terça-feira, 6 de setembro de 2016

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Temeis aproximar-vos do Pai; assustados com o som de Sua voz, precipitai-vos buscando esconder-vos por entre as folhagens. O Pai vos deu Jesus como mediador. Tal Filho pode obter tudo de seu Pai. Ele será atendido no que diz respeito a si mesmo, porque o Pai ama seu Filho. Vós teríeis medo de seu Filho, também? Ele é vosso irmão e vossa carne, Ele sofreu e tudo suportou, exceto o pecado, e isso para ensinar a misericórdia. Este seu irmão vos foi dado por Maria. Mas, talvez tenhais medo da sua majestade divina, visto que, tornando-se homem Ele permaneceu Deus. Estais à procura de um advogado junto a Ele? Recorrei a Maria. Nela haveis de encontrar a humanidade em seu estado puro. Eu não hesito em dizer que ela também será ouvida, naquilo que solicitar. O Filho ouvirá a sua Mãe, e o Pai ouvirá o seu Filho. Meus filhinhos, eis a escada dos pecadores, eis toda a minha segurança e a razão da minha esperança'.
(São Bernardo)

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

BREVIÁRIO DIGITAL (XLII) - ANNE DE BRETAGNE (III)

LIVRO DE ORAÇÕES DE ANNE DE BRETAGNE* (1477 - 1514) - PARTE III

* esposa de dois reis sucessivos da França, Charles VII e Luís XII


AUTORIA DAS ILUMINURAS: JEAN POYER 


I.10 - O Apóstolo Simão e o Profeta Sofonias: o apóstolo é representado segurando um báculo e olhando timidamente para a frente, ao passo que o apóstolo é mostrado de perfil e numa posição de extrema rigidez. A inscrição do rolo de pergaminho é de autoria do profeta Malaquias e não de Sofonias, um dos erros destas iluminuras.



I.11 - O Apóstolo Tiago Menor e o Profeta Joel: o apóstolo é representado segurando o Evangelho e um cajado, símbolo do objeto com o qual foi espancado até a morte pelos judeus; o seu corpo foi depois atirado do parapeito do templo de Jerusalém. O profeta Joel é mostrado de perfil, olhando incisivamente para o apóstolo e segurando o seu rolo de pergaminho firmemente com ambas as mãos.


I.12 - O Apóstolo Mateus e o Profeta Miqueias: o apóstolo é representado segurando um saco de dinheiro pois trabalhava, antes de sua conversão, como coletor de impostos para os romanos. O profeta tem o seu rolo de pergaminho envolvendo todo o seu corpo. Note-se a clara noção de perspectiva presente na iluminura pelo piso na forma de lajotas coloridas e pela projeção das sombras dos dois homens.



I.13 - O Apóstolo Tadeu e o Profeta Daniel: o apóstolo, segurando um longo machado esmerilhado, símbolo do instrumento do seu martírio por decapitação, parece ouvir concentrado a argumentação do profeta, apoiado em um pequeno bastão. Novamente, a noção de perspectiva está presente, nas variações da paisagem e das texturas das cores atrás dos dois homens.



I.14 - O Apóstolo Matias e o Profeta Ezequiel: o apóstolo Matias, o último apóstolo por ser escolhido posteriormente para substituir Judas Iscariotes, lê uma passagem do Evangelho, enquanto o profeta aponta para a inscrição do seu rolo de pergaminho. Como em todas as iluminuras anteriores, a imagem é envolvida pelas letras A, N e E, entrelaçadas, que fazem referência a Anne de Bretagne.

domingo, 4 de setembro de 2016

'QUEM NÃO CARREGA SUA CRUZ...'

Páginas do Evangelho - Vigésimo Terceiro Domingo do Tempo Comum 


Na essência do amor a Deus vivido em plenitude, está o abandono aos valores do mundo e às glórias humanas. No desapego aos valores materiais, no desprendimento aos moldes terrenos de vidas tangidas meramente pelas relações humanas, ainda que louváveis e boas em si, a alma se liberta do lastro e das amarras das felicidades transitórias dessa vida para a impulsão definitiva para a felicidade eterna do Céu. 

