domingo, 20 de março de 2016

HOSANA AO FILHO DE DAVI!

Páginas do Evangelho - Domingo de Ramos


No Domingo de Ramos, tem início a Semana Santa da paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Jesus entra na cidade de Jerusalém para celebrar a Páscoa judaica com os seus discípulos e é recebido como um rei, como o libertador do povo judeu da escravidão e da opressão do império romano. Mantos e ramos de oliveira dispostos no chão conformavam o tapete de honra por meio do qual o povo aclamava o Messias Prometido: 'Hosana ao Filho de Davi: bendito seja o que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel; hosana nas alturas'.

Jesus, montado em um jumento, passa e abençoa a multidão em polvorosa excitação. Ele conhece o coração humano e pode captar o frenesi e a euforia fácil destas pessoas como assomos de uma mobilização emotiva e superficial; por mais sinceras que sejam as manifestações espontâneas e favoráveis, falta-lhes a densidade dos propósitos e a plena compreensão do ministério salvífico de Cristo. Sim, eles querem e preconizam nEle o rei, o Ungido de Deus, movidos pelas fáceis tentações humanas de revanche, libertação, glória e poder. Mas Jesus, rei dos reis, veio para servir e não para reinar sobre impérios forjados pelos homens. '... meu reino não é deste mundo' (Jo 18, 36). Jesus vai passar no meio da multidão sob ovações e hosanas de aclamação festiva; Jesus vai ser levado sob o silêncio e o desprezo de tantos deles, uns poucos dias depois, para o cimo de uma cruz no Gólgota.

Neste Domingo de Ramos, o Evangelho evoca todas as cenas e acontecimentos que culminam no calvário de Nosso Senhor Jesus Cristo: os julgamentos de Pilatos e Herodes, a condenação de Jesus, a subida do calvário, a crucificação entre dois ladrões e a morte na cruz...'Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito' (Lc 23,46). E desnuda a perfídia, a ingratidão, a falsidade e a traição dos que se propõem a amar com um amor eivado de privilégios e concessões aos seus próprios interesses e vantagens. 

A fé é forjada no cadinho da perseverança e do despojamento; sem isso, toda crença é superficial e inócua e, ao sabor dos ventos, tende a se tornar em desvario. Dos hosanas de agora ao 'Crucifica-O! Crucifica-O!' (Lc 23, 20) de mais além, o desvario humano fez Deus morrer na cruz. O mesmo desvario, o mesmo ultraje, a mesma loucura que se repete à exaustão, agora e mais além no mundo de hoje, quando, em hosanas ao pecado, uma imensa multidão, em frenesi descontrolado, crucifica Jesus de novo em seus corações! 

sábado, 19 de março de 2016

SENHOR DOS PASSOS


Nosso Senhor dos Passos é a devoção celebrada pela Santa Igreja, desde a Idade Média, em memória à Via Crucis percorrida por Jesus na sua Paixão e Morte no Calvário. Jesus é representado com a cruz às costas, símbolo maior da fé cristã: pela cruz, fomos resgatados do pecado; pela cruz, nos foi legada a salvação da humanidade. A devoção teve início com a visita dos cruzados aos lugares santos do caminho para o Calvário percorrido por Jesus, fixados nas 14 estações da Via sacra, no século XVI:

I. Jesus é condenado à morte
II. Jesus carrega a Cruz às costas
III. Jesus cai pela primeira vez
IV. Jesus encontra a sua Mãe
V. Simão Cirineu ajuda Jesus a carregar a Cruz
VI. Verônica limpa o rosto de Jesus
VII. Jesus cai pela segunda vez
VIII. Jesus encontra as mulheres de Jerusalém
IX. Terceira queda de Jesus
X. Jesus é despojado de suas vestes
XI Jesus é pregado na Cruz
XII. Morte de Jesus na Cruz
XIII. Descida do corpo de Jesus da Cruz
XIV. Sepultamento de Jesus

Neste tempo da Quaresma e às vésperas da Semana Santa, esta devoção é comumente celebrada sob a forma de duas procissões distintas:

(i) a primeira é a chamada 'Procissão do Depósito' (comumente realizada no 'Sábado dos Passos', que antecede o Domingo de Ramos), em que a imagem velada de Nosso Senhor dos Passos é conduzida até uma determinada igreja (procissão similar é comumente realizada no dia anterior, com a imagem de Nossa Senhora das Dores);

(ii) a segunda é a chamada 'Procissão do Encontro', na qual a imagem do Senhor dos Passos é levada ao encontro de sua Mãe Santíssima (representada em outra procissão, vinda de direção diferente, como Nossa Senhora das Dores), que haviam sido previamente encerradas em igrejas próximas, pelas respectivas procissões de depósito.

