade, tinham renascido para a inocência, a imortalidade, o conhecimento de Deus, a fé e a esperança. E se essas coisas não podem divergir entre si, pois também a esperança é uma só, e Deus é único, único é o Senhor, e único o banho regenerador, quem poderia dizer que elas são unificadas mais pelo acordo de vontade que por própria natureza? E que, igualmente, só pela vontade são unificados os que renasceram para aqueles bens? Se, porém, foram, antes, regenerados para a natureza de uma mesma vida e eternidade (pelo que seu coração e sua alma se faziam um só), não podemos aqui falar de mera unidade moral: muitos são um só na regeneração da mesma natureza.

Não estamos falando de nós mesmos, nem arranjamos algumas citações falsificadas, corrompendo o sentido das palavras para iludir os nossos ouvintes. Mantendo a forma da sã doutrina, só acolhemos e prezamos o que é genuíno. O Apóstolo, em verdade, ensina, ao escrever aos gálatas, que a unidade dos fiéis lhes vem da natureza dos sacramentos: 'todos os que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo; não há mais nem gentio nem grego, servo nem livre, homem nem mulher: todos sois um só em Cristo Jesus' (Gl 3, 27). Se, pois, tantos são um só, apesar da grande diversidade de nações, condições e sexo, quem poderá supor que isso lhes vem do mero consenso moral? Não será, antes, da unidade do sacramento, um só batismo, onde todos se revestiram do único Cristo? 

Que vem aqui fazer a mera concórdia das vontades, quando eles são um só, precisamente porque se revestiram do Cristo único, mediante a realidade do batismo único? Quando diz a Escritura serem um só o que planta e o que rega, não é também porque, renascidos eles mesmos de um só batismo, constituem, por sua vez, um ministério único na administração do banho regenerador? Não fazem, porventura, a mesma coisa? Não são um só, em um só? Ora, os que são um só pela mesma coisa, são assim por natureza, não apenas por vontade. Tornaram-se um, e são, ao mesmo tempo, ministros da mesma coisa e do mesmo poder. Sirvo-me sempre das alegações opostas pelos tolos, para demonstrar sua tolice. E claro: sendo a verdade firme e imutável, tudo o que uma inteligência perversa e insensata arranja para contradizê-la, vindo em sentido oposto, há de aparecer forçosamente falso e estulto.

Procurando enganar-nos os heréticos arianos com o texto que diz: 'eu e o Pai somos um só', aduziram também outra palavra do Senhor, para levar a que se pensasse (em vez da unidade de natureza e da não diversa divindade) numa simples união de mútuo amor e concórdia de vontades. E este o texto: 'para que todos sejam um só; assim como tu, Pai, és em mim e eu em ti, que eles também sejam um em nós'. Exclui-se, evidentemente, das promessas evangélicas quem se exclui da fé das mesmas. O crime da inteligência ímpia faz perder a esperança, que é simples. Ora, não ter o conhecimento daquilo que constitui o objeto da fé, merece não castigo, mas prêmio, pois o maior estipêndio da fé é esperarmos o que não conhecemos. A última loucura da impiedade é, ou não crer nas coisas que conhece, ou corromper o conhecimento do que deve crer.

Mas ainda que a impiedade mude o sentido daquelas palavras, nem por isso perdem o verdadeiro significado. O Senhor roga ao Pai para que os que crerem nele sejam um só e, como ele mesmo está no Pai e o Pai nele, também sejam neles um só. Por que vens agora introduzir a simples concórdia, a unidade de alma e coração, fundada exclusivamente na harmonia das vontades? Seria assim, com plena propriedade da expressão, se o Senhor, ao dirigir-se ao Pai, tivesse usado termos como estes: 'Pai, assim como nós queremos uma só coisa, também eles queiram uma coisa, e sejamos todos um só pela concórdia das vontades...'

