segunda-feira, 3 de março de 2014

O DOM DO CONSELHO

O dom da Força que reconhecemos ser necessário para a obra da santificação do cristão, não seria suficiente para assegurar esse grande resultado, se o Divino Espírito não tomasse o cuidado de uni-lo a um outro dom que vem em seguida e afasta todo perigo. Este novo benefício consiste no dom do Conselho. A Força não podia ser deixada sozinha: precisava de um elemento que a dirigisse. O dom de Ciência não poderia ser este elemento porque, se ele esclarece a alma quanto ao seu fim e as regras gerais de conduta que ela deve seguir, não traz, no entanto, luz suficiente quanto às aplicações especiais da lei de Deus e o governo da vida. 

Nas diversas situações em que podemos nos encontrar, nas resoluções que devemos tomar, é necessário que ouçamos a voz do Espírito Santo e é pelo dom de Conselho que esta voz divina chega até nós. É ela quem nos diz, se quisermos escutá-la, o que devemos fazer e o que devemos evitar, o que devemos dizer e o que devemos calar, o que podemos conservar e ao que devemos renunciar. Pelo dom de Conselho, o Espírito Santo age em nossa inteligência, assim como o dom da Força age em nossa vontade.

Este dom precioso aplica-se à vida inteira porque precisamos, sem cessar, nos decidir por um partido ou por outro e é um grande motivo de reconhecimento para com o Espírito Divino, pensar que Ele nunca nos deixa sozinhos conosco mesmos, desde que estejamos dispostos a seguir a direção que Ele nos imprime. Quantas armadilhas nos pode fazer evitar! Quantas ilusões pode destruir em nós! Quantas realidades nos mostra! Mas, para não perder suas inspirações, precisamos nos guardar do encadeamento natural das coisas, com que tantas vezes nos deixamos determinar, da temeridade que nos arrebata ao gosto da paixão, da precipitação que nos induz a julgar e a agir, mesmo quando só vemos um lado das coisas, da negligência que nos faz decidir ao azar, no temor de nos cansarmos com a procura daquilo que seria melhor.

O Espírito Santo, pelo dom de Conselho, arranca o homem de todas essas inconveniências. Reforma a natureza, tantas vezes excessiva, quando não é apática. Mantém a alma atenta àquilo que é verdadeiro, ao que é bom, ao que é verdadeiramente vantajoso. Insinua a discrição, virtude que é o complemento e como que o tempero de todas as outras, da qual Ele tem o segredo e pela qual as virtudes se conservam, se harmonizam e não degeneram em defeitos.

Sob a direção do dom de Conselho, o cristão nada tem a temer. O Espírito Santo toma a responsabilidade de tudo para ele. Que importa que o mundo reclame ou critique, que se espante ou se escandalize! O mundo se crê sábio; mas não tem o dom do Conselho. É daí que vêm, muitas vezes, as resoluções tomadas sob uma falsa inspiração e que acabam em um fim diferente do que foi proposto. E tem que ser assim; porque foi ao mundo que o Senhor disse: 'Meus pensamento não são os vossos pensamentos e meus caminhos não são os vossos caminhos'. 

Clamemos, então, com todo ardor de nossos desejos, pelo Dom Divino que nos preservará do perigo de nos governarmos a nós mesmos; mas compreendamos que este dom só habita naqueles que O estimam bastante para renunciarem-se em sua presença. Se o Espírito Santo nos encontra desligados das ideias humanas, convencidos de nossa fragilidade, dignar-se-á a ser nosso Conselho; mas se somos sábios aos nossos próprios olhos, Ele retirará sua luz e nos abandonará a nós mesmos.

Não queremos que isso aconteça conosco, ó Divino Espírito! Estamos fartos de saber que correr atrás da prudência humana não nos traz vantagem e, diante de Vós, abdicamos sinceramente das pretensões de nosso espírito, tão pronto a se deslumbrar e a se iludir. Conservai em nós e dignai-Vos desenvolver com toda liberdade esse dom inefável que nos concedestes no batismo: sede para sempre nosso Conselho. 'Mostrai-nos Vossos caminhos e ensinai-nos Vossas veredas. Dirigi-nos na verdade e instruí-nos; porque é de Vós que virá a salvação e é por isso que nos prendemos à Vossa direção'.