A procissão do encontro, em muitas regiões, acontece na Quarta-feira Santa à noite; em outras, é comumente realizada na tarde do Domingo de Ramos. De acordo com uma tradição muito antiga, são as mulheres que devem fazer a procissão que conduz a imagem de Nossa Senhora das Dores, com cantos penitenciais e com figuras bíblicas representando Maria Madalena, Verônica e outras mulheres que acompanharam a caminhada de Jesus para o Calvário. A outra procissão fica ao encargo dos homens, que carregam a imagem do Senhor dos Passos, figura de Jesus Cristo coroado de espinhos e carregando uma cruz. 

As duas procissões, convergem, então, para o local do encontro, onde é proferido o chamado 'Sermão do Encontro', no qual são relembrados os fatos ocorridos na Sexta-feira Santa e se recorda as dores de Nossa Senhora e o sofrimento de Jesus, conclamando o povo à penitência e à conversão. Nesta exortação, o pregador proclama o chamado 'Sermão das Sete Palavras', alusão direta às sete breves frases pronunciadas por Jesus durante a sua crucificação: 

1. 'Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem' (Lc 23,34 a);
2. 'Hoje estarás comigo no paraíso' (Lc 23,43);
3. 'Mulher eis aí o teu filho, filho eis aí a tua mãe' (Jo 19,26-27);
4. 'Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonastes?!' (Mc 15,34);
5. 'Tenho sede' (Jo 19,28 b);
6. 'Tudo está consumado' (Jo 19,30 a);
7. 'Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito' (Lc 23,46 b).

Após o sermão, Verônica entoa um hino e mostra a toalha ensanguentada com a face de Cristo. A parte final da procissão consiste na condução conjunta de ambas as imagens até um destino final, representando os Passos da Paixão no caminho do Calvário. O evento é, então, finalizado, com o chamado 'Sermão do Calvário', que proclama as dores e sofrimentos de Jesus ao longo de sua condenação, paixão, crucificação e morte na cruz.

ORAÇÕES A NOSSO SENHOR DOS PASSOS

'Ó Jesus, relembro tua Paixão, teu Calvário e tuas dores. Olhando as imagens do Senhor carregando a Cruz, imagens com as quais te invocamos sob o título de Nosso Senhor dos Passos e veneramos como símbolos de teu sacrifício e representação de teu ato de amor salvífico, que foi teu sacrifício na cruz, te pedimos como teu discípulo Pedro: Senhor, salva-nos! Salva-nos por tua Cruz, salva-nos por teu sangue; salva-nos por tua misericórdia; salva-nos por teu amor e cura-nos de nossas feridas tanto físicas quanto espirituais, emocionais e psíquicas. Amém'.

'Meu Jesus, Senhor dos Passos, açoitado, coroado de espinhos, escarnecido e cuspido, condenado à morte, carregado com a cruz, caído por terra, pregado no madeiro! Vós sois a Vítima das nossa iniquidades. Eu quero acompanhar os vossos dolorosos passos rumo ao Calvário, em cujo cimo consumiu-se a vossa vida. Mas, do vosso sacrifício, brotou a nossa salvação. Senhor dos Passos, perdoai as minhas maldades e apagai os pecados de todo o mundo. Meu Jesus, Senhor dos Passos, tende piedade de nós. Amém'.

19 DE MARÇO - SÃO JOSÉ


São José, esposo puríssimo de Maria Santíssima e pai adotivo de Jesus Cristo, era de origem nobre e sua genealogia remonta a David e de David aos Patriarcas do Antigo Testa­mento. Pouquíssimo sabemos da vida de José, além de suas atividades de carpinteiro em Nazaré. Mesmo o seu local de nascimento é ignorado: poderia ser Nazaré ou mesmo Belém, por ter sido a cidade de Davi. Ignora-se igualmente a data e as condições da morte de São José, mas existem fortes razões para afirmar que isso deve ter ocorrido an­tes da vida pública de Jesus. Com certeza, José já teria falecido quando da morte de Jesus, uma vez que não se explicaria, então, a recomendação feita aos cuidados mútuos à mãe e ao filho, dados, da cruz,  por Jesus a Maria e a São João Evangelista.

