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segunda-feira, 26 de agosto de 2024

PALAVRAS ETERNAS (XX)


(imagem de Jesus, recriada por IA, a partir do Sudário de Turim)

'A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus' (Jo 6, 68 - 69)


quarta-feira, 31 de julho de 2024

SOBRE OS BENS MATERIAIS

O cristão que possui bens devem utilizá-los com humildade, sem orgulho, como coisa emprestada, não própria. Dou-vos os bens para o uso. Tanto possuis, quanto concedo; tanto conservais, quanto permito; e tanto permito, quanto julgo útil à vossa salvação. Tal há de ser a vossa atitude quanto ao uso dos bens materiais. Assim fazendo, o cristão obedece aos mandamentos - amando-me sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo - e conserva o coração desapegado das riquezas, afetivamente, como nada possuindo. Não se apega aos bens, não os possui em oposição aos meus desígnios.

Possui externamente, ao passo que seu íntimo é pobre. Tais pessoas, como disse, eliminam o veneno do egoísmo. São os cristãos da 'caridade comum'. Os bens materiais são bons em si mesmo; foram criados por mim, bondade infinita. Os homens hão de usá-los como lhes aprouver, mas no temor e no amor autênticos. Os cristãos não devem virar escravos dos prazeres sensíveis. Se querem ter posses, as temham; mas como dominadores delas, não como dominados. O afeto do coração deve estar em mim, não nas coisas externas; elas não pertencem aos homens, são dadas em empréstimo. Não tenho preferência por pessoas ou posição social, somente pelos desejos do coração.

Quem afastar de si o apego desregrado e se orientar para mim na caridade e no santo temor, tal pessoa poderá escolher o estado de vida que quiser. Em qualquer um deles alcançará a vida eterna. Suponhamos que seja mais perfeito e mais agradável a mim que o homem viva interior e exteriormente despojado dos bens materiais. Se uma pessoa não sentir a coragem de abraçar tal perfeição devido a alguma fraqueza pessoal, que permaneça 'na caridade comum' qualquer que seja seu estado de vida. Em minha bondade dispus que assim fosse para que nenhuma pessoa viesse a desculpar-se por pecados cometidos em determinadas situações. Ninguém poderá dar desculpa, Sou condescendente com as tendências e fraquezas humanas. Se as pessoas desejam viver no mundo, possuir bens, ocupar altas posições sociais, casar-se, ter filhos, trabalhar por eles, façam-no. É lícito viver em qualquer posição social; contanto que se evite o veneno da sensualidade, o qual pode conduzir à morte perpétua.

Se prestares atenção verás que quase todos os males procedem do desordenado apego e ganância da riqueza. Disto nasce o orgulho de quem pretende ser maior que os outros, a injustiça para consigo mesmo e o próximo. A riqueza empobrece e destrói a vida da alma, torna o homem cruel consigo mesmo, prejudica sua dignidade espiritual infinita, faz amar as coisas transitórias. Todos têm obrigação de amar-me, bem infinito. Com a riqueza, o homem perde o gosto pela virtude, o amor da pobreza, o domínio sobre si, torna-se escravo dos bens materiais. Ao amar realidades inferiores a si, torna-se insaciável. Só a mim deve o homem servir, pois sou o seu fim último.

Quantos perigos enfrenta o homem, por terra e por mar, a fim de adquirir riqueza e poder voltar à sua cidade natal entre satisfações e honras; já para conseguir a virtude, é incapaz do menor esforço, não aceita dificuldade alguma! E dizer que as virtudes são a riqueza da alma. Diz meu Filho no Evangelho que 'é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que o rico entrar na vida eterna' (Mt 19,24) quando referia-se àqueles que possuem ou desejam possuir riquezas com desordenado e pecaminoso apego a elas. Afirmei também existirem pobres que, se pudessem, possuiriam com desordenado apego o mundo inteiro. Também eles não passarão pela porta estreita e baixa (agulha). Se não se abaixarem até o chão, se não dominarem o próprio apego, se não dobrarem humildemente a cabeça, como poderão atravessá-la? Outra porta não existe que conduza à vida eterna. Pelo contrário, é larga aquela que conduz à eterna condenação (Mt 7,13).

As realidades terrenas são menores que o homem, para ele foram criadas, não vice-versa. Por tal motivo os bens materiais não o satisfazem; somente Eu sou capaz de saciar o homem. Já os infelizes pecadores, como cegos, afadigam-se continuamente, à procura de uma felicidade fora de mim, e sofrem... Querem saber como sofrem? Quando alguém perde algo com que se identificara, seu apego faz sofrer. É o que acontece com os pecadores, identificados por vários modos, com os bens materiais. Eles se materializam. Uns se identificam com a riqueza, outros com a posição social, outros com os filhos; uns se afastam de mim por apego a uma pessoa; outros transformam o próprio corpo em animal imundo e impuro. Todos eles assim se nutrem de bens terrenos. Gostariam que tais realidades fossem duradouras, mas não o são. Passam como o vento. São perdidas por ocasião da morte e de outros acontecimentos dispostos por mim. Diante de tais perdas, os pecadores entram em sofrimento atroz, pois a dor da separação se compara a desordenada afeição à posse.

Todos estes se carregam com a cruz do diabo e experimentam nesta vida a certeza da condenação. Vivem doentes e, se não se corrigirem, vão para a morte eterna. São homens feridos pelos espinhos das contradições a torturarem-se interna e externamente. E, por cima, sem merecimento algum! Sofrem na alma e no corpo, nada merecem; é sem paciência que padecem estes males. Vivem revoltados, apegando-se aos bens materiais com desordenado amor. É preciso encher a alma de virtudes sob o alicerce da caridade.

(Das Revelações de Santa Catarina de Sena)

sábado, 27 de julho de 2024

AMOR DE SALVAÇÃO


'E do alto lançaste a mão e desta profunda escuridão arrancaste a minha alma, chorando por mim minha mãe, Tua fiel, diante de Ti, mais do que choram as mães nas exéquias do corpo. Ela via a minha morte na fé e no espírito que recebera de Ti, e Tu ouviste-a, Senhor, ouviste-a e não desprezaste as suas lágrimas, quando irrigavam profusamente a terra debaixo dos seus olhos em todo o lugar da sua oração: ouviste-a.

Pois donde veio aquele sonho com que a consolaste, para que acedesse a viver comigo e a ter comigo a mesma mesa em casa? O que começara por não querer, repudiando e detestando as blasfêmias do meu erro. Viu, com efeito, de pé, numa espécie de régua de madeira, um jovem que vinha em direção a ela, resplandecente, alegre e sorrindo-lhe, estando ela acabrunhada e consumida pela tristeza e das suas lágrimas diárias, para informar, como é costume, não para saber, e como ela respondesse que chorava a minha perdição, ele ordenou e advertiu, para que ficasse tranquila, que reparasse e visse que, onde ela estava, estava também eu. 

Quando ela reparou, viu-me ao seu lado de pé na mesma régua. Porquê isto, senão porque os Teus ouvidos estavam junto do seu coração, ó Tu, bom e onipotente, que cuidas de cada um de nós como se cuidasses de um só, e de todos como de cada um?'

(Confissões, de Santo Agostinho)

sábado, 18 de março de 2023

SOBRE UMA ROSEIRA E OS SEUS ESPINHOS

'Um dia do ano de 1847, depois de ter meditado sobre o caminho para fazer o bem aos jovens, a Rainha do Céu apareceu-me e levou-me a um jardim encantador. Havia uma longa portada ladeada e envolvida por rosas. Trepadeiras carregadas de folhas e flores envolviam e adornavam as colunas, subindo e cruzando-se para formar um dossel gracioso.

Após a entrada, podia-se ver um belo caminho sobre o qual, até onde a vista alcançava, estendia-se um delicioso jardim suspenso, cercado e coberto de maravilhosas roseiras em plena floração. O chão inteiro estava coberto de rosas. A bem-aventurada Virgem Maria me disse: 'Tire os sapatos'. E quando eu os tirei, ele acrescentou: 'Caminhe sob o jardim suspenso: é o caminho que você deve seguir'.

Eu gostei de ter que tirar os sapatos para não ter que pisar naquelas lindas rosas. Comecei a andar e imediatamente notei que as rosas escondiam espinhos muito afiados que faziam meus pés sangrarem. Então eu tive que parar depois de alguns passos e voltar. 'Sapatos são necessários aqui' – disse à minha guia –  'Certamente' – respondeu ela – 'bons sapatos são necessários'. Calcei os sapatos e voltei a caminhar, agora junto com outros companheiros que apareceram naquele momento, pedindo para caminhar comigo.

Eles me seguiram sob o jardim suspenso, que era incrivelmente bonito. Mas, à medida que avançávamos, a passagem tornava-se mais estreita e baixa. Muitos ramos dependurados pareciam como pontas afiadas; outros avançavam perpendicularmente à passagem. Ramos saíam dos troncos das roseiras, avançando em todas as direções, formando uma densa vegetação que envolvia por completo a estreita passagem. 