Sabemos que seremos julgados por todas as nossas obras e por todos os nossos desígnios; mas sabemos também que não teremos nada a temer se formos fiéis à Vossa direção. Estaremos, pois, atentos 'para ouvir o que nos diz o Senhor nosso Deus', o Espírito do Conselho, seja nos falando diretamente, seja nos enviando ao mediador que quis escolher para nós. Bendito seja Jesus que nos enviou seu Espírito para ser nosso condutor e bendito seja este Divino Espírito que sempre se digna nos assistir e que nossas resistências passadas não afastou de nós!

(Excertos da obra 'Os Dons do Espírito Santo', de Dom Prosper Gueranger, Ed. Permanência, 2007)

domingo, 2 de março de 2014

'NÃO VOS PREOCUPEIS'

Páginas do Evangelho - Oitavo Domingo do Tempo Comum


Na sequência litúrgica do Evangelho de São Mateus de celebração dos ensinamentos de Jesus no Sermão da Montanha, temos neste domingo, a mensagem do Divino Mestre sobre a impossibilidade de servir, ao mesmo tempo, a Deus e às riquezas: 'Ninguém pode servir a dois senhores; pois, ou odiará um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro' (Mt 6, 24).

Servir... o servo fiel é aquele que coloca tudo de si, do seu tempo, de suas ações, para maior glória de Deus. Neste sentido, servir é a oferta de si mesmo, sem restrição alguma, ao amor de Deus em plenitude, como vítima de expiação e instrumento da graça divina para todos. O servo dividido entre Deus e o mundo é minado na sua fidelidade pelas paixões e vícios humanos, ficando refém das promessas ilusórias de bens passageiros e inócuos. A atração pelo mundo escraviza a alma às mazelas da servidão frouxa e interesseira.

E não existe mais infeliz servidão do que aquela que padece da escravidão às riquezas e aos bens materiais. Não que os bens materiais sejam  maus ou indesejáveis em si, não se trata disso. A servidão doentia é aquela que se banqueteia da busca desenfreada de valores materiais, na sublimação da ânsia de se querer sempre mais. Para o servo infiel, nada é o suficiente, o que se tem é pouco, a meta é aumentar sempre as posses indefinidamente, a síntese da vida humana consiste em ganhar o mundo. Poderão ser ricos e senhores do dinheiro, mas serão réus da iniquidade diante de Deus.

Jesus nos ensina e proclama que Deus há de prover as necessidades do corpo dos seus escolhidos, pois que valemos muito mais que as aves do céu e que os lírios dos campo. Se a Divina Providência torna disponível as necessidades materiais dos seres inferiores, o que não faz e o quanto não zela pelas necessidades dos seus filhos, nascidos à Sua imagem e semelhança zelosos servidores do Senhor da Messe? 'Não vos preocupeis' (Mt 6, 31 e 34) porque  'Vosso Pai, que está nos céus, sabe que precisais de tudo isso' (Mt 6, 32). Para o servo fiel, tudo isso deve ser mera consequência de uma vida devotada a cumprir a Santa Vontade de Deus em tudo: 'buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo' (Mt 6, 32 - 33). Neste caminho de santificação, não existem esquecidos para Deus: 'Acaso pode a mulher esquecer-se do filho pequeno, a ponto de não ter pena do fruto de seu ventre? Se ela se esquecer, eu, porém, não me esquecerei de ti' (Is 49, 15).

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

10 MANEIRAS DO CATÓLICO VIVER O 'CARNAVAL DE CRISTO'

1. No silêncio e no anonimato de tua oração fervorosa, aplaque a cólera de Deus contra os homens mergulhados nas desordens e licenciosidades do carnaval.

2. Pratique, de forma anônima e recata, a piedade e a caridade extremadas a muitos de teus próximos, nestes terríveis dias da insensatez humana!

3. Afaste-se completamente de todos os espetáculos, desordens, sensualidades e demais loucuras daqueles que se embriagam dos prazeres do carnaval pela força dos costumes.