Não existem quaisquer relíquias de São José e se desconhece o local do seu sepultamento. Muitos pais da Igreja defendiam que, devido à sua missão e santidade, São José, a exemplo de São João Batista, teria sido consagrado antes do nasci­mento e já gozava de corpo e alma da glória de Deus no céu, em com­panhia de Jesus e sua santíssima Esposa. As virtudes e as graças concedidas a São José foram extraordinárias, pela enorme missão a ele confiada pelo Altíssimo. A dig­nidade, humildade, modéstia e pobreza, a amizade íntima com Je­sus e Maria e o papel proeminente no plano da Redenção, são atributos e méritos extraordinários que lhe garantem a influência e o poder junto ao tro­no de Deus. Pedir, portanto, a intercessão de São José, é garantia de ser ouvido no mais alto dos céus. Santa Tereza, ardorosa devota de São José, dizia: 'Não me lembro de ter-me dirigido a São José sem que tivesse obtido tudo que pedira'.

A devoção a São José na Igreja Ca­tólica é antiquíssima. A Igreja do Oriente celebra-lhe a festa, desde o século nono, no domingo depois do Natal. Foram os carmelitas que in­troduziram esta solenidade na Igreja Ocidental; os franciscanos, já em 1399, festejavam a comemoração do Santo Pa­triarca. Xisto IV inseriu-a no bre­viário e no missal; Gregório XV ge­neralizou-a em toda a Igreja. Cle­mente XI compôs o ofício, com os hinos, para a celebração da Festa de São José em 19 de março e colocou as missões na China sob a proteção do Santo. Pio IX introdu­ziu, em 1847, a festa do Patrocínio de São José e, em 1871, declarou-o Pa­droeiro da Igreja; muitos pontífices promoveram solenemente a devoção a São José, por meio de orações, homilias, encíclicas e devoções diversas.

São José, rogai por nós!

sexta-feira, 18 de março de 2016

MÃE DE TODAS AS DORES


DEVOCIONÁRIO DE NOSSA SENHORA DAS DORES

Introdução (Todos os Dias)

V. Ó Deus, vinde em meu auxílio; 
R. Senhor, apressai-Vos em me socorrer

V. Glória ao Pai...
R. Assim como era no princípio...

Dia I 

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, na aflição do Vosso coração terno com a profecia do santo velho Simeão. Querida Mãe, pelo Vosso coração tão afligido, obtende para mim a virtude da humildade e o dom do santo Temor de Deus. 

Rezar uma Ave Maria. 

Dia II

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, na angústia do Vosso afetuosíssimo coração durante a fuga para o Egito e a Vossa estadia ali. Querida Mãe, pelo Vosso coração tão perturbado, obtende para mim a virtude da generosidade, especialmente para com os pobres, e o dom da Piedade. 

Rezar uma Ave Maria. 

Dia III

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, nas ansiedades que perturbaram o Vosso coração amargurado pela perda do Vosso querido Jesus. Querida Mãe, pelo Vosso coração tão angustiado, obtende para mim a virtude da castidade e o dom da Ciência. 

Rezar uma Ave Maria. 

Dia IV

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, na consternação do Vosso coração ao encontrardes Jesus quando carregava a Sua Cruz. Querida Mãe, pelo Vosso coração tão perturbado, obtende para mim a virtude da paciência e o dom da Fortaleza. 

Rezar uma Ave Maria. 

Dia V

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, no martírio que o Vosso coração generoso suportou ao estar perto de Jesus na Sua agonia. Querida Mãe, pelo Vosso coração de tal maneira aflito, obtende para mim a virtude da temperança e o dom do Conselho. 

Rezar uma Ave Maria. 

Dia VI

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, no ferimento do Vosso coração compassivo, quando o lado de Jesus foi atingido pela lança e o Seu Coração foi trespassado. Querida Mãe, pelo Vosso coração assim trespassado, obtende para mim a virtude da caridade fraterna e o dom do Entendimento. 

Rezar uma Ave Maria. 

Dia VII

Sofro por Vós, Maria dolorosíssima, pelas dores que apertaram o Vosso amantíssimo coração quando Jesus foi sepultado. Querida Mãe, pelo Vosso coração mergulhado na amargura da desolação, obtende para mim a virtude da diligência e o dom da Sabedoria. 