Tudo estava coberto de rosas e eu não via nada além de rosas por toda parte: rosas em cima, rosas nas laterais, rosas sob meus pés. Continuei avançando, embora sentisse cada vez mais os efeitos de tantos espinhos escondidos sob as rosas. Meus pés ficaram enredados nos ramos espalhados pelo chão e se encheram de arranhões. Uma ramagem transversal bloqueou o meu caminho e tive que me abaixar para contorná-la, machucando as minhas mãos e todo o meu corpo. Todas as rosas escondiam uma quantidade enorme de espinhos. Apesar de tudo, encorajado por Nossa Senhora, continuei o meu caminho embora muitos espinhos me machucassem terrivelmente.

Aqueles que me acompanhavam e eram muitos, ao me ver passando por aquele jardim suspenso, diziam: 'Dom Bosco caminha sobre rosas! Tudo está indo bem!' Eles não percebiam como os espinhos feriam o meu pobre corpo. Muitos seminaristas, sacerdotes, leigos, por mim convidados, dedicaram-se a seguir-me com alegria, pela beleza das flores; mas quando perceberam que tinham que andar sobre os espinhos e que estes o machucavam por toda parte, começaram a gritar: 'Fomos enganados!' E eu lhes respondi: 'Quem quiser caminhar suavemente sobre estas rosas, sem sofrer mal algum, que volte e que outros me sigam!'.

Muitos voltaram atrás. Depois de caminhar uma boa distância, virei-me para dar uma olhada nos meus companheiros. Que pena senti por perceber que muitos deles já não estavam comigo e que outros tantos tinham desistido da jornada. Voltei para chamá-los, mas foi inútil; sequer me ouviram. Então comecei a chorar: é possível que eu tenha que trilhar este caminho sozinho? Mas logo encontrei conforto. Vi um grande número de sacerdotes, clérigos e leigos vindo ao meu encontro, e que me diziam: 'Somos teus companheiros, estamos prontos para seguir contigo". Colocando-me à frente daquele grupo, retomei o caminho. Mais alguns desanimaram e pararam, mas a grande maioria segui em frente comigo.

Depois de passar pela roseira espinhosa, deparei-me com um jardim belíssimo. Os que vieram comigo estavam cansados, pálidos e muito feridos. Então uma leve brisa se levantou e, ao seu sopro, todos ficaram curados. Outro vento soprou e, como num passe de mágica, me vi cercado por um imenso número de jovens e clérigos, leigos, curas e também padres que começaram a trabalhar comigo orientando aqueles jovens. Reconheci vários pela fisionomia, mas não todos.

Enquanto isso, tendo alcançado um lugar mais elevado no jardim, encontrei-me diante de um edifício monumental, impressionante pela magnificência de sua arte. Atravessei a soleira e entrei em uma sala muito espaçosa cuja riqueza não poderia ser igualada por nenhum palácio deste mundo. Tudo estava coberto e enfeitado por rosas muito frescas e sem espinhos que exalavam um aroma muito suave. Então a Santíssima Virgem, que havia sido minha guia, perguntou-me: 'Você sabe o que significa o que você vê agora e o que você passou antes?' - 'Não' - respondi - 'imploro que me explique'.

Então ela me disse: 'Você deve saber que o caminho que você percorreu, entre rosas e espinhos, significa o trabalho que você deve realizar em favor dos jovens. Você terá que percorrer um caminho de mortificação. Os espinhos no chão significam os afetos sensíveis e as simpatias humanas que buscam desviar o educador do seu verdadeiro propósito, e o ferem e o detêm em sua missão, impedindo-o de caminhar e obter coroas para a vida eterna.

As rosas são os símbolos de caridade ardente que devem ser a sua marca e a de todos os seus colaboradores. Os outros espinhos significam as dificuldades, os sofrimentos e as tribulações que o aguardam na sua caminhada. Mas não desanime. Com caridade e mortificação, tudo superareis e alcançareis finalmente a sua meta - as rosas sem espinhos. Assim que a Mãe de Deus acabou de falar, acordei e me encontrei em meu quarto.

Este sonho de Dom Bosco repetiu-se também nos anos de 1848 e 1856. Depois de o ter contado, o santo acrescentou: 'Os que desanimaram ao sentir os espinhos foram os meus primeiros colaboradores. Os que me seguiram são os salesianos e os que colaboram com as nossas obras educativas, para os quais os esperam grandes recompensas e ajudas do Céu' Coragem meus amigos: espinhos de sofrimento nos esperam, mas também as rosas das recompensas eternas'.

(Dos Sonhos de Dom Bosco)

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

SOBRE CASTANHAS E VOCAÇÕES RELIGIOSAS

'Sonhei que estava colhendo castanhas no campo. Quando já tinha uma cesta bastante cheia dessas frutas, uma mulher me apareceu de repente e disse: 'Você sabe quantas frutas tem nessa cesta?' – 'Não sei, quantos serão?' – 'São mais de quinhentas'.

'E o que significa esse número?' – 'Que as religiosas de Maria Auxiliadora [congregação religiosa fundada por Dom Bosco] terão mais de 500 casas no mundo'. Então ouvi a voz de homens furiosos gritando como bêbados e tentando nos atacar (talvez fossem aqueles que se opõem à vocação de quem quer servir a vocação religiosa).

Então a mulher me disse: 'Olha, tem algumas frutas que parecem bonitas e saudáveis ​​por fora, mas por dentro estão estragadas e cheias de vermes' – 'E o que devemos fazer com elas?' – 'Separe-as das demais porque podem estragar as que são saudáveis. E assim deve ser feito com aquelas que aspiram uma vida religiosa. Se forem muito orgulhosas ou tiverem outros vícios, devem ser removidas das demais'.

'E como saber quais são os frutos (ou vocações) que são vermes e podres por dentro se por fora apresentam aparências tão boas e enganadoras?' – 'Aplique submissões severas. Exija estritamente que as aspirantes à vida religiosa cumpram exatamente com os regulamentos da comunidade [prova de obediência, a base e sustentação de qualquer vocação religiosa realmente santa]. Esta é uma avaliação que dificilmente se equivoca quem tem um bom espírito de observação'.

E a mulher acrescentou: 'Existem certas frutas que são sabidamente estragadas porque, quando você as coloca na água, elas flutuam imediatamente. Assim, algumas vocações são estragadas por princípio: sabe-se que são falsas porque não querem estar submetidas a outros, mas querem se destacar de alguma forma. Essas têm que ser afastadas de pronto. Você terá que ter discernimento porque algumas agem de forma dúbia e parecem o oposto do que realmente são'.

Dom Bosco comunicou este sonho a todas as religiosas que buscaram ingressar como postulantes na Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora.

(Dos Sonhos de Dom Bosco)

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

AS FLORES E O GATO GIGANTE

'Sonhei que estava no pátio cercado por meus alunos e que cada um deles tinha uma flor na mão. Alguns tinham uma rosa, outros um lírio; alguns tinham uma violeta e muitos, uma rosa e um lírio juntos. De repente, apareceu um enorme gato com chifres, do tamanho de um cachorro, com os olhos acesos como uma chama, com unhas grandes e grossas, e sua barriga era anormalmente deformada.

O gato gigante aproximou-se traiçoeiramente dos jovens e, circulando em volta deles, foi um a um, agarrando a flor que cada um segurava e as jogava ao chão. Diante de tal aberração, senti um grande medo e me chamou muito a atenção de que os jovens, cujas flores eram roubadas, permaneciam indiferentes e sem reação.

Quando percebi que o grande felino estava vindo em minha direção, para também roubar as minhas flores, quis fugir, mas uma voz me disse: 'Não fuja. Diga aos meninos para levantarem as mãos e os braços para que o gato gigante não possa pegar as suas flores'. Parei e levantei o braço. O grande felino fez um esforço imenso para pegar as flores que eu tinha na mão, mas, como era demasiado pesado e empanturrado, caiu desajeitadamente no chão.

E me foi dito que o lírio ou a flor que carregamos nas mãos é a santa virtude da pureza ou castidade, contra a qual o diabo continuamente faz guerra. Quem levanta a mão e se defende é quem reza, confessa, assiste à missa e comunga. E quem não levanta a mão e deixa roubar as suas flores são os que comem e bebem com avidez e passam o tempo sem fazer nada, sem se dedicar seriamente ao estudo e ao trabalho que têm a fazer. São aqueles que se envolvem em conversas ruins ou leem maus livros ou revistas impuras; aqueles que não fazem mortificações ou sacrifícios, e não evitam ocasiões de pecado; estes ficam sem levantar a mão e são roubados pelo diabo.

Jesus disse: 'Certos espíritos malignos não vão embora a não ser com oração e sacrifício'. Recomendo a todos que levantem o braço em oração devotamente todas as manhãs e todas as noites; confessando-se com frequência e comungando com fervor, fazendo uma visita diária a Nosso Senhor Sacramentado no Templo, rezando o Santo Rosário e dedicando-se cuidadosamente ao estudo e a fazer o que cada um deve fazer. Isso fará com que a santa virtude da castidade e pureza seja preservada, não importa quantos ataques o diabo possa empreender contra ela.