4. Reflita, de forma muito especial e reverente, a memória e a paixão do Senhor nestes dias de carnaval.

5. Busque refúgio no escondimento do mundo, com o firme propósito de manifestar a glória de Deus, nestes dias, por meio da tua vida vivida inteiramente na pequenez e na solidão .

6. Visite o Santíssimo Sacramento durante os dias de carnaval e ofereça a tua oferta de desagravo aos pecados cometidos pelos homens ensandecidos de carnaval.

7. Antecipe a tua preparação, com zelo redobrado, de continência e penitência para a Quaresma.

8. Reze, reze muito, reze o tempo inteiro, com a tua oração, o teu silêncio, o teu descanso, o teu trabalho manual, o teu trabalho mental, com as tuas ações pequenas, simples, cotidianas e boas, oferecendo-as a Cristo em reparação às injúrias e loucuras de tantos homens nestes dias de carnaval.

9. Participe de santas missas, de exercícios ou retiros espirituais ou de atos de adoração, e reze particularmente pelos teus irmãos que dissipam a graça de Deus neste tempo de insanidades.

10. 'Abraça a cruz, enterra-a no seu coração... compadeça de mim e participe da minha dor' (Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque).

O VALOR DO SANGUE DE CRISTO

'Queres conhecer o valor do Sangue de Cristo? Voltemos às figuras que profetizaram e recordemos a narrativa do Antigo Testamento: Imolai, diz Moisés, um cordeiro de um ano e assinalai as portas com seu sangue. Que dizes, Moisés? O sangue de um cordeiro tem poder para libertar o homem racional? Certamente, responde ele, não porque é sangue, mas porque prefigura o Sangue do Senhor. Se hoje o inimigo, em vez de sangue simbólico aspergido nos umbrais, vir resplandecer nos lábios dos fiéis, portas dos templos de Cristo, o sangue da nova realidade, fugirá ainda para mais longe.

Queres compreender ainda mais profundamente o valor deste Sangue? Repara donde brotou e qual é a sua fonte. Começou a brotar da cruz, e a sua fonte foi o Lado do Senhor. Estando já morto Jesus, diz o Evangelho, e ainda cravado na cruz, aproximou-se um soldado, trespassou-Lhe o Lado com uma lança e logo saíram água e sangue: água como símbolo do Batismo, sangue como símbolo da Eucaristia. O soldado trespassou o Lado, abriu uma brecha na parede do templo e eu achei um grande tesouro e alegro-me por ter encontrado riquezas admiráveis. Assim aconteceu com aquele cordeiro. Os judeus mataram um cordeiro e eu recebi o fruto do sacrifício.

Do Lado saíram sangue e água. Não quero, estimado leitor, que passes inadvertidamente por tão grande mistério. Falta-me ainda explicar-te outro significado místico. Disse que esta água e este sangue simbolizavam o Batismo e a Eucaristia. Foi deste sacramento que nasceu a Igreja, pelo banho de regeneração do Espírito Santo, isto é, pelo sacramento do Batismo e pela Eucaristia que brotaram do Lado de Cristo, por conseguinte, que se formou a Igreja, como foi do lado de Adão que Eva foi formada.

Por esta razão, a Escritura, falando do primeiro homem, usa a expressão carne da minha carne, osso dos meus ossos, que São Paulo refere, aludindo ao Lado de Cristo. Pois assim como Deus abriu o lado de Adão enquanto ele dormia, assim Cristo nos deu a água e o sangue durante o sono da Sua morte.

Vede como Cristo se uniu à Sua Esposa, vede com que alimento nos sacia. O mesmo alimento nos faz nascer e nos alimenta... Assim como a mulher se sente impulsionada pelo amor natural a alimentar com o próprio leite e o próprio sangue o filho que deu à luz, assim também Cristo alimenta sempre com o Seu Sangue aqueles a quem deu o novo nascimento.' 

