Mostrando postagens com marcador Poesia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Poesia. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 4 de abril de 2025

POEMAS PARA REZAR (LX)

A FLOR DA PAIXÃO


A flor de maracujá, de cor púrpura, é associada comumente ao simbolismo da Paixão do Senhor, seja pela cor roxa característica do tempo quaresmal, seja pelo emaranhado característico das folhas, filamentos e pétalas que remetem aos pregos, chagas e espinhos que compõem o mistério do Calvário. A correlação é tão imediata que os primeiros missionários portugueses e espanhóis que chegaram às Américas no século XVI designaram a planta como Flos Passionis ou Flor da Paixão. Atualmente, acredita-se que existam mais de 500 espécies da flor da Paixão em todo o mundo, mas principalmente no Brasil. As características singulares da Flor da Paixão foram traduzidas por Catulo da Paixão Cearense (1863 - 1946), o chamado poeta do Sertão, no poema transcrito abaixo, elaborado em linguagem livre e regional, conectando ao mesmo tempo, de forma simples e bela, o folclore sertanejo e a religiosidade popular.

A FLOR DO MARACUJÁ 

(Catulo da Paixão Cearense)

Encontrando-me com um sertanejo,
Perto de um pé de maracujá,
Eu lhe perguntei: diga-me caro sertanejo,
Porque razão nasce roxa, a flor do maracujá?

Ah, pois então eu lhi conto,
A estória que ouvi contá,
A razão pro que nasci roxa,
A frô do maracujá.
Maracujá já foi branco,
Eu posso inté lhe ajurá,
Mais branco qui a caridadi,
Mais branco do que o luá.

Quando as frô brotava nele,
Lá pros cunfim do sertão,
Maracujá parecia,
Um ninho de argodão.
Mais um dia, há muito tempo,
Num meis que inté num mi alembro,
Si foi maio, si foi junho,
Si foi janeiro ou dezembro.

Nosso sinhô Jesus Cristo,
Foi condenado a morrê,
Numa cruis crucificado,
Longe daqui como o quê,
Pregaro Cristo a martelo,
E ao vê tamanha crueza,
A natureza inteirinha,
Pois-se a chorá di tristeza.

Chorava us campu,
As foia, as ribeira,
Sabiá tamém chorava,
Nos gaio da laranjera,
E havia junto da cruis,
Um pé de maracujá,
Carregadinho de frô,
Aos pé do nosso sinhô.

I o sangue de Jesus Cristo,
Sangui pisado de dô,
Nus pé di maracujá,
Tingia todas as frô,
Eis aqui seu moço,
A estória que eu vi contá,
A razão proque nasce roxa,
A frô do maracujá.

PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

POEMAS PARA REZAR (LIX)

O TEMPO

Mas não é que já estamos no final de fevereiro?
Mas não parece que foi ontem o ano que passou?
Janeiro se foi...
... e março logo vai chegar.
Entre janeiro e março, fevereiro vai ser aquele que passou
ou um fevereiro que nunca vai terminar.

Entre janeiro e março, para tantos, a vida voou esquecida das horas;
para outros, porém, ficou retida num dia qualquer de fevereiro
com a dimensão da eternidade.
Para tantos, um mês qualquer com outros tantos dias para cuidar de tantas coisas por cuidar
e, para outros, porém, um tempo que não existe mais.
Ó tempo, tão desprezado na vida,
como será desejado na hora da morte
e não valerá mais coisa alguma!

Quando o tempo for um anjo sem asas
que a morte do nada arrancou
vai valer todo o ouro do mundo
mas será só areia que o vento levou...

O tempo que vale todo o ouro do mundo é agora!

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

POEMAS PARA REZAR (LVIII)


CRISTO NÃO TEM UM CORPO AGORA QUE NÃO SEJA O SEU

Cristo não tem um corpo agora que não seja o seu,

não tem pés e nem mãos na terra, a não ser os seus,

são com os seus olhos que Ele contempla este mundo com compaixão.

São com os seus pés que Ele caminha no mundo para fazer o bem,

e é com as suas mãos que Ele abençoa o mundo inteiro.

As mãos são as suas, os pés são os seus,

são os seus olhos e o seu corpo que Ele tem.