(Dos Sonhos de Dom Bosco)

segunda-feira, 6 de junho de 2022

A TRANSVERBERAÇÃO DE SANTA VERÔNICA GIULIANI

Santa Verônica Giuliani talvez tenha sido, depois de Nossa Senhora, o ser humano que compartilhou com maior rigor e realismo a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo no Calvário. Suas experiências sobrenaturais neste contexto foram tremendas e quase impossíveis de descrever em seus domínios, tarefa que se reveste realmente impossível na compreensão humana de seus flagelos, dores e sofrimentos interiores e exteriores. Ela experimentou por completo a coroação de espinhos, o peso da cruz, a flagelação, a crucificação, a sua própria morte e a de Nosso Senhor Jesus Cristo. Os seus jejuns, penitências e sofrimentos foram quase sobre-humanos.

Dentre este conjunto tremendo de interações praticamente cotidianas com o Céu, a experiência da transverberação foi de todo impressionante, muito além da descrição da experiência em si e das enormes consequências e efeitos do fenômeno sobrenatural, os quais foram detalhadamente expostos nas quase 22.000 páginas dos seus diários. Isto porque a transverberação de Santa Verônica Giuliani pôde ser contemplada, analisada e confirmada por vestígios e sinais físicos extraordinariamente visíveis.

Com efeito, a Irmã Florinda Cevoli da sua congregação esboçou uma imagem de um coração, sob a orientação da santa italiana e por determinação do confessor da mesma, contendo o arranjo geral das diferentes marcas e sinais que eram impressos sucessivamente no coração físico de Verônica, que era então informada por Jesus sobre cada nova impressão. 


O esboço final contempla um total de 25 marcas ou sinais, constituídos por 16 figuras e 9 letras, de acordo com o seguinte padrão: 

- uma cruz central contendo quatro letras: a letra C - Carità (Caridade) no topo, a letra F - Fede e Fedeltà (Fé e Fidelidade) ao centro, a letra U - Umiltà (humildade) na extremidade direita e a letra O - Obbedienza (Obediência) na esquerda

- um estandarte interceptando obliquamente a cruz e símbolo da vitória de Cristo, comportando uma bandeira branca inferior incorporando a letra m - Maria e uma bandeira acima, como uma projeção direta e superior à primeira, contendo a letra I - Iesus (Jesus)

- figuras à direita da cruz: uma chama de amor a Deus; duas chagas entrelaçadas; uma túnica; um cálice; a coluna de flagelação; um chicote e três cravos;

- figuras à esquerda da cruz: uma coroa de espinhos; uma chama de amor ao próximo; um martelo, uma lança; uma vara com uma esponja; um alicate (para remoção dos cravos)

- em ambos os lados da base da cruz, duas letras P: à esquerda P - Patire (Sofrer, Padecer) e, à direita P - Pazienza (Paciência)

- sob a cruz: sete espadas alinhadas segundo um padrão radial e convergente nas pontas, simbolizando as sete dores de Nossa senhora;

- na extremidade inferior do coração, abaixo do ponto de convergência das sete espadas, a letra V - Volontà di Dio (Vontade de Deus).

No dia seguinte à morte de Santa Verônica Giuliani, por ordem do bispo local, foi realizada uma autópsia parcial no corpo da santa pelos médicos Francesco Gentili e Gian Francesco Bordigia, com a presença de diferentes testemunhas e que envolveu a abertura da caixa torácica e a remoção do coração. Não foram encontradas evidências de derrame ou de inflamação na cavidade torácica. Nas partes expostas do coração, foram encontrados formações e contornos perfeitamente visíveis da parte da cruz com a letra C, da coroa de espinhos, das duas chamas, das sete espadas dispostas em arranjo radial , das letras V e P, da lança, da vara com a esponja e do estandarte com as bandeiras com as letras I e M e ainda de um cravo com ponta afiada. Nesta altura, a veracidade dos sinais foi considerada plenamente ratificada e a autópsia foi dada por concluída, sem a necessidade de reconhecimento físico das prováveis outras incisões mencionadas pela santa. 

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

POR QUE OS PECADORES SOFREM...


Expliquei antes que é a vontade que faz o homem sofrer. Meus servidores não sofrem porque se despojaram da vontade própria e se revestiram da minha. Eles vivem contentes, sentem a minha presença em suas almas. Mesmo que possuíssem o mundo inteiro, não seriam felizes se eu estivesse ausente. As realidades terrenas são menores que o homem, para ele foram criadas, e não vice-versa. Por tal motivo os bens materiais não satisfazem; somente eu sou capaz de saciar o homem. Já os infelizes pecadores, como cegos, afadigam-se continuamente, à procura de uma felicidade fora de mim. E sofrem.

Queres saber como sofrem? Quando alguém perde algo, com o que se identificara, seu apego faz sofrer. É o que acontece com os pecadores, identificados por vários modos com os bens materiais. Eles se materializam. Uns identificam-se com a riqueza, outros com a posição social, outros com os filhos; uns se afastam de mim por apego a uma pessoa; outros transformam o próprio corpo em animal imundo e impuro. Todos eles assim se nutrem de bens terrenos. Gostariam que tais realidades fossem duradouras, mas não o são. São perdidas por ocasião de mortes ou de outros acontecimentos por mim dispostos. Diante de tal perda, os pecadores entram em sofrimento atroz, pois a dor da separação se compara à desordenada afeição a posse.

Se os pecadores usassem os bens materiais enquanto emprestados, sem nenhum sofrimento os perderiam. Angustiam-se, por não mais ter o que amavam. O mundo não dá a felicidade total; não se sentindo inteiramente saciados, os pecadores sofrem. Quanta ilusão produz, por exemplo, o remorso; como se martiriza quem deseja vingar-se! O homem desejoso de vingança se corrói e morre antes mesmo de matar o inimigo. O primeiro morto é ele mesmo. Mata-se com o punhal do ódio. Quantos padecimentos no ganancioso, que multiplica ao extremo suas necessidades. E o invejoso, a morder-se no próprio coração; jamais se alegra com a felicidade alheia, angustia-se por falsos temores em tudo quanto se apega. Todos estes carregam-se com a cruz do diabo e experimentam nesta vida a certeza da condenação. Vivem diversamente doentes e, se não se corrigirem, vão depois para a morte eterna.

São homens feridos pelos espinhos das contradições, a torturarem-se interna e externamente. E por cima, sem merecimento algum! Sofrem na alma e no corpo, nada merecem; é sem paciência que padecem esses males. Vivem revoltados, apegando-se aos bens materiais com desordenado amor. Não possuem a graça e a caridade, são árvores mortas que produzem frutos mortíferos. Vão se afogando na dor pelo rio do pecado; cheios de ódio entram pela porta do diabo; atingem as águas mortas e chegam à condenação!

(O Diálogo – Santa Catarina de Sena)

sábado, 3 de julho de 2021

SOBRE A AÇÃO DIABÓLICA NO MUNDO


Trechos adaptados de uma entrevista dada pelo Padre Gabriele Amorth (1925 - 2016), a um jornal italiano em junho de 2001, por ocasião da conclusão da versão italiana do chamado 'Novo Manual do Exorcismo da Igreja Católica'. Trechos de uma outra entrevista concedida por este sacerdote também foram publicados neste blog (aqui).

Por que a crítica sobre o Novo Ritual de Exorcismo aprovado pela Igreja?

O Ritual do Exorcismo teria que ser revisado, não reescrito. Nele, havia orações que foram usadas por doze séculos. Antes de eliminar essas frases antigas, que têm sido muito eficazes, era preciso pensar bem. Mas não! Todos os exorcistas que usaram as orações do Novo Ritual atestam que elas são absolutamente ineficazes. Mas também o rito do batismo infantil foi arruinado. Foi renovado de tal forma que o exorcismo contra Satanás quase foi eliminado. O batismo sempre teve uma importância enorme para a Igreja, a ponto de ser chamado de exorcismo menor. Paulo VI protestou publicamente contra este novo rito.

Encontramos esta mesma degeneração do rito, na nova bênção. Li cuidadosamente as 1200 páginas dele. Bem, toda e qualquer referência ao fato de que o Senhor nos protege contra Satanás e que os anjos nos protegem dos ataques do diabo foram sistematicamente removidos. Todas as orações pela bênção de casas e escolas foram eliminadas. Tudo deve ser abençoado e protegido, mas hoje não há mais proteção contra o diabo. Não há mais defesa, não há orações contra ele. O próprio Jesus nos ensinou uma oração de libertação no Pai Nosso: 'Livrai-nos do Maligno. Livrai-nos da pessoa de Satanás'. Esta oração foi mal traduzida, e hoje as pessoas oram, dizendo: 'Livrai-nos do mal'. Fala-se de um mal geral, cuja origem, basicamente, não é conhecida.

Dou-lhe apenas dois exemplos, ambos incríveis. O ponto 15 fala sobre a maldição, que é um mal causado a uma pessoa que recorre ao diabo. Isso pode ser feito de várias maneiras, como feitiços, maldições, mau-olhado, vodu, macumba. O antigo Ritual Romano explicava como lidar com isso. O novo Ritual, por outro lado, declara, categoricamente, que é totalmente proibido realizar exorcismos nestes casos. Absurdo. Os feitiços são, de longe, a causa mais frequente de possessões e males causados ​​pelo diabo, pelo menos 90% das vezes. É como dizer aos exorcistas para pararem de fazer exorcismos. 