Terá acaso a própria Palavra ignorado a significação das palavras? Não saberá a Verdade dizer coisas verdadeiras? Falou com astúcia a Sabedoria? Aquele que é a Força terá sido incapaz de dizer o que queria? Ora, ele falou, enunciando os puros e verdadeiros mistérios da fé evangélica. Nem se limitou a falar para só mostrar, mas ensinou à nossa fé nestas palavras: 'que todos sejam um só; assim como tu, Pai, és um em mim e eu em ti, que eles também sejam um em nós'. O pedido do Cristo é, primeiro, 'para que todos sejam um só'; em seguida, mostra o modelo da unidade a seguir, nestas palavras: 'assim como tu, Pai, és em mim e eu em ti, que eles sejam também um em nós'. Como o Pai está no Filho e o Filho no Pai, assim todos sejam um no Pai e no Filho, segundo o modelo e a forma da sua unidade!

Mas porque só ao Pai e ao Filho compete a unidade por natureza (pois Deus não pode ser de Deus, nem o Unigênito provir do Pai eterno, senão na sua original natureza), assim também, para que se ressalve ao Filho a sua essência de origem e se reconheça à sua divindade a mesma verdade da Fonte de onde ela procede, eis que o Senhor, solícito em dissipar toda dúvida à nossa fé, se apressa a ensinar-nos nas citadas palavras a natureza dessa absoluta unidade. Segue-se, pois: 'a fim de que o mundo creia que tu me enviaste'. O mundo vai crer na missão do Filho, se todos os que crerem nele forem um no Pai e no Filho.

E como serão, logo acrescenta: 'e eu lhes darei a glória que tu me deste'. Pergunto então se glória é o mesmo que 'vontade'. Vontade é inclinação da mente, glória é reflexo ou dignidade da natureza. Logo, o que o Filho deu aos seus fiéis não é vontade, mas glória, aquela que ele recebeu do Pai. Se, com efeito, tivesse dado não glória, mas vontade, já nossa fé não teria prêmio, pois estaria obrigada por uma vontade prefixada e não livre [não se trata aqui de uma argumentação do santo no sentido de se negar que a fé seja um dom de Deus, mas apenas que a fé pressupõe uma vontade livre].

A doação da glória constitui o bem indicado nas palavras que se seguem: 'para que sejam um como nós o somos'. É para que sejam todos um, que a glória por ele recebida do Pai é dada aos crentes. São todos um só na glória concedida, pois não é outra a que ele dá senão a que ele recebe, nem para outro fim é dada senão para que todos sejam um. E, como pela glória dada pelo Filho aos fiéis, todos são um, pergunto como há de ter o Filho uma glória menor do que a do Pai se, aos próprios crentes, a glória do Filho eleva à unidade da glória do Pai. Sem o aspecto da esperança humana, a palavra do Senhor será talvez insólita, mas seguramente não é infiel. Pois, embora fosse temerário esperar isso, seria irreligioso deixar de crer no autor tanto da fé quanto da esperança ali contida.

Bem, trataremos melhor deste assunto a seu tempo. Por ora, basta-nos ver que nossa esperança não é vã ou temerária. Concluindo: todos são um pela glória que o Filho recebe do Pai e confere aos fiéis. Afirmo a fé e ao mesmo tempo fico sabendo a causa da unidade. Só falta compreender melhor a razão por que essa glória dada ao cristão é capaz de fundar tal unidade. Não querendo o Senhor deixar algo incerto, referiu-se a um efeito da sua ação física, quando exclamou: 'para que todos sejam um, como nós somos um só. Eu neles e tu em mim para que sejam perfeitos na unidade' (Jo 17, 22).

Tenho vontade de perguntar agora aos que pretendem existir entre Pai e Filho unidade puramente moral, se hoje o Cristo está em nós na verdade da natureza, ou numa simples concórdia de vontades. Se, com efeito, o Verbo se fez carne e, se na Ceia do Senhor nós tomamos verdadeiramente esse Verbo-carne, como não há de permanecer ele em nós fisicamente? Nascido homem, não assumiu, de modo inseparável, a natureza mesma de nossa carne? E no mistério do seu corpo, dado a nós em comunhão, não o juntou à natureza de sua carne sua divindade eterna? Logo, todos são um só, porque no Cristo está o Pai e em nós o Cristo.