Não tem pés e nem mãos na terra, a não ser os seus,

e são com os seus olhos que Ele contempla este mundo com compaixão.

Cristo não tem no mundo agora nenhum corpo que não seja o seu.

(Santa Teresa de Ávila)

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

POEMAS PARA REZAR (LVII)


TU ESTARÁS COMIGO

Quando lá fora o redemoinho dos ventos
assustar a miséria dos meus instintos,
tu estarás comigo, 
como guardião da minha paz.

Quando o peso dos meus pecados,
vergarem a minha consciência até o chão,
tu estarás comigo,
para me levantar a um novo recomeço.

Quando a doença consumir meu corpo exausto
e eu for fonte de todos os desvarios,
tu estarás comigo,
como um milagre de cura.

Quando a solidão bater nas portas e janelas
da minha alma perdida em devaneios,
tu estarás comigo,
luz brilhante para me guiar na escuridão.

Quando eu for refém de minhas culpas,
assolado por tristeza e desolação,
tu estarás comigo,
como doce fruto de plena sublimação.

Quando eu estiver diante da morte sorrateira,
no limiar do meu último suspiro,
tu estarás comigo,
diante a porta estreita chamada eternidade.  

Bendito Rosário, meu diário e fiel amigo,
a mais bela devoção a Maria,
nas contas singelas que eu rezo a cada dia,
estarás sempre comigo.

(Arcos de Pilares)

terça-feira, 17 de setembro de 2024

POEMAS PARA REZAR (LVI)

 

NO MEIO DE MUITOS CAMINHOS

No meio de um caminho / havia um homem caído / Muitos passaram ao largo / sem socorrer o ferido / mas o bom samaritano / cuidou do desconhecido / curou-o, pagou seu repouso/ resgatou quem estava perdido...

No meio de nossos caminhos / há tantas pessoas perdidas / tantos homens que precisam/ de curar suas feridas / e tantas pessoas que passam / fingindo-se desapercebidas/ passam também pelo mundo/ deixando para trás suas vidas...

Que eu não seja águas passadas / que não mais movem moinhos / e possa levar minha presença / a tantos que andam sozinhos / e semear ainda a caridade / por entre tantos espinhos / que eu possa ser samaritano / no meio de muitos caminhos...

(Arcos de Pilares)

sexta-feira, 12 de julho de 2024

POEMAS PARA REZAR (LV)

O chamado Catecismo de Baltimore constituiu o primeiro e o mais renomado catecismo escrito para católicos na América do Norte, vigente desde 1885 até o final da década de 1960. O hino religioso Mother Dear, oh, Pray for Me - oração de louvor e súplica de proteção à Nossa Senhora traduzida abaixo - constitui uma das mais belas devoções do Catecismo de Baltimore.  


MOTHER DEAR, OH, PRAY FOR ME

Mother dear, oh, pray for me,
Whilst far from heav'n and thee
I wander in a fragile bark,
O'er life's tempestuous sea;
O Virgin Mother, from thy throne,
So bright in bliss above,
Protect thy child and cheer my path,
With thy sweet smile of love.

Mother dear, remember me,
And never cease thy care,
Till in heaven eternally
Thy love and bliss I share.

Mother dear, oh, pray for me,
should pleasure's siren lay
E'er tempt thy child to wander far
From virtue's path away;
When thorns beset life's devious way,
And darkling waters flow,
Then, Mary, aid thy weeping child,
Thyself a mother show.

Ó MÃE QUERIDA, REZA POR MIM

Ó mãe querida, reza por mim,
longe do céu e de ti, alma perdida,
sou nau errante a vagar sem rumo
no mar tormentoso desta vida;
Ó Virgem Mãe, do teu trono,
radiante de glória e esplendor,
protege teu filho e alegra meus passos,
sob o teu suave sorriso de amor.

Ó mãe querida, lembra-te de mim,
e nunca me deixes afastar de Deus,
até que na eternidade do céu, assim,
o teu amor e teu sorriso sejam meus.

Ó mãe querida, reza por mim
se a cobiça do prazer mais rude
tentar desviar o teu filho enfim
do reto caminho da virtude;
quando os espinhos moldarem meu caminho
e as águas escuras me levarem embora;
cuida de mim, então, filho que chora,
ó mãe querida, cuida então de mim.