O ponto 16 declara solenemente que os exorcismos não devem ser realizados se não houver certeza da presença do diabo. Esta é uma obra-prima da incompetência: a certeza de que o diabo está presente na pessoa só se consegue com o exorcismo. Ambos os pontos contradizem o Catecismo da Igreja Católica, que expressa claramente que é necessário o exorcismo tanto no caso das possessões diabólicas como no caso dos males oriundos da ação do demônio. O manual também explicita que o exorcismo deve ser praticado tanto sobre as pessoas quanto sobre as coisas. E o diabo nunca está presente nas coisas, mas apenas a sua influência. As declarações contidas no novo Ritual são muito sérias e muito prejudiciais.

Mas não foram os peritos que o prepararam? 

De jeito nenhum! Nestes dez anos, duas comissões trabalharam no Ritual: uma formada por cardeais, que tratou das disposições iniciais e outra, que tratou das orações. Posso afirmar, com certeza, que nenhum dos membros das duas comissões jamais fez exorcismo, nem esteve presente em exorcismos, nem têm a menor ideia do que seja exorcismo. Este é o erro, o pecado original, deste Ritual. Nenhum dos que colaboraram nele é especialista em exorcismos.

Mas como isso foi possível?

Não me pergunte. Durante o Concílio Ecumênico Vaticano II, em todas as comissões havia um grupo de especialistas que ajudaram os bispos. Este costume foi mantido após o Concílio, cada vez que partes do Ritual foram modificadas. Mas não foi assim neste caso. E se havia um assunto em que especialistas eram necessários, era esse... os exorcistas nunca foram consultados. E, além disso, as comissões têm recebido as sugestões que fizemos com desdém. Essa coisa toda é perversa... quando passamos a examinar a parte prática, que exige um conhecimento específico do assunto, percebemos a total inexperiência dos editores. Fizemos numerosas observações, artigo por artigo, e as transmitimos a todas as partes interessadas: Congregação para o Culto Divino, Congregação para a Doutrina da Fé e as conferências episcopais. Uma cópia foi entregue diretamente ao Papa.

Os bispos são os responsáveis por credenciar os sacerdotes exorcistas?

Sim. Quando um sacerdote é nomeado bispo, ele se depara com um artigo do Código de Direito Canônico que o autoriza plenamente a nomear exorcistas. O mínimo que se pode pedir a um bispo é que ele tenha participado de pelo menos um exorcismo, já que deve tomar uma decisão tão importante. Infelizmente, isso quase nunca acontece. Mas se um bispo recebe um pedido sério de exorcismo - isto é, não feito por um louco - e não age de acordo, ele está cometendo um pecado mortal. Você será responsável por todo o terrível sofrimento daquela pessoa, às vezes durando anos ou toda a vida, quando você poderia ter evitado.

Os bispos e sacerdotes que não creem no demônio já não são católicos?

Digamos que eles não acreditam em uma verdade evangélica. Então eles provavelmente seriam acusados de heresia.  Mas sejamos claros: alguém é formalmente herege, se for acusado de cometer um erro e persistir nele. Mas, devido à situação que existe hoje na Igreja, ninguém, nunca, acusaria nenhum bispo por não acreditar no diabo ou nas possessões demoníacas, ou de não nomear exorcistas porque não acreditam nessas coisas. Eu poderia mencionar um grande número de bispos e cardeais que, assim que foram nomeados para uma diocese, a primeira coisa que fizeram foi privar todos os exorcistas do poder de exercer a profissão. Ou bispos que afirmam abertamente: 'Não acredito nisso. São coisas do passado'... 

... O Concílio Vaticano II havia pedido que alguns textos fossem revisados. Essa ordem foi desobedecida, pois havia o desejo de refazê-los completamente, sem pensar que eles poderiam piorar as coisas ao invés de melhorar. Muitos ritos foram agravados por aquela mania de querer se livrar de tudo o que aconteceu, para fazer de novo, como se a Igreja, até hoje, a única coisa que fez foi nos enganar e mentir, e como se apenas até agora, tivesse grandes gênios, super teólogos, super estudiosos da bíblia, super liturgistas, que sabem dar à Igreja o que é bom. Isso é uma mentira: o último Concílio simplesmente pediu que os textos fossem revisados, não destruídos.

Na sua opinião, qual é o maior feito de Satanás?

Fazer acreditar que não existe. E quase isso foi alcançado. Mesmo dentro da Igreja. Temos um clero e um episcopado que deixou de acreditar no diabo, nos exorcismos, nos males extraordinários que o diabo pode causar e nem mesmo no poder que Jesus nos deu para expulsar demônios. Por três séculos, a Igreja latina - ao contrário da ortodoxa e de várias denominações protestantes - abandonou quase completamente o ministério do exorcismo. Por não praticar exorcismos, por não estudá-los e por nunca os ter visto, o clero não acredita mais neles. Mas ele nem mesmo acredita no diabo. Temos episcopados inteiros que são hostis aos exorcismos. Existem países em que não existe sequer um exorcista, como Alemanha, Suíça, Espanha e Portugal. Uma falta terrível.

O satanismo está sendo cada vez mais difundido pelo mundo?

Sim, enormemente. Quando a fé diminui, a superstição aumenta. Na linguagem bíblica, posso dizer que as pessoas estão abandonando Deus e se rendendo ao ocultismo. O terrível desaparecimento da fé em toda a Europa católica, coloca as pessoas nas mãos de feiticeiros e adivinhos, e assim prosperam as seitas satânicas. Uma forte propaganda é feita do culto ao diabo, para as massas, através do rock satânico e de personagens como Manson. Crianças também estão sendo atacadas: há revistas e gibis que ensinam bruxaria e satanismo.

As sessões espíritas, nas quais os mortos são evocados para obter respostas, são comuns. Agora se ensina a realizar sessões espíritas por meio de computadores, telefones, televisores e gravadores de vídeo, mas, acima de tudo, com escrita automática. Já não é necessário nem médium: é um espiritismo que cada um pode fazer por si. De acordo com pesquisas, 37% dos alunos jogaram jogos de cartas em uma verdadeira sessão espírita. Em uma escola onde fui convidado a falar, os meninos me disseram que jogaram este jogo durante a aula de religião, diante dos olhos satisfeitos do professor.

E isso expõe as pessoas à ação demoníaca? 

Não há diferença entre magia branca e magia negra. Quando a magia funciona, é sempre obra do diabo. Todas as formas de ocultismo, como esta fuga para as religiões do Oriente, com suas sugestões esotéricas, são portas abertas para o demônio. E o diabo entra. Imediatamente.

O que faz o demônio para seduzir o homem?

A sua estratégia é sempre a mesma. Já contei isso a ele que o reconheceu. Faz-nos acreditar que o inferno não existe, que o pecado não existe e que é apenas mais uma experiência a ser vivida. Luxúria, sucesso e poder são as três grandes paixões nas quais Satanás confia.

Como alguém torna-se uma vítima do demônio?

Alguém pode ser objeto de ataques do demônio, em quatro casos. Pode ser uma bênção para a pessoa (como no caso de muitos santos), pode ser por uma persistência irreversível no pecado, pode ser por uma maldição que alguém faz invocando o nome do diabo ou pode ser pela prática do ocultismo.

Você tem medo do demônio?

Ter medo desse animal? É ele quem deve ter medo de mim: eu ajo em nome do Senhor do mundo, enquanto ele é apenas o macaco de Deus.

A ação do demônio visa triunfar sobre a alta hierarquia da Igreja?

É uma estratégia vitoriosa, que ele tenta sempre colocar em prática. Principalmente quando as defesas do oponente são fracas. Satanás também tenta. Mas, graças a Deus, é o Espírito Santo que dirige a Igreja: 'As portas do inferno não prevalecerão'. Apesar das deserções, e apesar das traições, não devem causar espanto. O primeiro traidor foi um dos apóstolos mais próximos de Jesus: Judas Iscariotes. Mas, apesar disso, a Igreja continua o seu caminho. O Espírito Santo está presente e, portanto, os ataques de Satanás só podem ser parcialmente bem sucedidos. Naturalmente, o demônio pode vencer batalhas, até mesmo batalhas importantes, mas ele nunca vai ganhar a guerra.

quarta-feira, 9 de junho de 2021

O MILAGRE DE JERUSALÉM


No dia 7 de maio de 351, um evento extraordinário ocorreu na cidade de Jerusalém: uma cruz luminosa apareceu no céu, sobre o Monte Calvário, à vista de todos. O então bispo de Jerusalém, São Cirilo, assim descreveu o portentoso milagre em carta enviada ao Imperador Constâncio [Constâncio II, governador do Império Romano do Oriente, entre 337 e 361]:

'No dia de Pentecostes (7 de maio), por volta das nove horas da manhã, apareceu no céu uma cruz luminosa que se estendia do Monte Calvário ao Monte Olivete (cerca de quatro quilômetros). Não foi visto apenas por uma ou duas pessoas, mas por toda a cidade. Não era, como se poderia acreditar, um daqueles fenômenos fugazes que se dissipam instantaneamente, mas brilhava por muitas horas diante dos espectadores e com tal brilho que os raios do sol não podiam diminuí-lo; isto é, brilhava mais que o sol, pois sua luz não o dissipava.