(Das Catequeses de São João Crisóstomo, ~350-407)

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

DA EXCELÊNCIA DA ORAÇÃO (SÃO CIPRIANO DE CARTAGO)

Da Excelência da Oração Humilde:

Quem ora, queridíssimos irmãos, não deve ignorar como o publicano e o fariseu oravam no templo. Aquele não levantava descaradamente os olhos ao céu, nem erguia as mãos com insolência, mas implorava o auxílio da misericórdia divina batendo no peito e confessando os seus pecados íntimos. E enquanto o fariseu se comprazia em si mesmo, o publicano que assim rezava mereceu ser santificado, pois não havia posto a esperança da sua salvação na garantia da sua inocência – porque ninguém é inocente – mas na confissão humilde dos seus pecados; e Aquele que perdoa os humildes prestou ouvidos àquele que assim rogava.

Da Excelência da Oração do Pai-Nosso:

Que oração poderia ser mais espiritual do que aquela que nos foi dada por Cristo, que também nos enviou o Espírito Santo? Que súplica poderia ser mais eficaz junto ao Pai do que aquela que saiu da boca do Filho, que é a própria Verdade? Orar de modo diferente daquele que o Senhor nos ensinou não só seria ignorância, mas culpa, uma vez que Ele próprio o afirmou ao dizer: Rejeitais o mandamento de Deus para ater-vos à vossa tradição (Mt 15,6; Mc 7,8).

Portanto, queridíssimos irmãos, oremos como nos ensinou o nosso Mestre, Deus. É-lhe grato e familiar dirigirmo-nos a Ele com as suas próprias palavras, fazermos chegar aos seus ouvidos a oração do próprio Cristo. O Pai há de reconhecer as palavras do seu Filho quando lhe rogarmos com elas; Aquele que habita em nosso peito deve estar também em nossos lábios e como, além disso, Ele é intercessor pelos nossos pecados diante do Pai, convém que nós, pecadores, ao pedirmos perdão dos nossos delitos, nos sirvamos das palavras utilizadas pelo nosso Advogado. Com efeito, se Ele declara que tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-lo concederá (Jo 16,23), quanto mais eficaz não será a nossa súplica se pedirmos não somente em nome de Cristo, mas valendo-se da sua própria oração?

(Excertos da obra 'De oratione dominica', de São Cipriano, Bispo de Cartago)

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

EXISTE (MUITO) PECADO AO SUL DO EQUADOR...

Nestes tempos de licenciosidade e relativismos mórbidos, em que tudo torna-se passível de questionamento geral e corriqueiro, a ideia de impor ou definir limites é irremediavelmente taxada de anacrônica ou obscurantismo 'medieval'. E, neste contexto de um mundo que perdeu completamente a noção do sagrado e do pecado, é perfeitamente compreensível, e até mesmo louvável, que 'não exista pecado ao sul do Equador...'

Neste contexto, o carnaval é o frenesi dos instintos e a apoteose da libertinagem. Mas um católico não poderia objetar que o pecado não está no carnaval, mas na carnavalização dos sentidos? Pode o pecado da ira não estar na ira? Pode o mal esconder-se ambiguamente atrás de algo intrinsecamente neutro? A questão de pecar ou não pecar envolve a relatividade do ato e do fato? De outra forma, as obras do espírito são frutos de suas operações ou, nas palavras de São Tomás de Aquino, operações e obras se correspondem como a edificação de uma casa para a casa edificada (Summa Theologiae).

Nada, absolutamente nada, nos atos humanos ou nas operações do espírito (ideias, juízos, imaginação, raciocínio), podem ser incondicionalmente neutras no âmbito da moral cristã: ou conduzem à maior glória de Deus ou nos afastam inexoravelmente da vida da graça: 'Portanto, quer comais quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus' (I Cor 10, 31). E, assim, como a ira tornada ação, a ira entranhada é também pecado. Expor-se à ocasião do pecado já é pecado. O que se impõe, além disso, é meramente a questão da maior ou menor gravidade de um e de outro pecado.

Se nosso propósito é fazer tudo para a glória de Deus, na edificação cotidiana da casa, o que estaremos fazendo exatamente nestes dias em um bloco de carnaval? Investidos na supressão dos costumes formais, em meio à turba eufórica e excitada, subjugados pela onda avassaladora da licenciosidade dos sentidos? 