(livre tradução do autor do blog)

quarta-feira, 12 de junho de 2024

POEMAS PARA REZAR (LIV)

(John Donne, poeta inglês, 1572 - 1631)

HOLY SONNET (VII)

At the round earth's imagin'd corners, blow
your trumpets, angels, and arise, arise
from death, you numberless infinities
of souls, and to your scatter'd bodies go;
all whom the flood did, and fire shall o'erthrow,
all whom war, dearth, age, agues, tyrannies,
despair, law, chance hath slain, and you whose eyes
shall behold God and never taste death's woe.
But let them sleep, Lord, and me mourn a space,
for if above all these my sins abound,
tis late to ask abundance of thy grace
when we are there; here on this lowly ground
teach me how to repent; for that's as good
as if thou'hadst seal'd my pardon with thy blood.

(John Donne)

SONETO SACRO (VII)

Nos arredores imaginários da terra circular, 
anjos, soprai vossas trombetas, tomai prumo, 
e erguei-vos da morte, ó almas sem lugar
e retornai aos vossos corpos sem rumo.
Vós, mortos no dilúvio, e os mortos teus, 
pelo fogo, pela guerra, pela febre, pela velhice
pela angústia, tiranias ou até pela má sorte 
e mesmo vós que havereis de ver a Deus
sem passar pela provação da morte...
Mas deixai-os dormir, Senhor, que eu faça
meu pranto em tempos mais dilatados
pois, se acima de todos, abundam meus pecados, 
tarde seria implorar depois a vossa graça.
Que eu a tenha agora, neste chão pisado,
ensinai-me então o arrependimento sublimado:
com o vosso Sangue seja meu perdão selado!

(tradução do autor do blog)

quinta-feira, 16 de maio de 2024

POEMAS PARA REZAR (LIII)


CURA-ME SENHOR!

Cura-me Senhor
da minha miséria sem caridade
da minha pequenez sem remorsos
do meu vazio sem luz
do meu nada sem amor.

Cura-me Senhor
das andanças sem fim
das promessas não cumpridas
do meu voo sem asas
do viver por viver.

Cura-me Senhor
das chagas da vaidade
das lacerações dos sentidos
dos traumas do orgulho
das feridas do pecado.

Cura-me Senhor
da minha mente insensata
do meu coração endurecido
da minha imaginação febril
da minha alma vazia.

Cura-me Senhor
por buscar as coisas do mundo
por ansiar ter sempre mais
por lembrar tanto de mim
por esquecer tanto de Deus.

Cura-me Senhor
de tantas escolhas erradas
de tantos atalhos inúteis
de tanta palavra vã
de tanto tempo perdido.

Cura-me Senhor
da minha falta de paciência
da minha inconstância geral
das más obras que construí
das boas obras que não fiz.

Cura-me Senhor
da fome dos meus sentidos
da sede da minha intemperança
do grito dos meus prazeres
da nudez dos meus desvarios.

Cura-me Senhor
da dúvida em ocasiões sem fim
da indiferença de muitos dias
da incerteza de outros tempos
do torpor de tantas vezes. 

Cura-me Senhor
de não amar sem medida
de olvidar a justiça
de penhorar o socorro
de barganhar o perdão.

Cura-me Senhor
de rezar tão pouco
de tão pouco apostolado
de agradecer tão pouco
de tão pouco louvor e glória. 

Cura-me Senhor,
cura-me todo de mim
para que página em branco
seja inscrito no Livro da Vida
como uma imagem de Deus.

E, livre de tudo que sou,
todo livre de mim, 
seja como alma cativa
não sendo mais eu que viva
mas o Cristo vivendo em mim.

(Arcos de Pilares)

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

POEMAS PARA REZAR (LII)


O MEU CANTO DE HOJE

A minha vida é um só instante, uma hora passageira.
A minha vida é um só dia que me escapa e me foge.
Vós sabeis, ó meu Deus! Para amar-vos na terra,
só tenho o dia de hoje!

 Eu vos amo Jesus! A minha alma suspira por Vós!
Sede por um só dia o meu doce apoio.
Vinde reinar no meu coração, dai-me o vosso sorriso,
somente por hoje!