Todos os habitantes de Jerusalém, permeados por um santo temor e alegria espiritual, correram em massa para a igreja. Jovens e velhos, homens e mulheres, e até as virgens longe do mundo, cidadãos e estrangeiros, cristãos e infiéis, porque aqui há pessoas de todas as nações e crenças, a uma só voz publicaram os louvores a Nosso Senhor Jesus Cristo, o único Filho de Deus, verdadeiro autor de milagres; e reconheceram que a fé dos cristãos não se baseia em discursos persuasivos da sabedoria humana, mas em evidências claras da intervenção divina; e confessaram que não são apenas os homens que propagam essa fé, mas também o testemunho de Deus que a confirma com tais milagres.

Nós, que vivemos em Jerusalém e vimos o milagre com os nossos próprios olhos, dirigimos a Deus, Soberano Senhor do universo, as nossas homenagens de adoração e agradecimento, e continuaremos a prestar homenagem ao seu Filho Unigênito, ao mesmo tempo a partir destes lugares santos nós dirigimos nossos votos a você e os dirigiremos sempre, para a prosperidade de seu reinado feliz. Acreditamos que não nos era lícito guardar silêncio sobre um milagre tão óbvio; por isso, desde o dia em que se manifestou, resolvemos comunicar a maravilhosa notícia a um príncipe de tão excelente piedade para que, alicerçado na sólida fundação da sua fé, a notícia deste divino prodígio confirme e lhe dê maior confiança em Nosso Senhor Jesus Cristo'.

(Excertos da obra 'Apología del Gran Monarca', do Pe. José Domingo Corbató, 1904)

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

VISÃO DO INFERNO SEGUNDO SANTA TERESA DE ÁVILA

1. Havia muito tempo que o Senhor me fazia muitas graças já referidas e outras ainda maiores, quando um dia, estando em oração, achei-me subitamente, ao que me parecia, metida corpo e alma no inferno. Entendi que o Senhor queria fazer-me ver o lugar que os demônios aí me haviam preparado, e eu merecera por meus pecados. Durou brevíssimo tempo. Contudo ainda que vivesse muitos anos, acho impossível esquecê-lo. A entrada pareceu-me um túnel longo e estreito, semelhante a um forno muito baixo, escuro e apertado. O chão tinha aparência de uma água, ou antes, de um lodo sujíssimo e de odor pestilencial, cheio de répteis venenosos. No fundo havia uma concavidade aberta numa parede, como um armário, onde me vi, encerrada de maneira muito apertada.

2. O tormento interior é tal, que não há palavras para o definir, nem se entende como é realmente. Na alma senti tal fogo, que não tenho capacidade para o descrever. No corpo eram incomparáveis as dores. Tenho passado nesta vida dores gravíssimas. No dizer dos médicos são as maiores que se podem suportar, como, por exemplo, quando se encolheram todos os meus nervos, e fiquei tolhida. Já não falo de outras muitas dores de diversos gêneros e até algumas causadas pelo demônio. Posso afirmar que tudo foi nada em comparação do que ali experimentei. 

O pior era saber que seria sem fim, sem jamais cessar. Sim, repito, tudo mais pode chamar-se nada em relação ao agonizar da alma: é um aperto, um afogamento, uma aflição tão intensa, e acompanhada de uma tristeza tão desesperada e pungente, que não sei como posso explicar semelhante estado! Compará-lo à sensação de que vos estão sempre a arrancar a alma, é pouco. Em tal caso, seria como se alguém nos acabasse com a vida. Aqui é a própria alma que se despedaça. O fato é que não sei como descrever aquele fogo interior e aquele desespero que se sobrepõem a tão grandes tormentos. Eu não via quem os provocava, mas sentia-me queimar e retalhar. Piores, repito, são aquele fogo e aquele desespero que me consumiam interiormente.

3. Em lugar tão pestilencial, sem esperar consolo, é impossível sentar-se, ou deitar-se, nem há espaço para tal. Puseram-me numa espécie de fenda cavada na muralha. As próprias paredes, espantosas à vista, oprimem, e tudo ali sufoca. Por toda parte trevas escuríssimas. Não há luz. Não entendo como, sem claridade, se enxerga tudo, causando dor nos olhos. Nesta ocasião o Senhor não quis que eu visse mais de tudo aquilo que há no inferno. Em outra visão, vi coisas horripilantes acerca do castigo de alguns vícios. Pareceram muito mais horrorosas à vista. Como não sentia a pena, não me causaram tanto temor como na primeira visão, na qual o Senhor quis que eu verdadeiramente sentisse aquelas torturas e aquela aflição de espírito como se o corpo as estivesse padecendo. Como foi isso, não sei, mas bem entendi ser grande graça do Senhor querer que eu visse, com meus olhos, de onde sua misericórdia me havia livrado. Verdadeiramente é nada ouvir discorrer, ou ainda meditar, sobre a diversidade dos tormentos, como eu de outras vezes havia feito, embora raramente. A feição de minha alma não é ser levada pelo temor. Lia que os demônios atenazam as almas e lhes infligem outros suplícios. Tudo é nada a respeito da verdadeira pena, que é muito diferente. Numa palavra, é tão diferente quanto o esboço o é da realidade. Queimar-se aqui na terra é sofrimento muito leve em comparação com aquele fogo de lá.

4. Fiquei tão aterrorizada, e ainda agora o estou enquanto escrevo, apesar de terem decorrido quase seis anos. De tanto temor, tenho a impressão de ficar gelada. Desde então, ao que me recordo, cada vez que tenho sofrimentos ou dores, tudo o que se pode passar na terra, me parece nada. Penso que em parte nos queixamos sem motivo. Foi esta, repito, uma das maiores graças que o Senhor me fez. Valeu-me imensamente, quer para perder o medo quanto às tribulações e contradições desta vida, quer para me esforçar em padecê-las e a dar graças ao Senhor, por me ter livrado, ao que agora me parece, de males tão perpétuos e terríveis.

(Santa Teresa de Ávila)

quinta-feira, 28 de maio de 2020

A VIRTUDE ESTÁ NO AMOR AO PRÓXIMO

'Todos os pecados são cometidos através do próximo, no sentido de que eles são a ausência da caridade, que é a forma de todas as virtudes. No mesmo sentido, o egoísmo, que é a negação do amor pelo próximo, constitui-se razão e fundamento do todo mal. Ele é a raiz dos escândalos, do ódio, da maldade, dos prejuízos causados aos outros.

Diante disto, o cristão luta e se opõe à sensualidade, com empenho a submete à razão e procura descobrir em si mesmo a grandeza da minha bondade. Inúmeros são os favores que lhe faço. Ao reconhecer que gratuitamente o retirei das trevas e o transferi para a verdadeira sabedoria, no autoconhecimento ele se humilha. Assim consciente da minha benevolência, o homem me ama direta e indiretamente. Diretamente, não pensando em si mesmo ou em interesses pessoais; indiretamente através da prática da virtude.

Toda virtude é concebida no íntimo do homem por amor a mim; fora do ódio ao pecado e do amor à virtude, não existe maneira de me agradar e de se chegar até mim. Depois de ter concebido interiormente a virtude, a pessoa a pratica no próximo.

Aliás, tal modo de agir é a única prova de que alguém possui realmente uma virtude. Quem me ama, procura ser útil ao próximo. Nem poderia ser de outra maneira, dado que o amor por mim e pelo próximo são uma só coisa. Tanto alguém ama o próximo, quanto me ama, pois de mim se origina o amor ao outro. O próximo, eis o meio que vos dei, para praticardes e manifestardes a virtude que existe em vós. Como nada podeis fazer de útil para mim, deveis ser de utilidade ao homem'.

(Das Revelações de Santa Catarina de Sena)

sexta-feira, 24 de abril de 2020

OS GRANDES MÍSTICOS DA IGREJA (IV)

GERTRUDES DE HEFTA

Escondida no anonimato dos tempos, pouco se sabe realmente sobre as origens de Gertrudes de Hefta, a não ser que o seu nascimento se deu em 6 de janeiro de 1256, provavelmente em Eisleben (Alemanha), e que teria ingressado no mosteiro beneditino de Santa Maria de Helfta ainda criança, com idade de 5 anos, como era costume à época nos mosteiros cistercienses.


Neste ambiente particular de devoção e santidade ímpares, Gertrudes conviveu com outras duas grandes religiosas da vida monástica: Gertrudes de Hackeborn (que tinha o seu mesmo nome e era a priora do mosteiro) e Santa Matilde de Hackeborn (irmã da priora). Sob a tutela direta da segunda, Gertrudes recebeu uma esmerada educação intelectual e religiosa, baseada nos estudos das Sagradas Escrituras, na Liturgia, na Tradição patrística, nas regras e na espiritualidade cisterciense, particularmente nos ensinamentos de São Bernardo de Claraval. Exímia no cumprimento da vida monástica e dócil, obediente e prestativa em todos as funções da vida comunitária, Gertrudes construiu uma vida de santidade singular durante a adolescência e toda a sua juventude. 

