terça-feira, 30 de setembro de 2014

ORAÇÃO DE JOELHOS (POSTAGEM 1000 DE SENDARIUM)


ORAÇÃO DE JOELHOS

Pai,
de joelhos me coloco diante de Vós,
porque é assim, e somente assim,
que a criatura pode estar diante o Criador.
Hoje, os homens são mais insensatos do que homens,
mais loucos do que homens,
e querem ser cada vez mais do que homens.
E, em nome de nomes que não são os vossos,
redefinem, refazem e redimensionam um deus ao gosto de cada um.
Quantos se outorgam donos de suas vidas,
senhores de seus destinos e de destinos alheios,
donos do corpo e dos seus instintos:
e vivem ao léu de suas únicas vontades e desejos
porque creem que, por ser a vida uma vez só,
têm que ser felizes a qualquer preço,
e a felicidade humana consiste, então, em satisfazer todos os imponderáveis limites do nada.

Pai,
de joelhos me coloco diante de Vós,
porque assim compreendo melhor a minha pequenez.
Há tanta loucura lá fora, e tanta gente falando de paz,
e fazendo passeatas e cartazes pedindo paz,
gente vestida de branco com almas de toda cor.
Querem presídios, polícia, grades, sistemas de segurança,
querem a miséria bem longe deles, querem o mal dominado,
querem ser, ter, poder, sem problemas ou riscos.
Quero isso não, Pai,
não que eu queira esta violência gratuita e animalesca,
eu apenas não quero esta paz que conforta a omissão,
esta paz que acovarda e adula a tibieza,
esta paz inútil.
Eu vos peço a paz que é vossa e não dos homens,
a paz interior que me faz primeiro quebrar as grades e as trancas
das prisões de meu coração covarde  
e ansioso por construir masmorras.
E, assim, anseio mais construir um coração sereno,
que cultiva a paz
e pedir, para os que querem tanto a paz das ruas,
encontrar nas ruas corações que têm a Vossa Paz.

Pai,
de joelhos me coloco diante de Vós,
porque assim posso interromper meus passos pelos caminhos do mundo.
Um mundo hoje forjado por tantos atalhos,
onde se impõe correr, ultrapassar todas as medidas, chegar na frente,
competir, jogar para ganhar, vencer sempre:
e todo este grande prêmio do mundo tem por nome ilusão.
Como é fácil vender consciências por trocados,
comprar prazeres, barganhar verdades,
como é fácil seguir a louca correnteza
de tantos rios de prazer;
como é doce a vertigem da incerteza e da insensatez tresloucada
do viver por viver...
Pai, tira de mim o não ter tempo nunca;
tira de mim o apego ao escarcéu do mundo,
tira de mim a embriaguez e a euforia das vitórias fáceis:
que os meus passos não me levem para longe de mim mesmo
e da Vossa Santa Presença;
que eu não seja pedra de escândalo
nem juiz dos Vossos filhos,
que eu não seja escravo e nem senhor
da argila humana que me molda;
e que eu aprenda,
com o mais puro amor dos anjos,
a cumprir sempre a Vossa Santa Vontade.

Pai,
de joelhos me coloco diante de vós,
para poder ouvir nas batidas compassadas do meu coração
o portentoso silêncio da Vossa voz.
Pelo homem que sou,
pela consciência de que nada sou,
como um sopro ou um piscar de olhos,
como centelha de chama,
é que, diante de Vós,
eu, obra menor dos Vossos prodígios,
não posso nunca estar de pé...
E, assim, de joelhos,
em nome do Vosso infinito Amor por mim
ouso suplicar a divina graça
de, um dia,
ser o mais comum dos homens
no céu.
Amém.

(Arcos de Pilares)

Aos leitores do blog: para você e sua família, o meu presente é esta oração de minha autoria, em homenagem à postagem número 1000 do SENDARIUM. Obrigado a todos pelas visitas e que Deus lhes dê a Sua bênção e a Sua graça.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

29 DE SETEMBRO - SÃO MIGUEL ARCANJO

(São Miguel com elmo e armadura medieval - Catedral de Bruxelas)

'Houve uma batalha no Céu: Miguel e os seus Anjos guerrearam contra o Dragão. O Dragão batalhou, juntamente com os seus Anjos, mas foi derrotado e não se encontrou mais um lugar para eles no Céu.' (Apoc. 12, 7-8).

'Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande Príncipe, constituído defensor dos filhos do seu povo e será tempo de angústia como jamais houve.' (Dan. 12, 1).

Assim como Lúcifer é o chefe dos demônios, Miguel é o maior dentre os anjos, Príncipe das milícias celestes, protetor da Santa Igreja e da humanidade contra as forças do inferno. Assim, a designação de arcanjo (oitavo coro dos anjos) tem sentido genérico e nominativo, pois certamente São Miguel, sendo o primeiro dentre os Anjos, é o maior dos serafins. Dentre os vários santuários destinados ao Príncipe das milícias celestes, destaca-se aquele localizado no Monte Saint Michel na França, cuja foto constitui a abertura e o símbolo deste blog.

(Santuário de São Miguel - Monte Saint Michel/França)

São Miguel, rogai por nós!
Intercedei a Deus por nós!

domingo, 28 de setembro de 2014

OS HUMILDES E OS DUROS DE CORAÇÃO

Páginas do Evangelho - Vigésimo Sexto Domingo do Tempo Comum


No Evangelho deste domingo, encontramos Jesus após a sua entrada triunfal em Jerusalém, acossado pela malícia humana dos escribas, mestres da lei, anciãos e demais membros do Sinédrio. Tomados pela inveja e calúnia, queriam justificar publicamente a sentença de morte que já haviam imposto secretamente a Jesus nos seus corações e mentes. O júbilo messiânico daquele Domingo de Ramos selara em definitivo o destino e a morte de Jesus.

A missão do Senhor aproxima-se do final e impõe-se cumpri-la até o fim. Jesus contempla com enorme tristeza aqueles homens duros de coração que, cientes de todos os textos proféticos, não compreenderam ou não quiseram compreender os sinais da vinda do Messias ao mundo dos homens. Da mesma forma como negaram João Batista, era preciso agora, com muito mais vigor e malícia, negarem a Cristo; mais do que isso, precisavam tramar e manipular o povo para tornar natural e incontestável a condenação de Jesus à morte, a uma morte de cruz.  

Aos duros de coração, elabora, então, a parábola dos dois filhos que o pai ordena trabalharem na vinha: 'Filho, vai trabalhar hoje na vinha!’ (Mt 21, 28). O primeiro se nega a princípio e depois acata a ordem do pai e o segundo, que parecia acatar, não cumpre a ordem paterna. Filhos que são os filhos deste mundo, chamados por Deus, para serem operários nas vinhas do Senhor: os que ouvem o chamado à graça, pela manhã ou nas horas mais tardias da vida, e vão trabalhar na vinha e os que não vão, por desobediência explícita, por insensatez, por descuidado zelo. Ontem, os primeiros foram os gentios, publicanos e pecadores e os últimos, os escribas e os fariseus que tramaram contra Jesus; ontem e sempre, os primeiros foram aqueles que humildemente refletiram as palavras e os ensinamentos do Mestre no coração e os últimos, os duros de coração, que se ensoberbeceram no jogo das meras palavras e das promessas vazias.

O caminho da salvação perpassa pelo coração. 'Então Jesus lhes disse: Em verdade vos digo que os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus' (Mt 21, 31). Foram e são muitos os pecadores que aceitaram o firme propósito do arrependimento sincero e de conversão; infelizmente também são muitos os que se apegam aos valores humanos, à vanglória, à tibieza e à obstinação do orgulho desmedido. Nesta conduta de retidão, serão separados o joio e o trigo, os justos e os ímpios diante do tribunal de Deus, porque 'quando um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre ... quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida' (Ez 18, 26 - 27).

sábado, 27 de setembro de 2014

27 DE SETEMBRO - SÃO VICENTE DE PAULO


Filho de camponeses, Vicente de Paulo nasceu na pequena aldeia de Pay, região de Bordéus e dos Pirineus, em 24 de abril de 1575. Iniciou seus estudos com os franciscanos em Dax, formando-se mais tarde em teologia em Toulouse, onde tornou-se sacerdote em 23 de setembro de 1600. Forjava-se ali um dos maiores e mais belos exemplos da santificação e de apostolado missionário de toda a história da Igreja. 