As palavras de Jesus no Evangelho de hoje são duras: 'Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo' (Lc 14, 26). Pois é preciso servir primeiro a Deus e depois aos homens; e porque é preciso estar sem lastros humanos para servir a Deus sobre todas as coisas, é preciso superar relações humanas ainda que fraternas; porque sendo o amor divino o itinerário da eternidade, é preciso vivê-lo em patamares além das dimensões seguras e sensíveis dos amores humanos mais belos, que ligam pai e filho, mãe e filha, irmãos e irmãs, pais e esposos. Eis a essência desse amor sem medidas: por tudo de lado, até a própria vida, para seguir Jesus Cristo e o Evangelho.

Esta dimensão de renúncia e despojamento completo não é fácil, não é simples, não é desprovida de sacrifício: 'Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo' (Lc 14, 27). Sim, é preciso carregar a cruz: cruz que se torna pesada quando tolhida à terra pelos afazeres e lastros dos apegos humanos; cruz que se torna um jugo suave quando levada pela alma do discípulo incensado do mais puro amor de Deus. Per crucem ad lucem: é pela cruz que se chega à luz.

Jesus vai revelar em seguida, por meio de duas curtas parábolas, que, uma vez conhecidas as dificuldades de superação dos nossos apegos aos valores humanos, o propósito de renúncia ao mundo exige planejamento, prudência e perseverança: 'Com efeito: qual de vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro e calcula os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar?' (Lc 14, 28). 'Ou ainda: qual o rei que ao sair para guerrear com outro, não se senta primeiro e examina bem se com dez mil homens poderá enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil?' (Lc 14, 31). Não se constrói uma torre ou se participa de uma guerra, sem armas, ferramentas ou projetos solidamente firmados. O que dizer, portanto, em relação à nossa caminhada de vida interior e espiritual que tem como medida a própria eternidade?

sábado, 3 de setembro de 2016

QUESTÕES SOBRE A NATUREZA DO DEMÔNIO (I)


QUESTÃO 1: O que é um demônio?

Um demônio é um ser espiritual, de natureza angélica, condenado eternamente. Não tem corpo; não existe em seu ser nenhum tipo de matéria sutil nem coisa alguma semelhante à matéria, tratando-se, portanto, de uma existência de caráter inteiramente espiritual. Spiritus, em latim, significa 'sopro, hálito'. Uma vez que não têm corpo, os demônios não sentem a mínima inclinação para qualquer pecado que se possa cometer com o corpo. Assim, a gula ou a luxúria são impossíveis para eles. Eles podem tentar os homens a pecarem nessas matérias, porém conseguem perceber esses pecados somente de um modo meramente intelectual, pois não possuem sentidos corporais. Os pecados dos demônios, portanto, são exclusivamente espirituais.

Os demônios não foram criados [como seres] maus. Ao serem criados, lhes foi oferecida uma prova, uma prova prévia à visão da essência da Divindade. Antes da prova, viam a Deus, mas não à sua essência. O próprio verbo 'ver' é apenas aproximado, pois a visão dos anjos é uma visão intelectual. Como a muitos resultará muito difícil entender como podiam ver/conhecer a Deus, mas não ver/conhecer a sua essência, há que se propor uma comparação deste modo: eles viam a Deus como uma luz, O ouviam com uma voz majestosa e santa, mas a Face de Deus não lhes era revelada. De todo modo, ainda que não perscrutassem a essência divina, sabiam que era o seu Criador e que era santo, Santo entre os Santos. Antes de possuírem a visão beatífica dessa essência divina, Deus lhes impôs uma prova, que uns obedeceram e outros desobedeceram. Aqueles que desobedeceram, foram transformados em demônios de forma irreversível.  Eles mesmos se transformaram no que são. Ninguém os fez assim. 