Ora, se numa discussão, eu me permito ser dominado pela cólera e, em vez de confrontá-la com a objeção do autocontrole e do discernimento, eu a admito tendo em vista um alardeado controle sobre os meus atos, ainda assim, não passo de um encolerizado pecador. Da mesma forma, ainda que seduzido ou enganado pelos rompantes de se buscar apenas diversão no carnaval, numa festa intrinsecamente contrária à moral cristã, você será apenas mais um folião na legião de pecadores. E, convenhamos que, para um católico, isso não é nada engraçado...  

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O DOM DA FORÇA

O dom de Ciência nos ensina o que devemos fazer e o que devemos evitar para estar de acordo com as intenções de Jesus Cristo, nosso divino Chefe. É preciso agora que o Espírito Santo estabeleça em nós um princípio, do qual possamos tomar a energia que deverá nos sustentar no caminho que Ele acaba de nos mostrar. Devemos, com efeito, contar com obstáculos e o grande número daqueles que sucumbem basta para nos convencer da necessidade de sermos ajudados. O socorro que o Divino Espírito nos comunica é o dom da Força pelo qual, se somos fiéis ao empregá-lo, será possível, e mesmo fácil para nós, triunfar sobre tudo o que possa deter nossa marcha.

Nas dificuldades e nas provações da vida, o homem é tanto levado à fraqueza e ao abatimento, quanto empurrado por um ardor natural, que tem sua fonte no temperamento ou na vaidade. Esta dupla disposição pouco ajudará na vitória dos combates pelos quais a alma deve passar para sua salvação. O Espírito Santo traz então um novo elemento como força sobrenatural, que lhe é tão próprio, que o Salvador, ao instituir seus Sacramentos, estabeleceu dentre estes um que tem por objeto especial nos dar esse Espírito divino como princípio de energia. Está fora de dúvida que tendo de lutar durante esta vida contra o demônio, o mundo e nós mesmos, precisamos de outra coisa para resistir, além da pusilanimidade ou da audácia.

Temos necessidade de um dom que modere em nós o medo e que, ao mesmo tempo, tempere a confiança que seríamos levados a ter em nós mesmos. O homem assim modificado pelo Espírito Santo certamente vencerá, pois a graça substituirá nele a fraqueza da natureza ao mesmo tempo em que corrigirá a impetuosidade. Duas necessidades encontram-se na vida do cristão: a de saber resistir e a de saber suportar. O que poderia se opor às tentações de Satã, se a Força do Divino Espírito não viesse cobri-lo de uma armadura celeste e fortalecer seu braço? O mundo não é também um adversário terrível, se considerarmos o número de vítimas que caem todos os dias pela tirania de suas máximas e de suas pretensões? Qual não deve ser a assistência do Divino Espírito, quando se trata de tornar o cristão invulnerável aos golpes assassinos que fazem tantos estragos à sua volta?

As paixões do coração do homem não são um obstáculo menor à sua salvação e à sua santificação: obstáculo tanto mais temível porque mais íntimo. É preciso que o Espírito Santo transforme o coração, que o leve mesmo a renunciar, quando a luz celeste indique um outro caminho para o qual nos empurra o amor e a busca de nós mesmos. Que força divina não é preciso para 'odiar até a sua própria vida', quando Jesus Cristo o exige, quando se trata de escolher entre dois mestres cujos serviços são incompatíveis?

O Espírito Santo, todos os dias, realiza esses prodígios, por meio do dom que derrama em nós, se não o desprezamos, se não o abafamos com nossa covardia ou com nossa imprudência. Ele ensina ao cristão a dominar suas paixões, a não se deixar conduzir por guias cegos, a não ceder a seus instintos, a não ser, quando são conformes à ordem que Deus estabeleceu. Algumas vezes esse Divino Espírito não pede somente que o cristão resista interiormente aos inimigos de sua alma, mas exige também que proteste abertamente contra o erro e o mal, se o dever de estado ou a posição o reclamam. É aí, então, que é preciso afrontar uma espécie de impopularidade que se associa às vezes ao cristão, e que não deve surpreendê-lo ao lembrar-se das palavras do Apóstolo: 'Se eu fosse agradável aos homens, não seria servidor de Cristo'. Mas o Espírito Santo não falta nunca e quando encontra uma alma resolvida a fazer uso da força divina da qual Ele é a fonte, não somente lhe assegura o triunfo, mas a estabelece numa paz cheia de doçura e de coragem que a leva à vitória sobre as paixões.