Foi o fundador da Companhia da Missão (padres lazaristas) devotada à evangelização dos pobres e co-fundador da Congregação das Filhas da Caridade, cuja primeira superiora foi Santa Luísa de Marillac. Inspirado por seu amor a Deus e aos homens, Vicente de Paulo foi o criador de muitas obras de caridade e de piedade cristãs, às quais devotou toda a sua vida, pautada na missão de levar e viver plenamente o Evangelho de Cristo junto aos pobres, aos doentes, aos renegados, aos presos, aos desvalidos do mundo. O seu exemplo e seus ensinamentos inspiraram, mais tarde, em 1833, a criação das chamadas Conferências Vicentinas, que projetaram o legado da ação e das obras de caridade do santo ao mundo inteiro.



Este grande amigo e benfeitor dos mais necessitados faleceu em 27 de setembro de 1660 e seu corpo foi sepultado na igreja de São Lázaro (ou capela dos Lazaristas) em Paris, sendo encontrado praticamente incorrupto, quando exumado 52 anos após a sua morte. O coração do santo é conservado em um relicário na Capela de Nossa Senhora Milagrosa, também em Paris. Foi canonizado em 1737 pelo Papa Clemente XII e declarado patrono de todas as obras de caridade da Santa Igreja, em 1885, pelo papa Leão XIII.

São Vicente de Paulo, rogai por nós!

CIÊNCIA DOS SANTOS E CIÊNCIA DOS HOMENS

Ao falar da ciência mundana, diz São Paulo: A ciência incha, a caridade porém edifica. O que julga saber muito, ainda ignora como deve saber. Quando a ciência mundana anda associada ao amor de Deus, é de grande vantagem para nós e para os outros; mas, quando se acha desacompanhada da caridade, causa-nos grande dano, tornando-nos orgulhosos e levando-nos a desprezar os outros; porque, tanto o Senhor é pródigo das suas graças com os humildes, como avaro com os orgulhosos.

Ditoso o homem a quem Deus dá a ciência dos santos, como a deu a Jacó: Dedit illi scientiam sanctorum (Sap. 10, 10)! Deste dom, como do maior de todos, fala a Escritura. Ó quantos homens vivem cheios de si mesmos, pelos conhecimentos que têm das matemáticas, belas letras, línguas estrangeiras e antiguidades, que nada aproveitam ao bem da religião, nem aumenta as vantagens espirituais! De que serve possuir uma tal ciência, saber tão belas coisas, se não se sabe amar a Deus e praticar a virtude? Os sábios do mundo, que só procuram adquirir um grande nome, estão privados das luzes celestes, que o Senhor dispensa aos simples: Abscondisti haec a sapientibus et prudentibus (sábios e prudentes do século), et revelasti eo parvulis (Matth.11, 25). Os Parvuli são os espíritos simples, que põem todo o seu cuidado em agradar a Deus.

Santo Agostinho proclama bem-aventurado o que conhece a grandeza e bondade de Deus embora ignore tudo o mais: Beatus, qui te scit, etiamsi illa nesciat (Conf. 1. 5. c. 4). Quem não conhece a Deus, não pode amá-lo; ora, quem ama a Deus é mais sábio que todos os literatos, que não sabem amá-lo. Hão de levantar-se os ignorantes e arrebatar o Céu, exclama o mesmo santo doutor! Quantos rústicos, quantos pobres camponeses, subirão à santidade e conseguirão a vida eterna, da qual quereriam gozar antes um só instante, do que adquirir todos os bens da terra! Aos Coríntios escrevia o Apóstolo: Não fiz profissão entre vós de saber outra coisa senão a Jesus Cristo, e Jesus Cristo Crucificado. Como seríamos felizes se chegássemos a conhecer a Jesus Crucificado, a conhecer o amor que ele nos testemunhou e o amor que mereceu da nossa parte, sacrificando por nós a sua vida na cruz, e se, estudando um livro tal, chegássemos a amá-lo com um amor ardente!