Algumas fases se sucederam na psicologia dos anjos antes de se transformarem em demônios. Estas fases ocorreram não no tempo material, mas no evo [do latim aevu, eternidade; conceito utilizado como 'tempo' no domínio dos espíritos]. Ao se darem no evo, essas fases aos humanos pareceriam que foram quase instantâneas. Mas, o que para nós pareceria tão breve, para eles teve uma duração enorme. As fases de transformação dos anjos em demônios foram as seguintes: no início, lhes penetrou a dúvida, a dúvida de que talvez a desobediência à Lei Divina pudesse ser a melhor [opção]. No momento em que, de forma espontânea, aceitaram a possibilidade de que a desobediência a Deus fosse uma opção a considerar, já pecaram. No princípio, essa aceitação da dúvida constituiria um pecado venial que pouco a pouco foi evoluindo para um pecado mais grave. Neste princípio, nenhum dos anjos em dúvida estava disposto a separar-se irreversivelmente [de Deus], nem mesmo o Diabo. [Isto ocorreu] posteriormente, quando se foi sedimentando em suas inteligências aquilo que suas vontades haviam escolhido, não obstante o reclame de suas inteligências, que lhes recordava que tal desobediência era contra a razão. Entretanto, suas vontades foram se afastando de Deus e, como consequência disso, suas inteligências foram aceitando como verdadeiro o mal que as suas vontades haviam escolhido. Suas inteligências foram consolidando [cada vez mais] no erro. 

A vontade de desobedecer foi se firmando e tornando essa determinação cada vez mais profunda. A inteligência passou a buscar mais e mais razões para que tal escolha resultasse mais e mais justificável. Finalmente, o processo levou ao pecado mortal que se deu em um momento concreto, por meio de um ato de vontade. Com efeito, cada anjo [daqueles que optaram por desobedecer a Deus] quis, num dado momento, não apenas desobedecer, mas optou por querer inclusive uma existência à margem da Lei Divina. Não era mais apenas um resfriamento do Amor a Deus, não era apenas uma desobediência menor a algo que lhes fossem difícil de aceitar; na vontade de muitos deles, arraigou-se a ideia de um destino separado da Trindade, um destino autônomo.

Aqueles que perseveraram neste pensamento e decisão começaram um processo de justificação desta escolha; um processo de auto-convencimento de que Deus não era Deus, de que Deus era apenas um espírito a mais; de que Deus podia ter sido seu Criador, mas que havia nEle erros e falhas. Começaram a sancionar a possibilidade que se imiscuíra em suas inteligências: a de uma existência apartada de Deus e de suas normas, uma existência mais livre. Os preceitos divinos, a obediência a Deus e à Sua Vontade, tornavam-se progressivamente para eles algo pesado e opressivo. Deus passava a ser visto como um tirano de quem deveriam se libertar. 

Nesta nova fase de afastamento de Deus, não mais bastava simplesmente buscar uma existência fora de Deus, mas considerar que o próprio Deus passava a representar um obstáculo para se alcançar esta liberdade. Pensavam que a beleza e felicidade do mundo angélico poderiam ser muito mais livre e feliz sem a presença de um opressor. Por que haveria um Espírito que se elevava acima dos demais espíritos? Por que a sua vontade deveria se impor sobre as dos demais espíritos? Por que uma Vontade deveria se impor sobre outras vontades? 'Não somos crianças. não somos escravos', assim deveriam pensar. Deus já não era mais um espírito ao qual deviam abandonar, mas que começava a converter-se para eles no próprio mal. E, assim, começaram a odiá-lo. As advertências divinas para que se voltassem para Ele eram entendidas como intervenções inaceitáveis. Nesta fase, o ódio cresceu mais em uns e menos em outros espíritos.

Pode nos ser surpreendente a ideia de um anjo chegar a odiar a Deus, mas há que se entender que, para eles, Deus já não representava o Bem, mas um obstáculo, uma opressão. Deus era visto como as imposições dos mandamentos, como a falta de liberdade. Ele não era visto como o Pai, mas tão somente como uma fonte de ordenamentos e imposições. O ódio deles nasceu com a energia de suas vontades resistindo, uma vez após outra, às chamadas de Deus que como um pai os buscava. Este ódio nasceu como reação lógica de uma vontade que tem de ratificar a decisão de abandonar a casa paterna, utilizando termos que nos sejam compreensíveis. Ou seja, alguém que quer sair de casa, a princípio, simplesmente quer ir embora; porém, se o pai lhe conclama uma e outra vez para não ir, o filho acaba por dizer: 'Deixe-me em paz!' Deus assim os conclamava pois sabia que, por mais tempo que as suas vontades estivessem afastadas dEle, mais ficariam arraigadas no seu afastamento. Certamente muitos anjos que haviam se afastado de Deus num primeiro momento, retornaram a Ele depois. 