Por ocasião do Advento de 1280, viveu um período obscuro de fé dúbia e vacilante. Deus preparava assim a sua eleita, mediante uma profunda provação espiritual, para ser uma das grandes místicas da Igreja. Ao experimentar a primeira visita mística de Jesus, em 27 de janeiro de 1281, com a idade de 25 anos, tem início o que a santa chamaria de 'conversão': a partir de então, toda a sua vida será consagrada a uma íntima, fervorosa e ininterrupta união com Deus e completo abandono à Sua Santa Vontade: 'dai-me a graça que toda criatura seja nada para mim e só Vós sejais o deleite do meu coração', pontuada por êxtases e visões diversas. Em uma destas visões, por exemplo, contemplou o Menino Jesus e Nossa Senhora no dia em que Ele foi apresentado no Templo para o cumprimento dos preceitos da purificação.

A Eucaristia constituía o centro da vida religiosa da santa, cercada sempre por profundos atos de piedade, contrição e adoração a Jesus Sacramentado e, nesse sentido, ela viveu, juntamente com a sua preceptora Santa Matilde de Hackeborn, os mistérios e as graças pioneiras da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que somente seria revelado em plenitude ao mundo, por meio de Santa Margarida Maria Alacocque, cerca de quatro séculos depois. Essa intimidade da graça, profunda e mística, rendeu à santa a concessão dos estigmas das chagas de Cristo e fez dela, além de ser chamada 'a Grande', a santa da santa humanidade de Cristo, a santa da teologia da Encarnação, a santa da teologia do Sagrado Coração de Jesus.

As suas experiências místicas e espirituais foram compiladas em obras como 'Arauto do Amor Divino', 'Revelações' e 'Exercícios Espirituais'. De particular relevância no conjunto imenso de êxtases e experiências místicas, foi o seu conhecimento avançado da realidade do Purgatório: a natureza das penas associadas a cada tipo de pecado, a natureza dos padecimentos das almas penitentes e, de modo especial, a vinculação das devoções eucarística e ao Sagrado Coração de Jesus em proveito da mitigação dos sofrimentos e da própria libertação das almas do Purgatório. 


É pouco provável que exista uma oração específica da santa pelas almas do Purgatório ou uma oração para libertação de mil ou um número fixado destas almas. Na verdade, Santa Gertrudes fazia várias orações diferentes na intenção das almas do Purgatório, em particular pelas religiosas falecidas do mosteiro. Estas experiências foram intimamente compartilhadas no ambiente monástico da época com Santa Matilde de Hackeborn.

Ambas as santas tiveram visões de multidões de almas deixando o Purgatório após as suas orações e, nas alocuções com Jesus, este fato foi várias vezes ratificado a elas. Numa certa ocasião, por exemplo, Santa Matilde de Hackeborn perguntou a Jesus que alívio tivera a alma de um falecido pela qual rezara cinco Pai-Nossos em devoção às suas cinco chagas, ao que Jesus respondeu: 'ela obtém cinco benefícios assim: os anjos oferecem a sua proteção à direita; à esquerda, consolo; na sua frente, dão esperança, às costas, confiança e, acima dela, a alegria celestial'. E acrescentou então: 'toda pessoa que, movida por um sentimento de compaixão e caridade, intercede em favor da alma de um falecido, participa de todo o bem que é feito na Igreja nesta intenção e, no dia em que deixar este mundo, encontrará todo esse bem para proveito do alívio e da saúde da sua própria alma'.

Depois de um longo período de anos de sofrimentos e enfermidades dolorosas, Santa Gertrudes, a Grande, faleceu em data ainda incerta, se 17 de novembro de 1301 ou de 1302. Embora nunca tenha sido oficialmente canonizada pela Igreja, a sua festa litúrgica é comemorada em 16 de novembro desde o século XVIII, por determinação do papa Clemente XII (papa no período 1730 - 1740).

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

PADRE PIO E AS VOZES MISTERIOSAS

Durante a Primeira Guerra Mundial, a porta principal do monastério de Nossa Senhora das Graças era mantida fechada todas as noites, depois do toque da hora do Angelus. Uma barra de ferro era colocada na porta e o monastério ficava protegido contra estranhos.

Uma certa noite, o Superior do monastério, o Padre Raffaele, foi perturbado por vozes que gritavam em coro: 'Viva o Padre Pio,! Viva o Padre Pio! Viva o Padre Pio!' Descontente com aquela presença de intrusos, comunicou imediatamente ao porteiro, o irmão Gerardo, que pessoas estranhas haviam adentrado ao monastério, mesmo após as portas já fechadas. Ordenou ao irmão que fosse até elas, e as intimassem peremptoriamente a sair do local.

Assim o fez o Irmão Gerardo e, descendo ao pátio, encontrou as portas cerradas e nenhuma pessoa no interior do monastério  - 'Não há ninguém e as portas estão fechadas'. O Padre Raffaele ficou perplexo porque tinha ouvido não uma, mas várias vozes em uníssono, em claro e bom som, saudando o padre Pio: 'Viva o Padre Pio,! Viva o Padre Pio! Viva o Padre Pio!'

Ciente também que no Monastério de Nossa Senhora das Graças ocorriam diversos fatos bem incomuns e que estes fatos estavam sempre associados à pessoa do Padre Pio. O Padre Raffaele havia vivido com o Padre Pio o tempo suficiente para saber que ele vivia em uma realidade sobrenatural. Sobre ele, um dos capuchinos dizia - 'Padre Pio vive com um pé na terra e outro no céu'. Resolveu, assim, procurar o Padre Pio na manhã seguinte para discutir o assunto.

Na manhã seguinte, Padre Raffaele questionou o Padre Pio sobre as misteriosas vozes que tinha ouvido na noite anterior. - 'Todas as portas estavam fechadas e eu tive certeza de que algumas pessoas haviam entrado no monastério e gritavam: 'Viva o Padre Pio! Viva o Padre Pio! Viva o Padre Pio!' Mas quando o irmão Gerardo desceu as escadas para colocar essas pessoas para fora, não encontrou ninguém. Você pode me explicar o que pode ter acontecido?'

Padre Pio respondeu candidamente: 'Eram as almas dos soldados falecidos que haviam subido a colina e vindo ao monastério para agradecer as minhas orações. Há mais almas de mortos que de vivos que sobem a colina do monastério para pedir as minhas orações'.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

10 GRAUS DA PERFEIÇÃO CRISTÃ

1. Dirige a Deus cada um dos teus atos; oferece-os a Ele e peças que sejam para a Sua honra e glória.

2. Oferece-te a Deus uma, duas ... cinquenta vezes por dia, e que seja com grande fervor e desejo de Deus.

3. Em todas as coisas, observa a Providência de Deus e a Sua Sabedoria; em tudo, envia a Ele o teu louvor.

4. Em tempos de tristeza e de inquietação, não abandone nem as obras de oração, nem a penitência a que estás habituado, mas intensifica-as, e verás com que prontidão o Senhor te sustentará.

5. Nunca fale mal de quem quer que seja, nem jamais escute, a não ser que se trate de ti mesmo. E terá progredido muito, no dia em que te alegrares por isso.

6. Não diga nunca, de ti mesmo, algo que mereça admiração, quer se trate do conhecimento, da virtude, do nascimento, a não ser para prestar serviço. Mas então, que isso seja feito com humildade, e considerando que esses dons vêm pelas mãos de Deus.

7. Não vejas em ti senão o servo de todos, e em todos contempla Cristo Nosso Senhor; assim O respeitará e O venerará.

8. A respeito de coisas que não te diz respeito, não te mostres curioso, nem de perto, nem de longe, nem com comentários, nem com perguntas.

9. Mostre a tua devoção interior somente em caso de necessidade urgente; lembra do que diziam São Francisco e São Bernardo: 'meu segredo pertence a mim'.

10. Cumpra todas as coisas como se Deus estivesse realmente visível; agindo assim, muito terá a ganhar a tua alma.

(Santa Teresa de Ávila)

sábado, 17 de setembro de 2016

SOBRE A AÇÃO DIABÓLICA - ENTREVISTA COM O PE. AMORTH

Faleceu no dia de ontem, aos 91 anos, em Roma, o sacerdote paulino Gabriele Amorth e um dos exorcistas mais conhecidos no mundo. Autor de diversas obras sobre o tema, imprimiu um contínuo e sistemático trabalho, no âmbito da Igreja, de expor a ação diabólica sobre a natureza humana. Mobilizou esforços de toda ordem para alertar o clero sobre a crescente e profunda ação do
 demônio sobre a atual geração de homens e mulheres. Na entrevista reproduzida abaixo, concedida em junho de 2012 à revista católica Catolicismo, esta atuação e este alerta são exemplarmente declarados e revelam a gravidade e o profundo indiferentismo de grande parte do clero católico em relação à ação do Maligno nos tempos atuais.