Rezar uma Ave Maria. 

Oração Final (Todos os Dias)

V. Orai por nós, Virgem dolorosíssima, 
R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo. 

Oremos. Seja feita intercessão por nós, vos suplicamos, Senhor Jesus Cristo, agora e na hora da nossa morte, perante o trono da Vossa misericórdia, pela Santíssima Virgem Maria, Vossa Mãe, cuja santíssima alma foi trespassada por uma espada de dor na hora da Vossa amarga Paixão. Pedimos isto por intermédio de Vós, Jesus Cristo, Salvador do mundo, que com o Pai e o Espírito Santo vive e reina pelos séculos dos séculos. Amém.

Indulgência de 5 anos. Indulgência de 7 anos em cada dia de setembro. Indulgência plenária uma vez por mês, nas condições usuais, se estas orações forem rezadas diariamente (Pio VII, Audiência em 14 de Janeiro de 1815).

quinta-feira, 17 de março de 2016

SÃO JOSÉ - MODELO DE SANTIFICAÇÃO PELA VIDA INTERIOR


São José é um santo oculto. Sua vida exterior se passa na sombra e no silêncio. A sua vida interior — aquela em que ele é particularmente admirável — também é sombra e obscuridade. Nele, a sombra atrai a sombra. A vida do nosso santo não oferece aos olhares nada de extraordinário, nada que provoque atenção. 

Dos seus primeiros anos nada sabemos. Ele só nos aparece no momento do advento do Salvador. Descende da família de Davi, decaída do seu antigo esplendor. Os seus dias, na maioria, transcorrem na pequena povoação de Nazaré, que motivou a pergunta: 'De Nazaré pode sair alguma coisa boa?' (Jo 1, 46) e ele não parece haver exercido ali qualquer função oficial. Conhecem-no simplesmente como um carpinteiro — profissão que não tem nada de glorioso. Quanto à sua missão especial e pessoal de pai legal de Jesus, por mais bela e mais sublime que seja em si mesma, ela precisamente requeria a sombra e o silêncio. Os profetas, os apóstolos e os mártires proclamaram a divindade de Jesus e, por isso mesmo, adquiriram a glória. Ao contrário, a missão de São José, durante a sua vida inteira, foi encobrir essa divindade.

Já o vimos: ele foi a sombra do Pai Celeste não só representando o Pai junto de Jesus, mas ainda subtraindo aos olhos do mundo a divindade do Salvador, visto como aos olhos de todos ele era o pai do menino. Ora, a sombra não é só o silêncio. Ela cobre com mistério tudo o que lhe entra na esfera. Velando a divindade de Jesus, São José velava também o milagre realizado em Maria: a virgindade e a maternidade divina.

Essa missão especial, José aceita e cumpre-a de todo o coração, sem desmenti-la uma só vez durante a vida inteira. Ele quer ser oculto, quer permanecer oculto. Mas isso não bastava. Que maravilhas poderia ter ele revelado falando da Virgem admirável, objeto de profecias tão numerosas e luminosas, esperança do povo de Deus! Ele abriga sob o seu teto o Messias esperado com tanta impaciência e não trai com uma só palavra o seu segredo! Leva-o consigo para o túmulo.

Quando vêm os dias em que o Salvador realiza seus milagres, quando a glória da Ressurreição transforma em triunfo os sofrimentos e as humilhações da Paixão, José já não é deste mundo. Mesmo quando o cristianismo alarga as suas conquistas, o nosso santo ainda permanece na sombra até que venha a hora de se lhe prestar um culto bem merecido. Tal foi a prodigiosa vocação de José: ser a sombra, projetar a sombra sobre si mesmo e sobre tudo o que entra na sua esfera, sobre o próprio Deus.

A sua vida exterior foi, pois, uma vida oculta. Mas isso não bastava. Era mister que essa vida oculta fosse igualmente uma vida interior. Assim o pedia a missão do santo patriarca. Ser o guarda e o protetor da vida oculta de Jesus era a vocação de São José. Ora, essa vida oculta do Salvador era essencialmente uma vida interior. Para velar por essa vida, mister se fazia uma alma, um santo que amasse e praticasse a vida interior.