Esta é a grande batalha nos céus de que se fala no Apocalipse: 'Houve uma batalha no céu. Miguel e seus anjos tiveram de combater o Dragão. O Dragão e seus anjos travaram combate, mas não prevaleceram. E já não houve lugar no céu para eles. Foi então precipitado o grande Dragão, a antiga Serpente, chamado Demônio e Satanás, o sedutor do mundo inteiro. Foi precipitado na terra, e com ele os seus anjos (Ap 12, 7-9). Como os anjos podem lutar entre si? Se não têm corpos, que armas podem usar? Os anjos são seres espirituais; o único combate que podem travar entre si é de natureza intelectual. As únicas armas que podem empunhar são os argumentos intelectuais. Essa batalha foi um combate intelectual. Deus enviava a graça a cada anjo para que volvesse à fidelidade ou se mantivesse nela. Os anjos [obedientes a Deus] enviavam argumentos aos [anjos] rebeldes para que retornassem à obediência. Os anjos rebeldes respondiam com razões para justificar suas posturas e para incitar a rebelião entre os [anjos] fiéis. Nesse embate intelectual de milhares de milhões de anjos, houveram baixas de ambos os lados: anjos rebeldes regressaram à obediência; anjos fiéis foram seduzidos pelas argumentações malignas. 

A transformação em demônios foi progressiva. Com o transcorrer do tempo - tempo do evo - alguns [anjos rebeldes] odiaram mais a Deus, outros menos. Uns se tornaram mais soberbos, outros não tanto. Cada anjo rebelde foi-se deformando mais e mais, cada um em pecados específicos, assim como, de outro lado, os anjos fieis foram se santificando progressivamente. Anjos se santificaram mais em uma virtude, outros em outra. Cada anjo se fixou em um atributo ou outro da Divindade. Cada anjo amou com uma dada medida de amor. Por isso, no conjunto dos [anjos] fieis, começaram a ocorrer muitas distinções, de acordo com a intensidade das virtudes que cada anjo praticou mais. 

Cada anjo possuía a sua própria natureza dada por Deus, mas cada um se santificou segundo uma medida própria, consoante a graça de Deus e a correspondência à sua própria Vontade. Isto é válido também, de modo oposto para os demônios. Cada um  deles recebeu de Deus uma natureza, porém, cada um se deformou segundo suas próprias vontades extraviadas. Por isso, a batalha terminou quando cada um ficou obstinado em sua postura de forma irreversível. Chegou um momento em que só poderia ocorrer variações acidentais em cada ser espiritual. Em relação aos demônios, chegou um momento em que cada um ficou enrijecido na sua imprudência, na sua obstinação, no seu ódio, na sua inveja, na sua soberba, na sua egolatria... A batalha havia acabado! Poderiam seguir discutindo, falando, argumentando, exortando-se uns aos outros por milhares de anos, dizendo isso em termos humanos que, mesmo assim, somente haveria mudanças acidentais. 

Foi, então, que os anjos foram admitidos à Presença Divina; aos demônios, foi-lhes permitido que se afastassem e fossem relegados à situação de prostração moral em que cada um se tinha colocado. Como se pode depreender, não foram os demônios enviados a uma masmorra em chamas e aparatos de tortura, mas que foram deixados como se encontravam, abandonados à sua própria liberdade e vontade. Não foram levados a parte alguma. Os demônios não ocupam lugar, não há onde pudessem ser levados. Não há aparatos de tortura nem chamas que os possam atormentar, nem correntes que lhes amarrem os membros. Assim também os anjos fiéis não entraram em nenhum lugar e, simplesmente, receberam a graça da visão beatífica. Tanto o céu dos anjos como o inferno dos demônios são estados. Cada anjo possui em seu interior seu próprio céu, esteja onde estiver; cada demônio, esteja onde estiver, leva dentro de seu espírito o seu próprio inferno.