Quem nega que o Pai esteja fisicamente em Cristo, deve primeiro negar que ele mesmo esteja fisicamente em Cristo e o Cristo em si. É porque em Cristo está o Pai, e em nós o Cristo, que nós somos também feitos uma só coisa. Se é verdade que Cristo assumiu a carne de nosso corpo, e que o homem nascido de Maria é Cristo; se é verdade que nós recebemos em mistério a carne de seu corpo (e por isso mesmo seremos um, pois o Pai está nele e ele em nós), como ousam asseverar uma unidade puramente moral, quando pelo sacramento a propriedade natural (da Carne assumida por Cristo e por nós comida) é mistério da perfeita unidade?

Não se deve falar das coisas de Deus segundo o espírito do homem e do século. Nem numa pregação violenta e imprudente. Da pureza das palavras divinas devemos excluir a perversidade de um entendimento ímpio e estranho. Leiamos simplesmente o que está escrito e entendamos o que lermos: é o modo de exercitar a perfeita fé. Tudo que dissermos da realidade física de Cristo em nós, ou foi dele mesmo que aprendemos, ou então é ímpio e estulto o que afirmamos. Mas ele mesmo diz: 'Minha carne é verdadeiramente comida e meu sangue verdadeiramente bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, fica em mim e eu nele' (Jo 6, 56). Quanto à verdade da carne e do sangue, não há lugar para dúvida: é verdadeiramente carne e verdadeiramente sangue, como vemos pela própria declaração do Senhor e por nossa fé em suas palavras. Esta carne, uma vez comida, e este sangue, bebido, fazem que sejamos também nós um em Cristo, e o Cristo em nós. Não é isto verdade? Não o será para os que negam ser Jesus Cristo verdadeiro Deus! Ele está, pois, em nós por sua carne e nós nele, e ao mesmo tempo o que nós somos está com ele em Deus.

Jesus mesmo atesta quão realmente estejamos nele pelo mistério da comunhão de sua carne e sangue, dizendo: 'o mundo já não me vê; vós, porém, me vereis, pois, eu vivo e vós vivereis; pois eu estou no Pai e vós em mim, e eu em vós' (Jo 14, 19). Se tencionou referir-se apenas a uma unidade de vontade, por que estabeleceu esta graduação e ordem na consumação da unidade? Não foi senão para que se cresse que ele está em nós pelo mistério dos sacramentos, como está no Pai pela natureza da sua divindade, e nós nele, por sua natureza corporal. Ensina-se, portanto, que pelo nosso Mediador se consuma a unidade perfeita, pois enquanto nós permanecemos nele, ele permanece no Pai, e, sem deixar de permanecer no Pai, permanece também em nós, e assim nós subimos até à unidade do Pai! Ele está no Pai fisicamente, segundo a origem de sua eterna natividade, e nós estamos nele fisicamente, enquanto também está em nós fisicamente.

Quão real seja esta unidade em nós, atesta-o, dizendo: 'Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele' (Jo 6, 56). Só aquele no qual o Senhor estiver poderá estar nele. Ele somente assume a carne daquele que o receber. Já tinha o Senhor ensinado antes o mistério desta perfeita unidade, ao dizer: 'Assim como me enviou o Pai, que vive, e eu vivo pelo Pai, o que comer a minha carne também viverá por mim' (Jo 6, 57).Ele vive, pois, pelo Pai e do mesmo modo como vive pelo Pai nós vivemos por sua carne.

Toda comparação, realmente, se emprega para determinar a forma que se quer dar a entender. Seu fim é fazer-nos atingir uma realidade segundo o modelo proposto. Esta é, pois, a causa de nossa vida: que, por sua carne, tenhamos o Cristo em nós. Nós somos corporais, mas destinados a viver por ele segundo a mesma condição em que ele vive pelo Pai. Se, portanto, vivemos por ele, fisicamente, segundo a carne, isto é, alcançando a natureza de sua carne mesma, como é que ele não tem fisicamente o Pai, segundo o espírito, se é pelo Pai que ele vive? Vive realmente pelo Pai; sua origem por geração não lhe confere uma natureza diversa, e é pelo Pai que é o que é, nunca se separando por qualquer dessemelhança sobrevinda. Por sua geração tem em si o Pai na força da mesma natureza.