Que vem a ser essa vida interior? É o lado espiritual, o lado melhor da vida humana. É a vida que confere ao homem uma grandeza e um valor muito acima das aparências da vida exterior. Ela consiste na parte que a alma, o espírito do homem, pelo seu lado superior e sobrenatural, toma nos atos exteriores. É o homem vivendo para Deus, de Deus e em Deus. Assim sendo, para frisá-la em alguns traços, a vida interior consiste sobretudo na pureza do coração, na fuga de tudo o que pode desagradar a Deus e tornar-nos menos agradável a seus olhos, por conseguinte na fuga de toda falta voluntária e ainda na vigência sobre o nosso interior. Consiste, além disso, em nos esforçarmos por transformar todos os nossos atos exteriores em outros tantos atos de virtude — de uma virtude sobrenatural; transformá-los em outros tantos méritos perante Deus, dando-lhes uma intenção reta e sobrenatural. Consiste enfim, em conversarmos diretamente com Deus pela oração e em correspondermos fielmente às suas inspirações.

Eis aí, praticamente, a vida interior. Tal deve ter sido a de São José. Mas quem nos fará compreender-lhe a perfeição? Pensemos na missão gloriosa de José, pensemos nas graças que Deus lhe concedeu dessa missão! Se desde o primeiro instante de sua existência Maria recebeu uma plenitude transbordante de dons celestes, porque devia ser a mãe do Salvador, José, cuja missão tem mais de uma analogia com a de Maria, deve ter, por sua vez, recebido as graças correspondentes à sua alta vocação. Esse capital de graças não pôde senão multiplicar-se pela prática da vida interior, e frutificar tanto mais quanto a vida exterior do nosso santo era mais humilde e, de alguma sorte, mais vulgar. Além disso, uma contínua intimidade com o Salvador e com Maria favorecia singularmente o progresso da vida interior.

Que pureza nos pensamentos de José, suas intenções, porquanto, fruindo da sociedade de Jesus, ele estava incessantemente, como os anjos, em presença do Deus três vezes santo! Que recolhimento em suas ações, desde que a sua vida toda se achava, por isso mesmo, diretamente consagrada ao serviço de Deus, à execução dos conselhos divinos! Que fervor na caridade, pois tudo em torno dele, tudo o que ele via, tudo o que ouvia, eram outras tantas revelações do amor de Deus, outras tantas inexauríveis fontes de graças, outras tantas manifestações da sabedoria e da beleza divinas! José estava imerso em Deus. A luz de Deus banhava-lhe a vida interior, como a luz do astro das noites transparece através da nuvem que a vela por um instante.

São José é, pois, o melhor modelo da vida interior. Sem dúvida, ele não era a luz que impõe a atenção e fere todos os olhares. Compará-lo-íamos antes a um perfume cujo aroma respiramos sem reconhecer sempre de onde se exala. O nosso santo é, pois, ainda agora, na Igreja, o padroeiro da vida interior. Essa vida interior faz a sua grandeza. Ela lhe é necessária. Sem ela, ele não teria passado de uma sombra vã diante dos homens e diante de Deus. Ter-se-ia assemelhado a esses ricos e a esses grandes do mundo de quem a Escritura diz, que 'no seu despertar, nada acharam em suas mãos' (Sl 76,6). Com ela e por ela, José foi rico diante de Deus. Foi grande da grandeza do próprio Deus. Por ser Deus, e por ser infinitamente feliz em Si mesmo, Deus nos é oculto, silencioso, invisível. E é a vida interior que nos associa a essa grandeza de Deus, porque ela consiste essencialmente em viver para Deus e em Deus.

A vida interior é pureza, porque é uma frequente conversa com Deus, espelho de toda pureza. É riqueza, porque tudo o que fazemos, fazemo-lo para Deus e o transformamos numa recompensa eterna. É força porque, pela união com Deus, ela nos atrai a graça de vencermos os perigos e as dificuldades da vida exterior.

Coloquemo-nos, pois, sob a proteção de São José e, confiantes no seu socorro, trilhemos os caminhos da vida interior, pela vigilância sobre nós mesmos, pela pureza de intenção em todas as coisas, pela prática da oração, pela docilidade às inspirações da graça. Sem estes exercícios da vida interior, a própria vida mais oculta ficaria sem mérito diante de Deus, sem valor para a eternidade. E, para entrar nessa terra prometida da vida interior, não há guia melhor nem mais seguro do que São José: é uma das recompensas concedidas aos serviços que ele prestou à santa infância do Salvador.