O momento em que já não há mais volta é aquele em que um anjo vê a essência de Deus. Pois, depois de ver a Deus, nada mais lhe poderá fazer mudar de opinião. Depois de ter visto a Deus, ninguém jamais poderá optar por algo que lhe ofenda por mínimo que seja. Pois a inteligência compreenderia que seria como escolher ao esterco em vez de um tesouro. O pecado, depois desse momento, é impossível. O anjo, antes de entrar ao Céu, compreendia a Deus, compreendia o que era e o que significava a Sua santidade, onipotência, sabedoria, amor... Depois de ser admitido à contemplação da Essência Divina, não só compreende, mas então a vê, ou seja, vê a sua santidade, seu amor, sua sabedoria... O espírito, então, se deleita daquilo com tal amor e com tal veneração que jamais, sob nenhuma hipótese, quer apartar-se de Deus. Por isso, o pecado passa a ser impossível.

O demônio, por outro lado, fica irremediavelmente atrelado à opção que escolheu, desde o momento em que Deus decide não insistir mais. Chega um momento em que Deus decide não mais enviar graças de arrependimento. Pois, cada graça de arrependimento só pode ser superada, somente pode ser vencida, arraigando-se ainda mais no ódio [a Deus]. Chega o momento, então, que Deus vê que enviar mais graças só faria com que o demônio se apegasse cada vez mais com aquilo que a sua vontade escolheu. É o o momento em que Deus-Amor dá as costas [no original espanhol, 'Dios Amor da la espalda'; aqui o autor se refere a um amigo e professor universitário que, ao ficar surpreendido com tal expressão, sugeriu inclusive a sua correção, por parecer afrontosa à misericórdia divina. O autor, entretanto, ao manter a expressão, ratifica a proposição de que Deus, em um dado momento, após várias intervenções e chamamentos à criatura rebelde, a abandona ao seu arbítrio definitivo, não lhe concedendo mais quaisquer graças de arrependimento. No momento em que ocorre essa terrível decisão, a criatura já está julgada] e deixa que o seu filho siga o seu próprio caminho. Deixa que o demônio siga a sua vida apartada de Si. 

Por um lado, não se pode afirmar que existiu um momento único em que um anjo se tornou um demônio, uma vez que este processo foi lento, gradual e progressivo. Por outro lado, porém, por mais demorado que tenha sido esse processo prévio (e o posterior), há que se ter um determinado momento preciso em que o espírito angélico teve de tomar a decisão de rejeitar ou não o seu Criador. Já se fez referência que esse processo admitiu mudanças, conforme a celestial batalha angélica descrita no Apocalipse (Ap 12, 7 - 9). Porém, chegou um momento nesta batalha em que os demônios se apartaram e se apartaram ainda mais. Não teria sentido continuar insistindo; o Criador respeita a liberdade de cada um. 

O demônio aparece deformado nas pinturas e esculturas e é muito adequada essa forma de representá-lo, pois é um espírito angélico deformado; segue sendo um anjo, embora com sua inteligência e vontade deformadas. No mais, segue sendo tão anjo como quando foi criado. O demônio é, definitivamente, um anjo que decidiu seguir seu destino apartado de Deus. É um anjo que quer viver livre, sem amarras. A solidão interior em que se encontrará pelos séculos dos séculos e a inveja de compreender que os [anjos] fieis gozam da Visão de um Ser Infinito fazem-no reavivar, para todo o sempre, o seu pecado. Odeia a si mesmo, odeia a Deus, odeia a todos que o levaram a se apartar de Deus.