Que me importa, Senhor, se o futuro é sombrio?
Nada vos posso pedir, ó não, para amanhã!
Conservai-me o coração puro, envolvei-me com a vossa sombra,
somente por hoje.

Se penso em amanhã, temo a minha inconstância.
Sinto nascer em mim a tristeza e o desgosto.
Mas aceito, ó meu Deus, a prova e os sofrimentos
somente por hoje.

Quero vos ver em breve nas margens eternas,
ó meu Divino Pastor! Vossa mão me conduz!
Nas ondas impetuosas, guia em paz a minha barca,
somente por hoje.

Ah! Deixai-me, Senhor, esconder-me na vossa Face!
Lá já não ouvirei o ruído vão do mundo.
Dai-me o vosso amor e conservai-me na vossa graça,
somente por hoje.

Junto do vosso Coração divino, esqueço tudo o que passa.
Já não receio os temores da noite.
Ah! Dai-me, Jesus, um lugar nesse vosso Coração,
somente por hoje.

Pão vivo, Pão do Céu, Divina Eucaristia,
ó Mistério sagrado que o Amor produziu...
vinde habitar no meu coração, Jesus, Hóstia viva,
somente por hoje.

Dignai-vos unir-me a Vós, vinha santa e sagrada,
e a minha frágil semente vai tornar-se planta fértil  
e, assim, poderei oferecer-vos um fruto dourado,
Senhor, desde hoje.

Este fruto de amor, cujas sementes são as almas,
para o madurar só tenho este dia que foge...
Ah! dai-me, Jesus, o ardor de um Apóstolo
somente por hoje.

Ó Virgem Imaculada! Vós sois a doce estrela
que me dais Jesus e me unis a Ele.
Ó Mãe! Deixai-me repousar sob o vosso manto
somente por hoje.

Santo Anjo da Guarda, envolvei-me com as vossas asas.
Iluminai com a vossa luz o caminho que eu sigo.
Vinde guiar os meus passos... socorrei-me pois vos chamo,
somente por hoje.

Senhor, eu quero estar convosco, sem véus, sem nuvens,
Mas ainda estou exilada, longe de Vós, e me desfaleço.
Que a vossa Sagrada Face permaneça de mim escondida,
somente por hoje.

Voarei em breve para cantar os vossos louvores,
quando o dia sem ocaso brilhar sobre a minha alma.
Então eu cantarei com a lira dos Anjos,
O Eterno Hoje!

(Santa Teresinha do Menino Jesus)

terça-feira, 28 de novembro de 2023

POEMAS PARA REZAR (LI)


UM CAMINHO DE PEDRAS

O caminho da vida eterna é acanhado,
cheio de pedras aqui e ali entulhadas:
há duas formas de percorrer este caminho
e são dois os frutos distintos das jornadas

Há uns que percorrem tal caminho estreito
querendo ganhar tempo em longas passadas
perscrutam o horizonte a cada novo passo
e simplesmente desviam das pedras encontradas

Há outros que seguem pela via estreita
menos escravos dos tempos e dos passos
parando e recolhendo as pedras espalhadas,
empilham pedras e abrem mais espaços

Estas pedras são nossas dores mais doídas,
que tanto atropelo causam na caminhada:
é lícito que as deixemos como lastros perdidos
para que não sejam como fardos na jornada

Mas quem delas desfaz sem bem algum
torna-se senhor de obra não consumada
não torna mais limpo o caminho que percorre
nem é guia para quem se junta na jornada

O caminho estreito é cada vez mais longo
e desviar de tanta pedra pode dar trabalhos
e, quem descansou para seguir caminho,
tende a cansar de vez e buscar atalhos

Por isso, que cada um que percorra essa jornada
o faça movido sempre por inteira confiança:
é preciso abrir caminhos através de nossas obras
porque o bom exemplo é nossa melhor herança

Há que se cair para para se obter mais tempo
de parar e juntar tanta pedra desarrumada
e, ao empilhá-las, deixar guias pelo caminho
e tornar mais fácil percorrer a longa estrada

E livres, guias de uns, por outros guiados,
mesmo cheios de sombras e de muitas quedas,
possamos chegar um dia diante a Porta Estreita
com muitas mãos que empilharam pedras...

(Arcos de Pilares)

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

POEMAS PARA REZAR (L)


L'Arbre de Vie

Cet arbre m'est une plante de Salut Éternel,
De Lui je me nourris, de Lui je me repais.