(Excertos da obra 'São José - Na Vida de Cristo e da Igreja', do Pe. Maurício Meschler, 1943)

quarta-feira, 16 de março de 2016

LEITURAS PARA A QUARESMA

LEITURAS PARA A QUARESMA (POSTAGENS PUBLICADAS NO BLOG)
(Clique sobre o ícone)


GLÓRIAS DE MARIA: AS SETE DORES DE NOSSA SENHORA (I)


GLÓRIAS DE MARIA: AS SETE DORES DE NOSSA SENHORA (II)


GLÓRIAS DE MARIA: AS SETE DORES DE NOSSA SENHORA (III)


REFLEXÕES SOBRE AS SETE PALAVRAS DE JESUS NA CRUZ E DAS SETE PALAVRAS DE NOSSA SENHORA NOS EVANGELHOS


O CALVÁRIO E A MISSA


DA AGONIA DO GETSÊMANI


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS É CONDENADO POR PILATOS



MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS LEVA A CRUZ AO CALVÁRIO


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS É PREGADO NA CRUZ


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS NA CRUZ 


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: PALAVRAS DE JESUS NA CRUZ


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS MORRE NA CRUZ 


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: JESUS MORTO PENDENTE DA CRUZ


MEDITAÇÕES SOBRE A PAIXÃO DE JESUS: MARIA ASSISTE A MORTE DE JESUS NA CRUZ


VIA SACRA: I a IV ESTAÇÕES



VIA SACRA: V a VIII ESTAÇÕES



VIA SACRA: IX a XI ESTAÇÕES



VIA SACRA: XII a XIV ESTAÇÕES

terça-feira, 15 de março de 2016

O FRUTO DA PAIXÃO


'Eu cumpro em mim o que falta à Paixão de Jesus Cristo.' Destas palavras do apóstolo São Paulo, tirarei as considerações da simples instrução que me resta fazer-vos como complemento de tudo que deixei dito sobre a Paixão. Meditamos bastante em várias pregações este adorável Mistério, no qual tantos atributos de Deus se nos revelam: a Sua onipotência, sabedoria, santidade, justiça e bondade.

A sua onipotência – porque vimo-lo na Paixão triunfar do universo pelos meios aparentemente mais vis e fracos. A sua sabedoria – porque vimo-lo conciliar maravilhosamente os direitos da Justiça com os desejos da Misericórdia, punindo o pecado e ao mesmo tempo perdoando ao pecador. A sua santidade – porque vimo-lo punir inexoravelmente o Inocente, só porque se lhe mostrou revestido das aparências do pecado. A sua bondade – porque entregou o seu Filho à morte para nos salvar.

Revelando-se assim os atributos de Deus, o Mistério da Paixão revela também a enormidade do pecado, a sua pena eterna, e o preço da nossa alma. A enormidade do pecado – porque só o mérito infinito de um Deus crucificado pode expiá-lo. A sua pena eterna – porque, sendo infinito o mérito de Jesus Cristo, a sua morte foi um remédio infinito. Ora, um remédio infinito supõe uma desgraça infinita, que Jesus Cristo veio evitar; e não haveria proporção entre o pecado e a sua morte se a pena do pecado não fosse o inferno. O preço da nossa alma – porque para salvá-la não duvidou Deus dar o seu próprio sangue; e quem de pouca valia pode julgar a sua alma vendo-a assim prezada pelo Deus Redentor?!

Mas, se a Paixão nos ensina tudo isto, qual deve ser para nós o fruto da Paixão? Os mistérios que nesta quaresma temos estudado serão cenas teatrais a que viestes assistir; ou fontes de salvação onde viestes beber tantos remédios quantos são os males que em vós tem produzido o pecado? Porventura a Igreja, exibindo aos vossos olhos essas reproduções plásticas da Divina Tragédia da Paixão, tem o intuito de impressionar-vos apenas; e esses quadros que com tanto afã viestes contemplar – a Agonia, a Flagelação, a Coroação de Espinhos, o Caminho do Calvário, a Crucificação – só devem ter o efeito de despertar a vossa sensibilidade e provocar a vossa condolência?! Não. Porque a Igreja, em relação a Paixão, nos ensina duas verdades capitais: 

(i) os mistérios da Paixão não são somente fatos que se consumaram há dezenove séculos; são, como todos os mistérios e obras de Nosso Senhor, fatos permanentes, sempre reproduzidos, como se cada dia eles se realizassem de novo. Jesus Cristo abrange todos os séculos e tempos; o passado, o presente e o futuro: Christus heri et hodie ipse et in secula. Se isto é verdade, máxime em relação à Paixão, pois ela vive sempre no augusto sacrifício da Missa e é sempre eficaz nos Sacramentos que todos tiram a sua virtude do precioso sangue de Jesus Cristo.