Catolicismo - Todas as pessoas sofrem as insídias e as tentações diabólicas, acontecendo de uma mesma tentação voltar a repetir-se muitas vezes. Podemos dizer que tal tentação torna-se um estado de perseguição do demônio?

Pe. Amorth - Devemos distinguir a ação ordinária da ação extraordinária do demônio. A ação ordinária é a de tentar-nos. Por conseguinte, todo o campo das tentações pertence à ação ordinária diabólica à qual todos somos sujeitos e o seremos até a morte. A tal ponto somos sujeitos a essas tentações, que Jesus Cristo, fazendo-se Homem, aceitou ser tentado por Satanás, não apenas nas três tentações do deserto, mas durante toda a Sua vida, como também ocorreu com Maria Santíssima. Isto porque a tentação faz parte da condição humana. Esta é a ação ordinária do demônio, como dizia o Catecismo de São Pio X, por ódio a Deus, [o demônio] tenta o homem ao mal. Ou seja, por ódio a Deus, o demônio gostaria de arrastar-nos a todos para o inferno. A ação extraordinária, por sua vez, é uma ação rara. É aquela na qual o demônio causa distúrbios particulares. Portanto, não se trata de simples tentação. [São] distúrbios particulares que podem chegar à possessão diabólica.

Catolicismo - Que tipos de distúrbios podem ocorrer? V. Revma. poderia classificá-los e, ao mesmo tempo, dar as razões da existência de tais distúrbios?

Pe. Amorth - Não existem dois casos iguais. Já fiz mais de 40 mil exorcismos. Esclarecendo: não a 40 mil pessoas, pois em muitas delas eu fiz centenas e centenas de exorcismos. Pois livrar uma pessoa do demônio, geralmente, constitui um trabalho muito lento. Como escrevi no meu livro 'Um exorcista conta-nos', fico bastante contente quando uma pessoa se livra do demônio, após quatro ou cinco anos de exorcismos, com a média de um exorcismo por semana. Conheço pessoas que ficaram livres do demônio após 12 ou 14 anos de exorcismos seguidos. Portanto, muitos exorcismos são feitos à mesma pessoa. Uma pessoa pode levar uma vida normal com sofrimentos, de maneira que aqueles com os quais convive nem se deem conta de que está possessa. Apenas quando sobrevêm os momentos de crise, então ela se comporta de uma maneira inteiramente anormal, não podendo cumprir os seus deveres de trabalho, da família, sem excessiva dificuldade. Em alguns casos, a pessoa pode ser assaltada pelo demônio, digamos, 24 horas ao dia. Em tal caso, a pessoa não pode fazer nada. Mas são casos raríssimos. Normalmente o demônio, apenas em certos momentos, investe contra a pessoa e se manifesta, sobretudo quando é obrigado a fazê-lo durante o exorcismo.

Catolicismo - E qual é a causa para que o demônio permaneça mais ou menos tempo na mesma pessoa?

Pe. Amorth - A expulsão do demônio depende de uma intervenção extraordinária de Deus. Ou seja, cada expulsão do demônio constitui um verdadeiro milagre. E Deus pode praticá-lo a qualquer momento. Nós, exorcistas, podemos prever, através de algo que nos oriente, quanto tempo ser-nos-á necessário para expulsar o demônio de uma pessoa. Por exemplo, uma criança. É mais fácil expulsar o diabo de uma criança que de um adulto. O mesmo passa-se em relação a uma pessoa que nos procura logo após ter sido possuída, uma vez que o demônio ainda não teve tempo de deitar raízes naquela pessoa. O primeiro exorcismo fala em erradicar e expulsar o demônio. Ao contrário, torna-se muito mais difícil quando sou procurado por pessoas de 50, 60 anos, e ao fazer-lhes exorcismos falando com o demônio - pois eu falo diretamente com o demônio quando a pessoa está endemoninhada -, descubro que, às vezes, a pessoa era criança ou ainda se encontrava no próprio seio materno quando sofreu os primeiros ataques do Maligno.

Catolicismo - V. Revma., há pouco, referindo-se à expulsão do demônio de um possesso, disse que ela constitui sempre uma intervenção extraordinária de Deus...

Pe. Amorth - Certo. A libertação de uma pessoa da ação do demônio constitui sempre uma intervenção extraordinária de Deus. Aliás, tenho disso um exemplo, ocorrido na semana passada. Um caso muito difícil de possessão diabólica e eu tinha razões suficientes que levavam a prever muitos anos de exorcismos para se libertar aquela alma das garras do demônio. Acontece que tal pessoa foi ao Santuário de Lourdes, na França, tomou banho na piscina, acompanhou a procissão do Santíssimo Sacramento, rezou muito. Resultado: um milagre! Voltou para casa completamente livre da possessão.

Catolicismo - V. Revma. poderia dar uma explicação a nossos leitores, ainda que sucinta, da necessidade do exorcismo e dos exorcistas? 

Pe. Amorth - O exorcismo é constituído de várias orações oficiais feitas em nome da Igreja e Deus ouve essas orações. Com efeito, existem tantas razões para isso! O exorcismo depende muito das causas que determinaram a possessão diabólica, uma vez que estas exercem muita influência sobre o possesso. Dou-lhe um exemplo simples. Se uma pessoa se consagrou a Satanás e fez o pacto de sangue com ele, é fácil entender que ela praticou um ato voluntário de doação de si mesma ao Maligno. Então, libertar tal pessoa torna-se muito mais difícil, faz-se necessário muito mais tempo do que o empregado para libertar um inocente, que foi vítima de um malefício causado por outra pessoa.

Catolicismo - Pelo que V. Revma. afirmou acima, o exorcismo não constitui o único modo de uma pessoa fazer cessar a possessão. Haveria outras? Porque com a atual dificuldade em encontrar exorcistas…

Pe. Amorth - Pode-se libertar da possessão com o exorcismo, que é uma oração oficial da Igreja, mas reservada aos exorcistas - pouquíssimos, quase não encontráveis. Outra forma, aberta a todos, são as orações de libertação. No final dos meus livros eu acrescento orações de libertação que sugiro. As orações mais eficazes são as de louvor, glória a Deus. Assim nós também muitas vezes, nos próprios exorcismos, recitamos o Credo, o Glória, o Magnificat, Salmos, trechos da Bíblia, o Evangelho em que Jesus liberta os endemoninhados. Elas têm grande eficácia.

Catolicismo - Os demônios têm nomes?

Pe. Amorth - Quando constringidos pelo exorcista a dizer os seus nomes, costumam apresentá-los. Os que têm nomes bíblicos ou de tradição bíblica são demônios fortes e é muito mais trabalhoso exorcizá-los. Continuamente dão nomes como Satanás, Asmodeu, Lilith, denominações igualmente importantes. O nome Lúcifer é de tradição bíblica e não um nome bíblico. Ou seja, nós o atribuímos à Bíblia, mas esta não cita Lúcifer. Encontramos frequentemente um demônio de nome Zabulon. O nome Zabulon, encontramo-lo na Bíblia, mas nunca como demônio. Zabulon é uma das 12 tribos de Israel. Há um demônio, porém, que tomou posse desse nome e é um demônio fortíssimo. Encontramos nas Sagradas Escrituras o demônio Asmodeu. Deparo-me muitíssimas vezes com ele, porque é o demônio que destrói os casamentos. Ele rompe os matrimônios ou os impede. É tremendo! Uma pessoa possuída ou possessa, in genere, pode estar dominada por muitos demônios. Temos um exemplo no Evangelho, quando Nosso Senhor interroga os endemoninhados de Gerasa e pergunta: 'Como te chamas?' E o demônio responde: 'Legião', porque são muitos. Lembro o caso de um demônio fortíssimo que possuía uma freira, uma possessão tremenda (às vezes, são vítimas que se oferecem pela conversão dos pecadores e sofrem esta espécie de possessão). Quando eu lhe perguntava o número, respondia-me: 'Milhares! Milhares! Milhares!'

Catolicismo - A TV, de um modo geral, com programas incentivadores de práticas de magia e espiritismo, bem como desagregadores das tradições cristãs e da família, têm colaborado ponderavelmente para o incremento do satanismo? E o rock satânico, tem concorrido para a disseminação do poder do demônio?

Pe. Amorth - Quando foi inventada a televisão, o Padre Pio ficou furioso. E a quem lhe dizia que se tratava de uma magnífica invenção, ele respondia: 'Verá que uso farão dela!' Com efeito, a TV é corrupção da juventude e igualmente dos velhos! Ouso acrescentar: é também a corrupção dos padres, dos sacerdotes e das freiras. Com os espetáculos contínuos de sexo, de horror, de violência... A internet é ainda pior, a internet é ainda pior, repito. Certa vez, ao fazer um exorcismo, falando com o demônio, ele dizia: 'A televisão, fui eu que a inventei!' Eu afirmava: 'Não! Tu és um mentiroso! A televisão é uma grandecíssima invenção do homem. Tu inventaste o mau uso dela, a fim de corromper as pessoas'. Todos sabemos que existe o nudismo. Todos sabemos que haverá [como efetivamente ocorreu], dentro de alguns dias, uma manifestação de homossexuais! Uma demonstração do vício, o pecado que isso representa! Ali está, não há dúvida, a ação do demônio. No caso acima, existe a atividade ordinária do demônio de tentar o homem, mas também a atividade extraordinária do demônio, que se serve da ocasião para possuir as pessoas que promovem essas coisas. Quanto ao rock satânico, é tremendo. Pode conduzir à possessão diabólica porque ensina o culto a Satanás. E pouco a pouco, através do culto a Satanás, chega-se a ser possuído por ele. Satanás é esperto, introduz-se sem nunca fazer-se sentir. Pode-se começar com simples jogos de cartas, de tarôs, e, através dos jogos, saber se vai ganhar na loteria, adivinhar acontecimentos, doenças de amigos. E, pouco a pouco, vai-se sendo possuído pelo demônio. O diabo age assim: atua sem se fazer sentir...