Se quisemos recordar tudo isto foi porque os hereges, afirmando falsamente uma simples unidade moral entre o Pai e o Filho usavam o exemplo de nossa própria unidade com Deus. Para eles, era como se, unidos ao Filho e ao Pai por mero vínculo de obséquio e vontade religiosa, estivéssemos excluídos de qualquer comunhão física pelo sacramento da carne e do sangue. Ora, a verdade é que, pela comunicação da própria honra do Filho e pela existência do próprio Filho em nós por sua carne, e de nós nele, de modo corporal e inseparável, se tem de professar o mistério de uma unidade real e verdadeira.

OREMUS! (12)

12 DE JANEIRO

Mundamini qui fertis vasa Domini [purificai-vos, vós que levais os vasos do Senhor] (Is 52,11)

Seria essa uma das consequências do nosso exame diário de consciência: maior cuidado pela pureza de nossa alma. Se deviam ser puros e inocentes aqueles que apenas tocavam nos vasos do Templo, quanta inocência Deus não estará exigindo daqueles que devem tratar diariamente com o Panis Angelicus [Pão dos Anjos (Sagrada Eucaristia)].

Triste e lamentável seria, se justamente a alma do sacerdote destoasse daquela pureza e dignidade que a Igreja requer em tudo o que está a serviço do culto divino. Deponentes igitur omnem malitiam, et omnem dolum, et simulationes, et invidias, et omnes detractiones. Sicut modo geniti infantes [Deponde, pois, toda malícia, toda astúcia, fingimentos, invejas e toda espécie de maledicência, como crianças recém-nascidas (1Pd 2,1)]. Como seria diferente a minha vida, se diariamente, à noite, eu examinasse, com minha consciência, os pensamentos, palavras e ações do dia!

Não foi sem motivo que a Igreja insistiu comigo, dizendo: Estote ergo talis, ut sacrificiis divinis digne servire valeas [portanto, possas servir ao sacrifício divino de maneira digna; trecho do rito de ordenação constante do Pontifical Romano]. Revendo e estudando a minha vida de todos os dias, irei me convencer de que tudo leva certamente o selo da boa vontade, mas que alguma coisa poderá estar em desacordo com esse digne servire [servir dignamente]. Não irei permitir, então, que certas falhas me acompanhem sempre, como coisa normal, que a minha indiferença não vê, e, por isso mesmo, não condena.

(Oremus — Pensamentos para a Meditação de Todos os Dias, do Pe. Isac Lorena, 1963, com complementos de trechos traduzidos do latim pelo autor do blog)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

COMPÊNDIO DE SÃO JOSÉ (I)


01. Quais são as referências bíblicas que encontramos sobre São José? 

No Novo Testamento as primeiras notícias que possuímos sobre são José nos são dadas pelos evangelistas Mateus e Lucas, os quais procuraram ilustrar com interesse as referências sobre o nascimento, a infância e a adolescência de Jesus. Desta forma eles nos deram esta ficha biográfica de José: 

a) descendente da casa de Davi (Mt 1,16; Lc 1,27);
b) esposo de Maria (Mt 1,18-22);
c) conhecido por todos como pai de Jesus (Mt 1,20; 13,55; Lc 3,23 ; 2,48); também João faz a mesma referência (Jo 6,42);
d) ficou perplexo diante do mistério da Encarnação de Jesus no seio de Maria (Mt 1,19);
e) foi com Maria a Belém para o recenseamento ordenado por César Augusto (Lc 2,41);
f) fugiu para o Egito e voltou depois com Maria e o Menino para Nazaré (Mt 2,14-21);
g) em companhia de Maria, encontrou Jesus que tinha doze anos junto ao templo de Jerusalém e em seguida o Menino desceu com eles para Nazaré, onde lhes era submisso (Lc 2,41-52);
h) tinha a profissão de Carpinteiro (Mt 13,55);
i) era um homem justo (Mt 1,19). 

02. Existem outras referências sobre São José nos Evangelhos? 

Não. São apenas estas, inclusive não é registrada nenhuma palavra sua. Complexivamente são apenas vinte e seis versículos que lhe são dedicados, onde os evangelistas o nomeiam por quatro vezes. 

03. Por que sendo José, depois de Maria, o colaborador de Deus mais importante na história da salvação, é tão silenciado? 