(ii) Jesus Cristo, sofrendo por todos os homens, sofreu particularmente por cada um de nós, como se cada um de nós fora o único que tivesse pecado e necessitasse da sua Paixão; de modo que a cada um foi aplicado o sangue de Jesus Cristo tão exclusivamente como se todos os outros não estivessem nas mesmas condições. 

Eis em relação à Paixão as duas verdades capitais sem as quais ninguém pode tirar dela o devido fruto; porque este fruto só provém da aplicação que cada um faz a si próprio dos méritos e satisfações de Jesus Cristo. Eis porque dizia o apóstolo São Paulo: 'eu satisfaço em mim o que falta à Paixão de Jesus Cristo'. Mas, que é que podia faltar à Paixão de Jesus Cristo? Porventura não foi ela completa? Sim, em relação a Jesus Cristo; não, em relação a cada um de nós. É preciso que cada um se aproprie dela, torne-a sua, para que então a Paixão de Jesus Cristo seja completa em relação a cada um de nós.

Era isto o que queria dizer o Apóstolo. Ele, que tinha evangelizado os gentios, confundido os gregos, assombrado o mundo e que, num rapto sublime, fora elevado ao terceiro céu, compreendia, não obstante, que se não poderia se salvar senão completando em si a Paixão de Jesus Cristo. Vós, pelo contrário, entendeis que, concorrendo apenas a estas solenidades da Igreja; contemplando os quadros alegóricos da Paixão; ouvindo as pregações do orador sagrado e acompanhando pelas ruas da cidade os sagrados préstitos, tendes a vossa salvação segura!

Eu lamento, porém, a vossa ilusão, e com fraqueza vo-lo declaro: se a vossa piedade se reduz a isto, de nada vos serviria a Paixão de Jesus Cristo; para vós ela é como que se não existisse. De fato, para muitos ela não existe. Como dizia São Bernardo: 'há homens para quem Jesus Cristo ainda não nasceu, não viveu, não sofreu, não morreu, não ressuscitou e não subiu ao céu'. Quem são eles? Todos os que pensam como vós, isto é, todos os que se limitam a ver as cenas da Paixão como cenas de teatro, ou ouvi-las descrever apenas como episódios patéticos e trágicos.

Todos os mistérios de Nosso Senhor têm duas partes; uma exterior: o corpo do mistério; outra interior: o espírito do mistério. O corpo do mistério são as circunstâncias exteriores no meio das quais ele se realizou. O espírito do mistério é o que se passou no espírito de Nosso Senhor quando Ele o operou, isto é, os pensamentos do seu entendimento, os afetos, os seus desígnios e, mais que tudo, as virtudes que praticou: humildade, pobreza, obediência, caridade.

Ora, o corpo do mistério nem todos podem reproduzi-los; porque só graças extraordinárias podem transformar um homem numa imagem real e aparente de Jesus Cristo. O espírito do mistério, porém, todo o cristão pode e deve, quanto comportarem as suas forças, reproduzi-lo em si, adaptando os diferentes estados de sua vida aos correspondentes mistérios de Jesus Cristo; tendo também, como Ele, o seu Belém, o seu Egito, o seu Nazaré, o seu templo, o seu Batismo, o seu Deserto, a sua Missão, a sua Paixão, o seu Calvário, para que, como Ele também, possa ter a Ressurreição e triunfo no céu.

Esta reprodução de Jesus Cristo, como se deve fazê-la? Imitando-o. É nesta imitação que consiste a nossa garantia de salvação, porque diz o Apóstolo: 'Aqueles que Ele conheceu, Ele predestinou a serem conformes à imagem do seu Filho, primeiro nascido entre muitos irmãos'. Sem essa imitação não há salvação e, quanto mais perfeita for a imitação, mais segura será a salvação. Por isso todo intuito da Igreja, nestas como em outras solenidades, é reproduzir em nós a figura de Jesus Cristo; e, se anualmente nos apresenta representados ao vivo os mistérios de sua Paixão, é para que deles nos apropriemos devidamente.