Um grande servo de Deus, o Pe. Vicente Carafa, escrevendo a alguns jovens eclesiásticos, que estudavam para trabalharem na salvação das almas ,dizia-lhes: 'Para operar grandes conversões nas almas, mais vale ser homem de muita oração, que de muita eloquência; porque as verdades eternas, que convertem as almas, melhor se pregam pelo coração que pelos lábios somente'. Devem pois os ministros do Evangelho ter uma vida que se mostre de acordo com o que ensinam; devem, numa palavra, apresentar-se como homens que, desprendidos do mundo e da carne, só procuram a glória de Deus, e fazê-lo amar de todos. Por isso o Pe. Carafa ajuntava: 'Ponde todo o vosso cuidado em vos dardes ao exercício do amor divino; desde que o amor de Deus toma posse do nosso coração, só por si o desapega de todo o amor desordenado, e o torna puro, despojando-o dos afetos terrenos'. 'Um coração puro', diz Santo Agostinho, 'é um coração vazio de toda a cobiça: Cor purum est cor vacuum ab omni cupiditate'. Com efeito, ajunta São Bernardo, 'quem ama a Deus só pensa em o amar e não deseja outra coisa: Qui amat, amat, et aliud novit nihil' (In Cant. s. 83).

Dizia São Tomás de Vilanova: 'Para converter os pecadores, e fazê-los sair do atoleiro das suas iniquidades, são necessárias flechas de fogo; mas como podem elas provir dum coração gelado, que o amor de Deus não aquece?' A experiência mostra que um padre de ciência medíocre, mas abrasado no amor de Jesus Cristo, atrai mais almas a Deus, que muitos oradores sábios e eloquentes, que deleitam os ouvintes. Aqueles que, por seus conhecimentos raros, belos pensamentos e engenhosas reflexões, despedem os seus ouvintes muito satisfeitos, deixam-nos afinal com o coração desprovido do amor de Deus, e talvez mais frio que antes. Mas o que aproveita isso para o bem comum? E que fruto colhe o pregador, senão agravar mais a sua responsabilidade diante de Deus? Em vez dos bons frutos que podia produzir com o seu sermão, somente granjeia vãos aplausos. Ao contrário, quem de um modo simples prega a Jesus crucificado, não para ser louvado, mas só para o fazer amar, desce da cadeira enriquecido de merecimentos pelo bem que fez, ou que pelo menos desejava fazer nos seus ouvintes.O que acima fica dito tem aplicação, não só aos pregadores, mas também aos professores e confessores. Quanto bem pode fazer um professor de ciências, ensinando a seus discípulos as máximas da verdadeira piedade!O mesmo se pode dizer dos confessores.

Notem-se também os abundantes frutos que se podem produzir nas conversas com os outros. Pode-se pregar sempre; mas que bem um padre instruído e santo pode fazer na conversação, falando a propósito da vaidade das grandezas humanas, da conformidade com a vontade de Deus e da necessidade que temos de nos recomendarmos sem cessar à proteção do Céu, no meio de tantas tribulações que nos afligem e de tantas tentações que nos assaltam! Digne-se o Senhor dar-nos as luzes e forças de que necessitamos para empregarmos os restantes dias da nossa vida em O amar e fazer a sua vontade, pois que só isso nos aproveita e tudo o mais é perdido!

(Excertos da obra 'A Selva', de Santo Afonso Maria de Ligório)

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

SANTOS E MÁRTIRES (III)


SÃO COSME E SÃO DAMIÃO

Irmãos e especializados em Medicina, Cosme e Damião serviram por muitos anos os pobres da região da Síria, no início do Século IV, para a honra e glória de Deus. Com grande zelo apostólico, pregavam o Evangelho, convertendo muitas almas, sem pagamentos ou quaisquer honrarias, pelo que foram privilegiados pela Providência com muitas graças e curas milagrosas. Durante a perseguição do imperador Dioclesiano e enquanto desenvolviam suas atividades na Cilícia (ano 303), os irmãos foram trazidos à presença do governador Lísias, que exigiu deles uma pronta renúncia às pregações e à fé cristã. Ante a recusa destemida de ambos, o governador ordenou que fossem torturados e posteriormente decapitados. 

Os corpos foram transportados e enterrados em Cira, na Síria, numa igreja que lhes recebeu o nome. Favorecido, mais tarde, pela cura de uma doença pela intercessão de Cosme e Damião, o imperador Justiniano construiu uma igreja em honra deles em Constantinopla, passando a promover publicamente o culto de ambos, que tornou-se, em pouco tempo, generalizado, inclusive no Ocidente, com a construção de muitas igrejas dedicadas aos mártires; partes de suas relíquias foram levadas no século VI para a Baviera, onde repousam no altar mor da igreja de São Miguel, em Munique. A partir de então, os nomes de São Cosme e São Damião foram incluídos nos cânones da Santa Missa, em destaque entre os grandes mártires da Igreja. A festa litúrgica dos dois mártires é celebrada no dia 26 de setembro, que são comumente representados com instrumentos médicos e com semblantes iguais, pois supostamente teriam sido gêmeos.