É verdade que São José é um dos maiores santos dos evangelhos, é maior que João Batista que recebeu um elogio de Jesus sobre sua pessoa (Mt 11,11), é maior que Isabel que concebeu milagrosamente o precursor do Salvador (Lc 1,13-17) , é maior que Pedro que recebeu os poderes de Jesus (Mt 16,18) e dos demais apóstolos que foram os colaboradores diretos de Jesus (Mt 10,1-4), é maior que os patriarcas, que os profetas e os reis porque cumpriu uma especialíssima missão. Entretanto, não devemos estranhar esta 'pouca importância descritiva' sobre José, visto que os evangelistas estavam preocupados em narrar a vida de Jesus e seu ministério, ainda mais porque sua santidade falava mais alto do que qualquer palavra. 

04. Como explicar duas genealogias de Jesus? 

O evangelista Mateus, através de sua pena, percorre todo o caminho da ascendência de Jesus até chegar a Jacó (Mt 1,1-16). Ele nos faz ver a sucessão legal, respeitando os direitos messiânicos de Davi até Jesus. Na sua genealogia, Jesus é qualificado como Cristo, ou seja, o Messias. Naturalmente Mateus escreveu para os judeus e isso tinha uma importância particular. Ele defende a descendência davídica de Jesus, o que era indispensável para os hebreus, a fim do reconhecimento como 'aquele que deve vir'. O próprio João Batista perguntou a Jesus: 'és tu aquele que deve vir ou devemos esperar outro?' (Mt 11,3). Por outro lado, Lucas segue outra linha indicando a sucessão natural de Jesus e fez o percurso da genealogia de Jesus chegar a Levi, como pai de José (Lc 3,23). 

Para explicar melhor esta questão é necessário um estudo exegético aprofundado. Em todo caso, para esta questão de uma dupla genealogia os estudiosos propõem duas soluções: 

(i) Com base na Lei do Levirato, expressa no livro do Deuteronômio (Dt 25,5-10), era estabelecido que, se uma mulher ficasse viúva, devia tornar-se esposa do irmão do esposo falecido e o primeiro filho desse casamento era considerado filho legal do primeiro marido e filho natural do segundo marido;
(ii) Supõe-se que Maria era filha única de Levi e José, ao esposá-la, entrou com plenos direitos de filho na família de seu sogro, isto porque diante da lei, neste caso, Levi podia ser considerado pai de José. 

O importante é saber que José deu a Jesus o título messiânico: ele introduziu Jesus ao mundo como descendente de Davi, ou como afirmou São Bernardino de Sena: 'de uma certa maneira, José deu a Deus, na pessoa do Filho, a nobreza temporal'.

05. Podemos ainda conhecer outros dados referentes a São José? 

Claro que além destas referências explícitas podemos afirmar outros dados com base na história ou tradição e com poucas possibilidades de credibilidade também nos dados dos apócrifos, que são textos da mesma época dos escritos bíblicos ou até um pouco posteriores, chegando até aos primeiros séculos de nossa era, mas não são escritos considerados como inspirados, e portanto não foram considerados de uso oficial no ensino da Igreja. É sabido, contudo, que José pertencia à casa e à família de Davi e que herdou a promessa feita a Davi.

('100 Questões sobre a Teologia de São José', do Pe. José Antonio Bertolin, adaptado)

OREMUS! (11)

11 DE JANEIRO

Mihi vivere Christus est [para mim o viver é Cristo] (Fl 1,21)

Por eu ser um Alter Christus [outro Cristo], minha vida precisa refletir continuamente a vida do meu Mestre. E isto não me será possível, sem um profundo conhecimento de Nosso Senhor. Por eu ser o Praedicator veritatis [pregador da Verdade], preciso conhecer a Verdade em sua fonte, assim como ela veio ao mundo. Mas, como irei imitar um Mestre que não conheço? E como irei ensinar e viver a Verdade que não estudo?

A biografia de Nosso Senhor — completa, enquanto possível — está no Evangelho. Aí posso encontrar veluti viva et spirans imago eius [a imagem dEle, viva e palpitante]. Irei vê-lo, para que o possa imitar e ensinar, assim como Ele era realmente. Mas, o Evangelho é talvez o livro que menos leio, e que menos estudo. Acho indispensável a leitura diária dos jornais e revistas. Mas, do Livro por excelência, leio apenas algum trecho, aos domingos, para os fiéis; e, talvez, nem isso. 