Par ses racines, je m'enracine
et par ses branches, je m'étends.
Sa rosée me réjouit
et son esprit comme un vent délicieux me fertilise.

A son ombre, j'ai dressé ma tente,
et fuyant les grandes chaleurs
j'y trouve un abri plein de rosée.

Ses feuilles sont ma frondaison,
ses fruits mes parfaites délices,
et je jouis librement de ses fruits,
qui l'étaient depuis l'Origine réservés.

Il est dans la faim ma Nourriture,
dans la soif ma Source
et mon Vêtement dans la nudité
car ses feuilles sont l'Esprit de vie…

Quand je redoute Dieu, Il est ma protection
et quand je chancelle mon appui,
quand je combats mon prix
et quand je triomphe mon trophée.

C'est pour moi le Sentier étroit et la Route resserrée ;
c'est l'Échelle de Jacob et le Chemin des Anges
au sommet duquel le Seigneur est vraiment appuyé.

Cet arbre aux dimensions célestes
s'est élevé de la terre aux Cieux, se fixant,
plante éternelle, au milieu du Ciel et de la terre,

Soutien de Toutes choses et appui de l'univers,
support de Toute terre habitée et joint du monde,
tenant assemblée la variété de la nature humaine
et cloué par les chevilles invisibles de l'Esprit,
afin qu'ajusté au Divin, Il n'en soit plus détaché.

Touchant par son faîte le sommet des Cieux,
affermissant la terre par ses pieds
et étreignant de Tous côtés par ses mains immenses
l'esprit nombreux de l'air entre le Ciel et la terre,
il était Tout entier en Tout et partout. Amen !

A ÁRVORE DA VIDA

Esta árvore é para mim uma planta de salvação eterna,
dela me alimento, dela me sacio.

Pelas suas raízes, me enraízo
e, pelos seus ramos, me espalho.
O seu orvalho me refresca
e o seu espírito, como uma brisa suave, me fecunda.

À sua sombra armei a minha tenda,
e, fugindo do calor ardente,
encontro aí um abrigo cheio de frescor.

As suas folhas são minha roupagem,
os frutos dela são puro deleite;
e eu desfruto livremente dos seus frutos,
que me foram reservados desde sempre.

Na fome, ela é o meu sustento,
fonte para saciar a minha sede,
e vestimenta para a minha nudez
porque suas folhas são Espírito da vida...

No meu temor a Deus, ela é proteção
e é refúgio quando ouso vacilar;
quando em combate, é minha espada
e quando triunfo, a minha coroa.

É para mim o Caminho Estreito e a Porta Estreita;
a Escada de Jacó e o Caminho dos Anjos,
em cujo cume repousa verdadeiramente o Senhor.

Esta árvore tem dimensões celestes,
que se estende até o firmamento, 
como planta eterna, entre o Céu e a terra.

Arrimo de todas as coisas e fundação do universo,
berço de toda a terra habitada e de todo o mundo,
que sustenta unida a diversidade da natureza humana
e, acorrentada sob as algemas invisíveis do Espírito,
não pode nunca estar ausente do sopro divino.

Tocando o cume dos céus com os seus galhos  
e abraçando a terra com raízes profundas,
estreita em seus braços todas as coisas
e os espíritos que rondam pelos ares,
porque é a plenitude de tudo e de todos.
Amém. 

(Santo Hipólito de Roma, tradução do autor do blog)

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

POEMAS PARA REZAR (XLIX)


A Morte é Nada

(Santo Agostinho)

A morte não é nada, eu apenas passei para o outro lado.

Eu sou o que sou e você é você.

O que somos, seremos; permanecemos.

Chama-me pelo nome que sempre me chamaste. Fala de mim como sempre falaste.

Não uses um tom diferente. Nem assumas um ar solene e triste.

Continua a rir do que nos fez rir juntos. Rezem, sorriam, pensem em mim.

Que o meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem quaisquer luzes, sem quaisquer sombras.

A vida continua o que sempre foi. O fio não foi cortado.

Então por que deveria estar fora do teu pensamento simplesmente porque agora estou fora de tua presença?

Eu espero por ti um dia; lembra-te, eu não estou longe, estou apenas do outro lado do caminho.