Todos estes mistérios são meios de santificação que nos devem conduzir a procurar o sangue de Jesus Cristo. Onde o encontramos, esse sangue precioso que único pode nos lavar do pecado? Nos quadros da Paixão que tanto gostais de contemplar? Nas imagens do Crucificado que tanto vos apraz olhar? Nas procissões a que com tanta presteza concorreis? Não! Nos Sacramentos, canais da graça, vasos do precioso sangue de Jesus Cristo, expressões sagradas da vontade de Deus que, assim como na ordem física, não comunica a vida natural senão por meio de determinados instrumentos, de intermediários, de sacramentos sobrenaturais.

Vede: na ordem natural, Deus não opera senão por intercessão de coisas ou de pessoas. Ele poderia nos alimentar diretamente, ou pelo menos dar a nossa própria substância o vigor bastante para subsistirmos. Entretanto, colocou em organismos naturais a vida que se nos comunica; e, se não recorremos à terra, à planta ou ao animal, não poderemos subsistir, não poderemos ter a vida física. Poderia também diretamente curar um doente ou instruir um ignorante; mas não o faz senão por intermediário do médico ou do mestre.

Porque se estranha que Ele proceda do mesmo modo na ordem religiosa? Ele poderia nos dar a graça diretamente e infundir em nós o seu precioso sangue. Não o faz, entretanto, senão por meio dos sacramentos e, se queremos a vida divina, havemos de recorrer aos mananciais que a contêm. Aliás, se na vida divina, como todos os cristãos facilmente aceitam, é preciso um sacramento para nascer, outro para crescer, outro para casar-se: porque não será necessário um sacramento para curar-se do pecado, que outra coisa não é senão a moléstia da alma; e recuperar a graça, que outra coisa não é senão a saúde, a vida divina do cristão?

O doente não se cura sem o remédio. O pecador não se regenera sem a confissão. É neste adorável sacramento que principalmente reside o fruto da Paixão, de cujos méritos não nos podemos apropriar senão recorrendo ao precioso sangue que Ele derrama sobre o pecador arrependido. A confissão humilha, confunde, abate a vaidade, castiga o orgulho, violenta o amor próprio? Mas é por isso justamente que cumprimos em nós a Paixão de Jesus Cristo, que se deixou humilhar, abater, confundir em castigo de nossas vaidades, orgulhos, cobiças e sensualidades. Adimpleo ea quae desunt passionum Christi.

Sem a humilhação da penitência, nenhum cristão pode dizer que cumpre em si a Paixão de Jesus Cristo. Sem a confissão, estas festas poderão ter impressionado os vossos olhos, as pregações deste pobre orador poderão ter agradado aos vossos ouvidos; mas tudo isto não terá convertido os vossos corações e de nenhum proveito vos terá sido a Paixão de Jesus Cristo. O templo encheu-se literalmente para se verem os quadros, ou para se ouvir o orador? As ruas regurgitaram de uma multidão compacta atrás dos emblemas e andores? Nada disto vos aproveita, se esquecestes o caminho do confessionário; se não fostes receber naquela fonte viva do precioso sangue de Jesus Cristo, a água que lava as iniquidades e o vigor que garante a vida eterna.

Este é o fruto da Paixão; e quem não foi colher este fruto na árvore de salvação que Jesus Cristo plantou na sua Igreja, não pode dizer que cumpre em si o que falta à Paixão de Jesus Cristo. Adimpleo ea quae desunt passionum Christi. Que cegueira a daquele que não compreende estas palavras! Que confusão não será a sua na eternidade! Verá, mas muito tarde, que Deus fez tudo por si: revestiu-se de sua carne, nasceu, sofreu, foi coberto de opróbrios, foi crucificado – tudo isto para salvá-lo; e toda esta fonte de vida, a Paixão de Jesus Cristo, não foi para ele senão uma fonte de morte!

Pode haver maior desventura, maior infortúnio, cristãos? Não! Portanto, enquanto é tempo, que cada um se aposse do tesouro infinito do Divino Amor; que cada um se aproprie dos sagrados méritos do seu Redentor; que cada um se habilite para poder dizer junto com o Apóstolo: adimpleo ea quae desunt passionum Christi: 'eu cumpro em mim o que falta à Paixão de Jesus Cristo'.

(Excertos da obra 'A Paixão', pelo Padre Júlio Maria de Lombaerde, 1937)