Há livros que me interessam muito mais, porque, infelizmente, ainda não descobri que há, no Evangelho, uma riqueza inesgotável, para mim, e para as almas que eu devo alimentar com a Palavra divina. A falta de interesse pelo Evangelho, denuncia sempre, no sacerdote, a falta de interesse no próprio Nosso Senhor.

(Oremus — Pensamentos para a Meditação de Todos os Dias, do Pe. Isac Lorena, 1963, com complementos de trechos traduzidos do latim pelo autor do blog)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

UMA LUZ NA NOITE


(Excertos da obra 'Gratia Plena', de Jean Galot, trad. monjas beneditinas, 1962)

OREMUS! (10)

10 DE JANEIRO

Infelix ego homo! [homem infeliz que sou!] (Rm 7,24)

Tratando-se das ocasiões de pecado, há um modo de encarar as coisas, não com simplicidade cristã, mas com exagerada naturalidade. Chama-se a isto mentalidade arejada, segundo a qual, as ocasiões não seriam tão frequentes, nem o perigo tão grande como quer a mentalidade antiga e acanhada. Nem tanto ao mar, mas também nem tanto à terra.

O Antigo Testamento já condenou aquele que ama o perigo. E São Paulo nos diz que, para nos enganar, o demônio é capaz de tudo; chega mesmo a se transfigurar: Ipse Satanas transfigurat se in angelum lucis [o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz]... A nossa fraqueza é tão grande, que facilmente chegamos a defender uma coisa, pelo simples motivo de a desejarmos. E assim, às vezes, dizemos não haver perigo, porque realmente queremos o perigo.

Estaremos em melhores condições que o Apóstolo? Infelix ego homo, quis me liberabit de corpore mortis huius? [Homem infeliz que sou! Quem me livrará deste corpo que me acarreta a morte?, palavras de São Paulo aos romanos, em Rm 7,24]. Spiritus quidem promptus est [o espírito, na verdade, está pronto] — não há dúvida; mas... caro autem infirma [mas a carne é fraca], e disto não podemos duvidar também. Temos uma natureza de morte; e quando ela quer alguma coisa, usa de todos os meios para a justificar: Quod volumus libenter credimus...[sempre acreditamos no que queremos acreditar].

(Oremus — Pensamentos para a Meditação de Todos os Dias, do Pe. Isac Lorena, 1963, com complementos de trechos traduzidos do latim pelo autor do blog)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

TRÊS ATITUDES FUNDAMENTAIS

Desejo de ti três atitudes, a fim de não impedires o aperfeiçoamento a que te chamo e para que o demônio, sob a aparência de virtude, não instile em teu coração a semente da presunção, que poderia levar-te àqueles falsos julgamentos, que te desaconselhei. Pensando estar na verdade, errarias. Às vezes, o demônio até faz conhecer exatamente a realidade, mas para conduzir depois ao erro. A intenção do maligno é transformar-te em juiz dos pensamentos e intenções dos outros. Mas o julgamento, como disse, só a mim pertence.

1 – Não corrigir o próximo

A primeira coisa que te peço é que retenhas tua opinião e não julgues os outros imprudentemente. Eis como deves agir: se eu não te manifestar expressamente, não digo uma ou duas vezes, mas diversas vezes, o defeito de uma pessoa, jamais deves fazer referências sobre tal coisa diretamente à pessoa, que julgas possui-lo. Quanto aos que te visitam, corrigirás os defeitos genericamente, mediante conselhos sobre as virtudes, e isso com amor e bondade. Em caso de necessidade, usarás de firmeza, mas com mansidão. No caso de que eu te revele por diversas vezes os defeitos alheios, mas não tiveres certeza de que é uma revelação expressa, não fales diretamente sobre o caso. A fim de evitar a ilusão do demônio, segue o caminho mais seguro. O diabo pode enganar-te sob aparência de caridade, fazendo-te condenar os outros em assuntos não verdadeiros, com escândalo mesmo. Nesses casos, esteja na tua boca o silêncio.