Entretanto, nem todos padecem igualmente. Alguns anjos, durante a batalha, se deformaram mais e outros menos. Os que se deformaram mais, os mais deformados, sofrem mais. Os menos deformados, sofrem menos. Mas há que se recordar, uma vez mais, que essa deformação é apenas da sua inteligência e da sua vontade. A inteligência está deformada, obscurecida, pelas próprias razões com que cada um justificou o seu afastamento, a sua separação. A vontade impôs à inteligência a sua decisão e a inteligência se viu impelida a justificar tal decisão. A inteligência atuou como um mecanismo de justificação, de argumentação daquilo que a vontade a incitava a aceitar. Como se vê, este processo possui uma extraordinária similaridade com o processo de degradação humana.

Não nos esqueçamos que o ser humano é um espírito em um corpo. Se prescindirmos dos pecados corporais, o processo interior psicológico que leva uma pessoa boa a fazer parte da máfia, de se tornar um guarda de um campo de concentração ou um terrorista é, em suma, o mesmo. Essencialmente, os conceitos de pecado, de tentação e de progressão da própria iniquidade, são idênticos para espíritos angélicos como para espíritos humanos, pois os pecados do homem são sempre pecados de espírito, ainda que os cometa com o corpo, uma vez que o corpo é meramente um instrumento do livre arbítrio decidido pelo espírito. Assim como uma criança perpassa pela sua infância, o anjo, inicialmente ao ser criado, não tem qualquer experiência. A pessoa humana sofre tentações por outras pessoas, e o mesmo ocorre com os anjos por seus semelhantes. 

O ser humano pode pecar por princípios morais, tais como o amor pela pátria, a honra de sua família ou o bem-estar de um filho. O espírito angélico também tinha em si grandes princípios intelectuais que, ainda que diferentes dos humanos, corresponderiam a um complexo de pensamentos análogos ao deste mundo que conhecemos. Nós, seres humanos, somos também seres espirituais, ainda que tenhamos um corpo. Temos que apenas olhar para dentro de nós mesmos para compreender como alguém pode submergir ao pecado, como alguém pode corromper-se e é, então, que o pecado dos anjos  [rebeldes] nos acerca e já não nos parece tão incompreensível.

(Excertos da obra 'Summa Daemoniaca', do Pe. Jose Antonio Fortea, tradução do autor do blog)


Observação: O livro Summa Demoniaca do Pe. Fortea (famoso padre exorcista espanhol) foi escrito para padres exorcistas, mas tem sido lido por religiosos, leigos e fiéis em geral. Nas palavras do próprio Pe. Fortea: 'Não estava nos meus planos, mas nos de Deus. Que assim seja. Que os filhos de Deus possam inundar os seus intelectos no fogo do temor a Deus durante a sua leitura, para que assim evitem ser lançados lá com a sua alma depois da morte. Melhor conhecer esse ódio a Deus só com o intelecto para que a nossa vontade se refugie correndo no amor a Deus'.

PRIMEIRO SÁBADO DE SETEMBRO


Mensagem de Nossa Senhora à Irmã Lúcia, vidente de Fátima: 
                                                                                                                           (Pontevedra / Espanha)

‘Olha, Minha filha, o Meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todo o momento Me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar e diz que a todos aqueles que durante cinco meses seguidos, no primeiro sábado, se confessarem*, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos 15 Mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo assistir-lhes à hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação.’
* Com base em aparições posteriores, esclareceu-se que a confissão poderia não se realizar no sábado propriamente dito, mas antes, desde que feita com a intenção explícita (interiormente) de se fazê-la para fins de reparação às blasfêmias cometidas contra o Imaculado Coração de Maria no primeiro sábado seguinte.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS


A Grande Revelação do Sagrado Coração de Jesus foi feita a Santa Margarida Maria Alacoque durante a oitava da festa de Corpus Christi  de 1675...

         “Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou, até se esgotar e se consumir para lhes testemunhar seu amor. Como reconhecimento, não recebo da maior parte deles senão ingratidões, pelas suas irreverências, sacrilégios, e pela tibieza e desprezo que têm para comigo na Eucaristia. Entretanto, o que Me é mais sensível é que há corações consagrados que agem assim. Por isto te peço que a primeira sexta-feira após a oitava do Santíssimo Sacramento seja dedicada a uma festa particular para  honrar Meu Coração, comungando neste dia, e O reparando pelos insultos que recebeu durante o tempo em que foi exposto sobre os altares ... Prometo-te que Meu Coração se dilatará para derramar os influxos de Seu amor divino sobre aqueles que Lhe prestarem esta honra”.