Tal é a maneira pela qual o Espírito Santo aplica o dom da Força ao cristão, quando este deve exercer resistência. Dissemos que este precioso Dom trazia ao mesmo tempo a energia necessária para suportar as provações cujo prêmio é a salvação. Há temores que gelam a coragem e podem levar o homem à sua perda. O dom de Força os dissipa, substituindo-os por uma calma e uma segurança que desconcerta a natureza. Vejam os mártires! E não só um São Mauricio, chefe da legião tebana, acostumado às lutas do campo de batalha, mas tantos outros, como Felicidade, mãe de sete filhos;como Perpétua, nobre senhora de Cartago para quem o mundo só tinha favores; como Inês, criança de treze anos, bem como milhares de outras, e digam se o dom da Força é estéril em sacrifícios. O que foi feito do medo da morte, desta morte cujo único pensamento nos acabrunha muitas vezes? E as generosas ofertas de toda uma vida imolada na renúncia e nas privações, a fim de encontrar Jesus sem reserva e de seguir suas pegadas de mais perto? E tantas existências veladas aos olhares distraídos e superficiais dos homens, existências cujo elemento é o sacrifício, onde a serenidade nunca é vencida pela provação, onde a cruz sempre reinante é sempre aceita!

Que troféus para o Espírito de Força! Que dedicação ao dever ele sabe produzir! E se o homem sozinho é pouca coisa, o quanto é engrandecido sob a ação do Espírito Santo! É ainda Ele que ajuda ao cristão a enfrentar a triste tentação do respeito humano, elevando-o acima das considerações mundanas que ditariam uma outra conduta. É Ele que empurra o homem a preferir às honras vãs do mundo, a alegria de não ter violado o mandamento de seu Deus. É esse Espírito de Força que nos faz aceitar as desgraças da fortuna assim como tantos desígnios misericordiosos do céu, que sustentam o cristão na perda dolorosa dos entes queridos, nos sofrimentos físicos que tornariam a vida um fardo, se não soubesse que são visitas do Senhor.

É Ele enfim, como lemos na Vida dos Santos, que se serve das próprias repugnâncias da natureza, para provocar atos heroicos onde a criatura humana parece atravessar os limites de seu ser para elevar-se à ordem dos espíritos impassíveis e glorificados. Espírito de Força, permanecei cada vez mais em nós e salvai- nos da indolência desse século. Em época nenhuma a energia das almas esteve mais enfraquecida, o espírito mundano e diabólico mais triunfante, o sensualismo mais insolente, o orgulho e a independência mais pronunciados. Saber ser forte contra si mesmo é uma raridade que excita o espanto daqueles que o testemunham: como as verdades do Evangelho perderam terreno!

Detende-nos sobre esse declive que nos levaria como a tantos outros, ó Divino Espírito! Deixai que peçamos como São Paulo aos cristãos de Éfeso e que ousemos reclamar de Vossa liberalidade: 'a armadura divina que nos porá em condições de resistir no dia mau e de permanecermos perfeitos em todas as coisas. Cingi nossos rins com a verdade, cobri-nos com a couraça da justiça, dai a nossos pés, como calçados indestrutíveis, o Evangelho da paz; muni-nos com o escudo da fé, contra o qual vem atingir as flechas inflamadas de nosso cruel inimigo. Colocai em nossa cabeça o elmo que é a esperança da salvação e em nossa mão a espada espiritual que é a própria palavra de Deus' e com a ajuda da qual possamos enfrentar, como o Senhor no deserto, todos os nossos adversários. Espírito de Força, fazei que assim seja!

(Excertos da obra 'Os Dons do Espírito Santo', de Dom Prosper Gueranger, Ed. Permanência, 2007)