Ao perceberes defeitos nos outros, reconhece-os primeiro em ti com muita humildade. No caso de existir realmente o pecado em alguém, mais facilmente ele corrigir-se-á se for compreendido bondosamente. A correção que não ofende, obrigá-lo-á a emendar-se. Aquela pessoa confirmará quanto querias dizer e tu mesma te sentirás mais segura, impedindo a intervenção do demônio, o qual não conseguirá enganar-te, prejudicando teu aperfeiçoamento. Convence-te de que não deves acreditar em opiniões. Ao escutá-las, atira-as para trás, nas costas; não as leves em consideração. Procura ir examinando apenas tua própria pessoa e minha bondade, tão generosa. Esta é a atitude de quem alcançou o último grau da perfeição e que, como já disse, sempre retorna ao vale do autoconhecimento. Atitude que, no entanto, não lhe impede o elevado estado de união comigo. Esta é a primeira coisa que deves praticar, a fim de me servires na verdade.

2 – Não julgar o interior do homem

Passo a falar da segunda atitude. Quando estiveres orando diante de mim por alguém e acontecer de perceberes a luz da graça numa pessoa e em outra não, parecendo-te que esta última está envolta em trevas, não deves concluir que a segunda se acha em pecado mortal. Teu julgamento seria muitas vezes errado. Outras vezes, ao pedires por uma mesma pessoa, de uma feita a verás luminosa e tua alma sentir-se-á fortalecida naquele amor de caridade pelo qual o homem participa do bem do outro; numa outra vez, o espírito daquela pessoa parecerá distante de mim, como que em trevas e pecado, fato que tornará penosa tua oração em seu favor, ao quereres conservá-la diante de mim.

Este último fato pode acontecer, às vezes, devido à presença de pecados naquele por quem oras; mas na maioria dos casos será por outras razões. Fui eu, Deus eterno, que me afastei da pessoa. Conforme expliquei ao tratar dos estados da alma, retiro-me das almas a fim de que elas progridam no meu amor. Embora a alma continue em estado de graça, ausento-me quanto às consolações e deixo o espírito na aridez, tristonho e vazio. Quando alguém ora por tal pessoa, costumo transmitir-lhe esses mesmos sentimentos. Quero que ambos, unidos, se entreajudem no afastamento da nuvem que pesa sobre aquela alma.

Como vês, filha querida, seria iníquo e digno de repreensão, se alguém julgasse que a alma está em pecado mortal somente porque a fiz ver envolta em dificuldades, privada de consolações espirituais que possuía antes. Tu e meus servidores deveis esforçar-vos por conhecer-vos melhor, bem como, por conhecer-me. Quanto a julgamentos semelhantes, deixai-os para mim. A mim, o que me pertence; vós, sede compassivos e desejosos de minha glória e da salvação dos outros homens. Manifestai as virtudes e repreendei os vícios, tanto em vós como nos outros, segundo a maneira como indiquei acima. Desse modo chegareis até mim, após entender e viver a mensagem do meu Filho, a qual consiste na preocupação consigo mesmo, não com os demais. É assim que deveis agir, se pretendeis praticar a virtude desinteressadamente e perseverar na última e perfeitíssima iluminação, repleta de desejo santo, isto é, de zelo pela minha glória e pela salvação do próximo.

3 – Respeitar a espiritualidade alheia

Após discorrer sobre as duas primeiras atitudes, ocupo-me da terceira. Quero que prestes muita atenção, a fim de que o demônio e tua fraca inteligência não te façam obrigar outras pessoas a viver como tu vives. Tal ensinamento seria contrário à mensagem do meu Filho. Ao ver que a maioria das almas segue pela estrada da mortificação, alguém poderia querer orientar todos os outros a seguirem pelo mesmo caminho. Ao notar que uma pessoa não concorda, aquele conselheiro se entristece, fica intimamente contrariado, convencido de que o fulano age mal.

Grande engano! Na realidade está mais certo quem pareceria andar errado, fazendo menos penitência. Pelo menos será mais virtuoso, sem grandes macerações, do que aquele que o fica a criticar. Já te disse que devem ser humildes aqueles que se mortificam. Considerem as penitências como meros instrumentos, não como a meta. Normalmente, as murmurações prejudicam o aperfeiçoamento no amor. Quem se penitencia, não seja mau, não ponha sua santidade unicamente no macerar o corpo. O aperfeiçoamento encontra-se na eliminação da vontade própria. A atitude desejável para todos é que submetam a má vontade pessoal à minha vontade, tão amorosa. É isso o que eu desejo. É esse o ensinamento do meu Filho. Quem o seguir estará na verdade.