... e as doze Promessas:
  1. A minha bênção permanecerá sobre as casas em que se achar exposta e venerada a imagem de meu Sagrado Coração.
  2. Eu darei aos devotos do meu Coração todas as graças necessárias a seu estado.
  3. Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias.
  4. Eu os consolarei em todas as suas aflições.
  5. Serei seu refúgio seguro na vida, e principalmente na hora da morte.
  6. Lançarei bênçãos abundantes sobre todos os seus trabalhos e empreendimentos.
  7. Os pecadores encontrarão em meu Coração fonte inesgotável de misericórdias.
  8. As almas tíbias se tornarão fervorosas pela prática dessa devoção.
  9. As almas fervorosas subirão em pouco tempo a uma alta perfeição.
  10. Darei aos sacerdotes que praticarem especialmente essa devoção o poder de tocar os corações mais empedernidos.
  11. As pessoas que propagarem esta devoção terão os seus nomes inscritos para sempre no meu Coração.
  12. A todos os que comungarem nas primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos, darei a graça da perseverança final e da salvação eterna.

    ATO DE DESAGRAVO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS 
    (rezai-o sempre, particularmente nas primeiras sextas-feiras de cada mês)

Dulcíssimo Jesus, cuja infinita caridade para com os homens é deles tão ingratamente correspondida com esquecimentos, friezas e desprezos, eis-nos aqui prostrados, diante do vosso altar, para vos desagravarmos, com especiais homenagens, da insensibilidade tão insensata e das nefandas injúrias com que é de toda parte alvejado o vosso dulcíssimo Coração.

Reconhecendo, porém, com a mais profunda dor, que também nós, mais de uma vez, cometemos as mesmas indignidades, para nós, em primeiro lugar, imploramos a vossa misericórdia, prontos a expiar não só as nossas próprias culpas, senão também as daqueles que, errando longe do caminho da salvação, ou se obstinam na sua infidelidade, não vos querendo como pastor e guia, ou, conspurcando as promessas do batismo, renegam o jugo suave da vossa santa Lei.

De todos estes tão deploráveis crimes, Senhor, queremos nós hoje desagravar-vos, mas particularmente das licenças dos costumes e imodéstias do vestido, de tantos laços de corrupção armados à inocência, da violação dos dias santificados, das execrandas blasfêmias contra vós e vossos santos, dos insultos ao vosso vigário e a todo o vosso clero, do desprezo e das horrendas e sacrílegas profanações do Sacramento do divino Amor, e enfim, dos atentados e rebeldias oficiais das nações contra os direitos e o magistério da vossa Igreja.

Oh, se pudéssemos lavar com o próprio sangue tantas iniquidades! Entretanto, para reparar a honra divina ultrajada, vos oferecemos, juntamente com os merecimentos da Virgem Mãe, de todos os santos e almas piedosas, aquela infinita satisfação que vós oferecestes ao Eterno Pai sobre a cruz, e que não cessais de renovar todos os dias sobre os nossos altares.

Ajudai-nos, Senhor, com o auxílio da vossa graça, para que possamos, como é nosso firme propósito, com a viveza da fé, com a pureza dos costumes, com a fiel observância da lei e caridade evangélicas, reparar todos os pecados cometidos por nós e por nossos próximos, impedir, por todos os meios, novas injúrias à vossa divina Majestade e atrair ao vosso serviço o maior número possível de almas.