(martírio de São Cosme e São Damião)

(altar da Igreja de São Miguel com parte das relíquias dos santos)

São Cosme e São Damião, rogai por nós!

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

DAS CONTRADIÇÕES DO AMOR CRISTÃO


Digo muitas vezes que quero amar a Jesus, e realmente quero amá-lo; sei que o amor conduz necessariamente à imitação, e que não se pode amar a Jesus sem imitá-lo; mas, se se trata de eu sofrer um pouco por seu amor tornando-me deste modo semelhante a Ele, logo a coragem me falta e o desânimo se apodera de mim. Digo que o amo, mas se o sofrimento me assalta vou logo ter com Ele e peço-lhe que me alivie. Afigura-se-me ver a Jesus mostrando-me o coração todo inflamado em chamas de caridade, e peço-lhe... Peço-lhe que tenha compaixão de mim.

Eis a contradição! Tenho uma ferida no coração, e em vez de sofrê-la resignadamente por seu amor, peço-lhe que a cure. Não reparando que Ele tem uma mais profunda que a minha. Tenho espinhos agudos que me envolvem a alma e me fazem sofrer um martírio; mas em vez de sofrer-lhes a punção por seu amor, peço-lhe que os arranque para sempre, não pensando que os espinhos que cercam o seu coração são bem mais agudos e cruéis que os meus.

Tenho também eu que levar uma cruz, uma cruz que me parece tão pesada! Mas em vez de levá-la com coragem pelo caminho do meu calvário, peço-lhe com insistência cotidiana que me alivie, que me livre desse peso. E peço isto a Ele que tem uma cruz plantada no meio do coração, cruz que não tem semelhança em toda a série das dores humanas.

Jesus é tão bom que, para tornar-me semelhante a Ele e proporcionar-me o seu amor, faz-me participante dos sofrimentos do seu coração. E eu, eu que pretendo amá-lo, ouso desejar e pedir-lhe que Ele mesmo destrua em mim o traço de maior semelhança que tenho com Ele. E pensar eu que toda a minha devoção ao Sagrado Coração consiste quase inteiramente neste desejar as suas delícias e ser isento das minhas penas!

Agora compreendo a razão por que Jesus não me ouve; é porque me quer maior bem que o que merecem as minhas orações; é porque, se eu não sofro um pouco, em quase nada me torno semelhante a Ele. Portanto, terei bem fixo diante dos olhos a imagem do Sagrado Coração de Jesus... aquelas feridas... aqueles espinhos... aquela cruz... e, no futuro, serei mais cauteloso em pedir-lhe que me alivie das minhas dores.

Antes deveria pedir-lhe que me desse um pouco, não mais que um pouco, das suas penas. Mas devo confessá-lo para minha confusão, sinto que me falta a coragem. Contudo quantas almas fervorosas há que todos os dias pedem a Jesus que as torne participantes da sua Paixão? Quanto mais penso nisto, mais me sinto humilhado. É possível que eu, com esta estima que tenho de mim, não tenha a coragem de pedir um, ao menos um, dos espinhos da sua coroa? Que lugar me compete, pois, entre o número das almas devotas do Sagrado Coração? Poderei dizer que ocupo ao menos o último lugar?

Ó Jesus, tu bem o sabes: eu não ouso perguntar-te se sou uma alma afeiçoada ao teu Coração, pois tenho medo de uma resposta desanimadora. Mas, vejas em mim o que vires, seja qual for o grau de imperfeição a que tenha descido, peço-te que tenhas de mim piedade. Encontro-me sem coragem, sem energia, porque me falta o verdadeiro amor. O sofrimento repugna-me, causa-me horror; não ouso já prometer-te coisa alguma, quase não ouso sequer dirigir-te uma súplica. Porém estou aqui diante de Ti: Tu me amas, queres santificar-me, queres salvar-me. Portanto, não olhes a minha pusilanimidade e a fraqueza do meu coração: prossegue a obra do teu amor sobre mim, faze de mim o que quiseres, contanto que me faças santo, contanto que meu lugar seja o Paraíso.

(Excertos da obra 'Centelhas Eucarísticas', de original italiano, 1906; trad. de Adolfo Tarroso Gomes, 1924)