Não desprezo a penitência. Ela é útil para reprimir o corpo, quando ele se opõe ao espírito. Mas, filha querida, não a deves impor como norma. Nem todos os corpos são iguais, nem todos possuem a mesma resistência física. Um é mais forte que o outro. Como afirmei, muitas vezes motivos fortuitos aconselham a interrupção de alguma mortificação iniciada. Ora, seria falsa tal afirmação se a penitência fosse algo de essencial para ti ou para outra pessoa. Se a perfeição estivesse na mortificação, ao deixá-la, julgaríeis estar sem minha presença, cairíeis no tédio, na tristeza, na amargura e na confusão. Deixaríeis o exercício da oração, realizando ao mortificar-vos. Interrompida assim, com tantos inconvenientes, a mortificação nem seria mais agradável ao ser retomada.

Eis o que aconteceria, se a essência da perfeição consistisse na mortificação exterior e não no amor pela virtude. Grande é o mal causado pela mentalidade, que põe na penitência o fundamento da vida espiritual. Tal mentalidade deixa a pessoa sem compreensão para com os outros, murmuradora, desanimada e cheia de angústias. Além disso, todo vosso esforço para honrar-me se basearia em ações finitas, ao passo que exijo de vós um amor infinito. É indispensável que considereis como elemento básico de vosso aperfeiçoamento a eliminação da vontade própria; submetendo-a a mim, fareis um ato de desejo agradável, inflamado, infinito para minha honra e para a salvação dos homens. Será um ato de desejo santo, que em nada se escandaliza, que em tudo se alegra, qualquer seja a situação que eu permita para vosso proveito.

Não se comportam desse modo os infelizes que seguem por estradas diferentes daquela reta e suave ensinada por meu Filho. Comportam-se de outro jeito: julgam os acontecimentos de acordo com a própria cegueira e com o errado ponto de vista; caminham como loucos sem tirar proveito dos bens terrenos nem gozar dos celestes. Como afirmei antes, já possuem a garantia do inferno.

4 – Resumo das três atitudes anteriores

Essa é a resposta às tuas perguntas, filha querida, sobre a maneira de corrigir o próximo sem ser enganada pelo demônio e sem conformar-te ao teu fraco modo de pensar. Disse que deves corrigir o próximo genericamente, sem descer aos casos pessoais. A não ser que eu te revele expressamente a situação de pecado; mas assim mesmo, com muita humildade. Disse também, e torno a repetir, que jamais deves julgar o próximo, em geral ou em particular, pronunciando-te sobre o estado da sua alma, seja para o bem como para o mal. Expliquei o motivo: o julgamento pessoal é sempre enganador. Tu e os outros servidores meus, deixai para mim todo o julgamento.

Enfim, expus a doutrina relativa ao fundamento verdadeiro da perfeição, o qual deves ensinar a quem te procurar desejoso de abandonar o pecado e praticar a virtude, o autoconhecimento e o conhecimento do meu ser. Ensinarás a tais pessoas, que destruam a vontade própria, que jamais se revoltem contra mim, que considerem a penitência como um meio, não como finalidade principal. Afirmei ainda que não deves aconselhar a mortificação em grau igual para todos, mas de acordo com a capacidade de cada um, em seu estado de vida. A uns pedirás pouco, a outros mais, segundo a capacidade corporal.

Pelo fato de dizer-te que só deves corrigir genericamente, não pretendo afirmar que jamais hás de corrigir pessoalmente. Serás até obrigada a fazê-lo. Quando alguém se obstina em não emendar-se, podes recorrer a duas ou três pessoas (Mt 18, 16); e, se isso for inútil, apresenta o caso à hierarquia da Santa Igreja. Ensinei que não deves corrigir tomando como norma teu modo pessoal de ver, teu sentimento interior; baseando-te nele, não podes mudar de opinião sobre as pessoas. Sem prova evidente ou revelação expressa, não repreendas ninguém. Tal modo de agir é o mais seguro para ti, pois ele evita que o demônio te engane com aparências de amor fraterno.

(Excertos da obra 'O Diálogo', Revelações de Deus Pai a Santa Catarina de Sena)