Recebei, ó Jesus de Infinito Amor, pelas mãos de Maria Santíssima Reparadora, a espontânea homenagem deste nosso desagravo, e concedei-nos a grande graça de perseverarmos constantes até a morte no fiel cumprimento dos nossos deveres e no vosso santo serviço, para que possamos chegar todos à Pátria bem-aventurada, onde vós, com o Pai e o Espírito Santo, viveis e reinais, Deus, por todos os séculos dos séculos. Amém.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

DA EXPLICAÇÃO DO MAGNIFICAT (I)


A minha alma glorifica o Senhor

Esse primeiro versículo, em latim Magnificat anima mea Dominum, contém quatro palavras apenas, mas cheias de grandes mistérios; considere­mo-las atentamente e com espírito de humildade, respeito e piedade, para que nos animemos a glorificar a Deus com a Bem-aventurada Virgem, pelas grandes e maravilhosas coisas que operou nela, por ela, para ela e também para nós.

A minha alma glorifica o Senhor: observai que a Bem-aventurada Virgem não diz Eu glorifico, mas minha alma glorifica o Senhor, para demonstrar que Ela O glorifica do mais íntimo do seu coração e com toda a extensão de suas possibilidades. Não O glorifica somente com os lábios e a língua, mas emprega todas as faculdades de sua alma, o entendimento, a memória, a vontade e todas as forças de sua alma.

E não O glorifica somente em seu nome particular, nem para satisfazer às infinitas obrigações que tem de fazê-lo pelos inconcebíveis favores que recebeu de sua divina bondade; mas glorifica-O em nome de todas as criaturas e por todas as graças que Ele concebeu a todos os homens, fazendo-se homem para salvar a todos, se quiserem corresponder aos desígnios do inconcebível amor que tem por eles. A minha alma glorifica o Senhor: qual é esta alma que a Bem-aventurada Virgem chama a sua alma? Respondo, em primeiro lugar, que acho num grande autor, o Cardeal Marcos Vigier, a opinião de que essa alma da Bem-aventurada Virgem, é o seu Filho Jesus, que é a alma de sua alma.

Em segundo lugar, respondo que essas palavras, anima mea, compreendem primeiro, a alma própria e natural que anima o corpo da sagrada Virgem; segundo, a alma do Divino Menino que ela traz no seio, alma unida tão estreitamente à sua que ambas formam, de certo modo, uma só alma, pois a criança que se acha em suas entranhas maternais é um só com a sua mãe. Terceiro, que essas palavras, anima mea, assinalam e compreendem todas as almas criadas à imagem e semelhança de Deus, que existiram, existem e existirão em todo o universo. 

Se São Paulo nos assegura que o Pai eterno 'nos deu, com seu Filho, todas as coisas', é evidente que deu também todas as coisas à sua Divina Mãe. Razão pela qual todas as almas lhe pertencem. E como a Virgem não ignora, e conhece também perfeitamente a sua obrigação de utilizar tudo quanto Deus lhe deu para honrá-lo e glorificá-lo, quando pronuncia as palavras A minha alma glorifica o Senhor, está considerando todas as almas que existiram, existem e existirão como almas que lhe pertencem. Ela a todas abrange para uni-las à alma de seu Filho, para empregá-las no louvor, exaltação e glorificação daquele que desceu do Céu e se encarnou em seu seio virginal para operar a grande obra da Redenção.

A minha alma glorifica o Senhor: qual é este Senhor? É o Senhor dos senhores, e o Senhor soberano e universal do céu e da terra. Este Senhor é o Pai eterno, este Senhor é o Filho, este Senhor é o Espírito Santo, três Pessoas divinas que são um só Deus e Senhor, e que têm uma só e mesma essência, poder, sabedoria, bondade e majestade. A Santíssima Virgem louva e glorifica o Pai eterno por havê-la associado a si em sua divina paternidade, tornando-a mãe do mesmo Filho de quem é o Pai. Ela glorifica o Filho de Deus por ter sido de sua vontade escolhê-la por mãe e ser o seu verdadeiro Filho. Glorifica o Espírito Santo, por ter querido realizar nela a maior de suas obras, isto é, o mistério adorável da Encarnação. Ela glorifica o Pai, o Filho e o Espírito Santo pelas infinitas graças que fizeram e têm o desígnio de fazer a todo o gênero humano.

(Da Explicação do Magnificat, de São João Eudes)