Compreendes isso? Tudo está bem.

Ah! se pudesses compreender o dom de Deus e o que é o Céu! Se pudesses ouvir o cântico dos anjos que agora me cercam aqui! Ah! se pudesses olhar com os teus próprios olhos os horizontes, os campos eternos e os novos caminhos que eu percorro! Se pudesses contemplar, ainda que por um instante, a beleza na qual estou vivendo e perante a qual todas as belezas conhecidas se apagam!

Creias em mim; quando a morte vier romper as tuas correntes como rompeu as que me acorrentavam na terra; quando chegar o dia que Deus fixou e só Ele conhece e tua alma vier ao meu encontro no Céu, então verás também Aquele que te escolheu e que te amará eternamente e, finalmente, terás um coração feito por ti e na medida da plenitude de Deus.

(tradução do autor do blog)

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

POEMAS PARA REZAR (XLVIII)

 

Senhor, livra-me de mim!

Senhor, que és o céu e a terra, e que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo estás (o teu templo) — eis o teu corpo.

Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.

Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faz com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.

...

Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.

Torna-me grande como o sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.

Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim.

(Fernando Pessoa)

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

POEMAS PARA REZAR (XLVII)


FALANDO COM DEUS

Só vos conhece, Amor, quem se conhece,
Só vos entende bem, quem bem se entende,
Só quem se ofende a si, não vos ofende,
E só vos pode amar quem se aborrece.

Só quem se mortifica, em Vós floresce,
Só é senhor de si quem se vos rende,
Só sabe pretender quem vos pretende,
E só sobe por Vós quem por Vós desce.

Quem tudo por Vós perde, tudo ganha,
Pois tudo quanto há, tudo em Vós cabe;
Ditoso quem no vosso amor se inflama,

Pois faz troca tão alta e tão estranha;
Mas só vos pode amar o que vos sabe,
Só vos pode saber o que vos ama.

Jerônimo Baía (1627-1688)

terça-feira, 6 de junho de 2023

POEMAS PARA REZAR (XLVI)


MORTE E RESSURREIÇÃO

Que dor hei de levar por sobre estes meus ombros, que medonha aflição dos meus sentidos?
Minhas mãos não estarão vazias e meu coração silencioso como a noite que se finda?
Que dor hei de levar?
Na imensidão dos meus atalhos inúteis, na busca desenfreada pelas horas forjadas da falta de tempo,
pela sombras onde ousei me descansar da luz,
que nada hei de levar?
Dos risos fáceis ou das manhãs de sol, do vento no rosto, das passadas febris,
caminhos que fiz sem saber onde chegar por tantos caminhos sem fim, 
que passo além hei de levar?
Olhando sobre as cabeças com a luneta do orgulho, encimado na torre da vanglória,
serei vestígio das minhas crenças vazias ou refém das minhas próprias mordaças?
Que serei eu então diante de Vós?

Que ai poderia eu gemer neste momento; que olhos terei para vos contemplar?
Não tenho mais para onde ir e coisa alguma para recomeçar o que não tem mais tempo de ser.
O que serei então?
Nesse livro de poucas páginas e de frases soltas feitas dos sussurros dos sentidos,
que ousaria chamar de minha vida sem autoria alguma, estarei miseravelmente só com meus pecados.
E Vós ainda tereis parte comigo?
Ansiaria por luz quem vislumbrou senão sombras; ansiaria por glória quem vacilou penumbras?
O que restou de mim da argila prima não será senão um barro disforme e sem peso algum, o nada que restou.
O que há de acontecer então?

Sairei do chão como barro arremessado aos ares, flecha galgada por arco retesado a sopesar alturas,
pleno da forma divina que me antecipa a glória do espírito que não retém limites.
Estareis ao meu lado nesta fuga.
Permanecerei espasmo de vida num segundo, e então toda a plenitude da graça como herança,
como fruto da redenção que amadureceu de repente para sempre, para sempre, para sempre...
Terei eu então a dimensão dos santos.
Contemplarei o meu Deus face a face e não terei mais sopro algum da humana sorte,
pois entrarei em prados verdejantes ressuscitado e revivido e, como louvor de todos os louvores,
Vós estareis comigo eternamente.

(Arcos de Pilares)