Catolicismo - As doutrinas marxistas e a sua aplicação concreta contribuem, de modo considerável, para a difusão do satanismo na sociedade contemporânea?

Pe. Amorth - Sim. Tenhamos presente que assim como o demônio pode possuir uma pessoa, pode igualmente possuir uma classe de pessoas, pode assumir o governo de uma nação. Exemplifico. Estou convicto de que Hitler e Stalin, eram possuídos pelo demônio e que o nazismo - em massa - era possuído pelo Maligno. Auschwitz, Dachau: não podem ser explicadas as atrocidades cometidas nesses lugares sem se cogitar numa perfídia verdadeiramente diabólica. E não há nenhuma dúvida de que o demônio influiu muitíssimo no mundo cultural. O demônio quer distanciar o homem de Deus. Por outro lado, tivemos pela primeira vez na História um fenômeno profetizado em Fátima -  em 13 de julho de 1917 - a aparição mais importante de Nossa Senhora em Fátima, aquela na qual encontram-se os segredos e em que Nossa Senhora fez ver o inferno. Nessa ocasião, entre outras coisas, profetizou: 'Se não obedecerem as minhas palavras, a Rússia espalhará os seus erros pelo mundo'. Nunca aconteceu que o povo tivesse sido instruído para o ateísmo. Em Moscou, entretanto, existia uma universidade de ateísmo, na qual se formavam os participantes do partido e se ensinava como atuar para destruir a religião numa nação religiosa. Jamais, no passado da humanidade, ensinou-se o ateísmo. Foi uma novidade do nosso século, devido ao comunismo que espalhou o ateísmo por todo o mundo.

Catolicismo - A falta de fé seria a principal e mais profunda causa do aumento do poder satânico no mundo atual?

Pe. Amorth - Sempre. É matemático. Examinando toda a história do Antigo Testamento, a história de Israel, quando esta abandona Deus, entrega-se à idolatria. É matemático, quando se abandona a Fé, entregamo-nos à superstição. Isto aplica-se, em nossos dias, a todos nós do mundo ocidental. Tomem as velhas nações da cristandade medieval. A católica Itália, a França, a Espanha, a Áustria, a Irlanda, que uma vez foram nações cujo catolicismo era forte. Agora o catolicismo tornou-se fraquíssimo. Na Itália, de 12 a 14 milhões de italianos frequentam atualmente sessões de bruxaria e cartomantes. Há no país aproximadamente 65.000 bruxos e cartomantes, muito mais que o número de sacerdotes. Existem também na Itália de 600 a 700 seitas satânicas. E 37% da juventude italiana participaram algumas vezes de sessões espíritas, acreditando ser um mero jogo. Um movimento dirigido por um sacerdote ensina os pais como falar com os seus filhos falecidos. Isto é espiritismo puro. Em outros tempos o espiritismo exercia-se através de um médium em estado de transe, e o médium evocava a pessoa.

O espiritismo consiste em evocar um defunto para interrogá-lo e obter dele respostas. Agora não é mais necessária a presença do médium, pois pratica-se o espiritismo através do gravador, do televisor e da internet. Os dois meios mais usados são gravadores e escritura automática. A página mais lida dos jornais é o horóscopo e os cotidianos não são comprados pelos analfabetos. São os industriais, os políticos, que não tomam decisões sem antes ouvir um bruxo. Ou seja, sempre que diminui a Fé, aumenta a superstição. Por exemplo, faz-se um referendo na Itália para a defesa da família, vence o divórcio; faz-se um referendo em defesa da vida, vence o aborto. E isto na católica Itália. Não nos espantemos, Satanás é poderoso. Nosso Senhor o chama por duas vezes Príncipe deste Mundo. São Paulo o chama Deus deste mundo. São João diz: 'Todo o mundo jaz sob o poder do Maligno'. E quando o demônio tenta Nosso Senhor, leva-O ao alto do monte, fá-Lo ver os reinos da Terra, e diz: 'São meus, e os dou a quem quero e se tu te ajoelhares diante de mim'. Jesus não lhe responde: 'Tu és um mentiroso, todos os reinos são de meu Pai. É Ele quem dá a quem quiser'. Não, não. A Escritura diz: 'Tu ajoelhar-te-ás somente ante teu Deus'. Nosso Senhor não contradiz o demônio. Hoje tantos ajoelham-se diante de Satanás para obter sucesso, prazer, riquezas - as três grandes paixões do homem! E o demônio oferece o sucesso, o prazer, a riqueza, mas sempre unidos a terríveis sofrimentos. Vemos o sucesso, vemos o dinheiro. Imaginamos que aquela pessoa é feliz. Não é verdade, pois o demônio só pode praticar o mal. Por conseguinte, as pessoas que se entregam ao demônio têm o inferno nesta vida e na outra. Aqui um inferno dourado, mascarado de sucesso e, depois, o fogo eterno!

Catolicismo - Qual a influência do chamado progressismo católico nessa decadência da virtude teologal da fé?

Pe. Amorth - Hoje, infelizmente, existem teólogos e exegetas que negam até mesmo os exorcismos de Nosso Senhor. No meu último livro - Exorcismos e Psiquiatras - dedico um capítulo aos exorcistas franceses; apenas cinco de um total de 105 creem e fazem exorcismos; os outros não creem neles. Num dos seus congressos, convidaram exegetas para dizer que negam os exorcismos de Nosso Senhor. Afirmam eles tratar-se de uma linguagem apenas cultural e que o Redentor adaptava-se à mentalidade da época, mas que, na verdade, aquelas pessoas eram apenas loucas e não possessas. Essas prédicas de exegetas influíram nos espíritos dos bispos, dos padres etc.

Catolicismo - Quais as razões que levam bispos católicos a se desinteressarem inteiramente da temática demônio, abandonando assim os fiéis à ação preternatural, crescente nos dias atuais?

Pe. Amorth - Não há razão para se impressionar com a minha resposta. No Evangelho, Nosso Senhor diz que o demônio é fortíssimo. Isto está muito claro. É fortíssimo e conseguiu, com a sua habilidade, fazer-nos crer que [ele] não existe, coisa que mais lhe agrada. Porque pôde realizar isso nestes séculos - pois já faz três séculos que faltam exorcistas. E isso explica o meu combate aos bispos, aos padres que não creem na ação do demônio. Eu os critico fortemente. Julgo que 90% dos padres e dos bispos não creem na ação extraordinária do demônio. Talvez existam alguns! Talvez, talvez! No Concílio Vaticano II, alguns Bispos já afirmavam que não existia! Durante o Concílio, hein! Diante da Assembleia Conciliar! Repito: tenho por certo que 90% dos bispos e sacerdotes não creem na ação extraordinária do demônio. Razão pela qual há três séculos, na Igreja Latina, verifica-se uma escassez espantosa de exorcistas. Na Alemanha, nenhum! Na Áustria, nenhum! Na Suíça, nenhum! Na Espanha, nenhum! Em Portugal, nenhum! Quando eu digo nenhum, não estou afirmando que não existam um, dois, mas de tal maneira não são encontrados, que os considero como inexistentes. Numa cidade europeia, importante centro de peregrinação, temos uma livraria paulina. Quando lá estive, dei-me conta, através de um livreiro amigo, que dispunham do meu livro na livraria, mas escondido. Os bispos disseram-nos para tê-lo escondido, e não expô-lo! De não expô-lo! Por outro lado, há muitos bispos que não nomearam exorcistas. Um prelado famoso - o Cardeal Todini, que foi Arcebispo de Ravena - numa transmissão televisiva jactou-se de nunca ter nomeado exorcistas! Esta, infelizmente, é a situação na qual nos encontramos.

Catolicismo - V. Revma. baseia-se em alguma escola espiritual, em algum santo, para tomar uma posição tão louvável quanto destemida?

Pe. Amorth - Eu procuro seguir a linha iniciada por um santo espanhol, o Beato Francisco Palau, carmelitano, que já em 1870 veio a Roma falar sobre o exorcismo com o Papa Pio IX. Voltou depois a Roma durante as sessões do Concílio Vaticano I, para que se tratasse da necessidade de exorcistas. Com a interrupção daquele Concílio em razão da tomada de Roma, o assunto não foi sequer levantado.

Catolicismo - Pe. Amorth, que conselho V. Revma. poderia dar-nos e a nossos caros leitores para nos precavermos contra eventuais malefícios (macumbas, por exemplo) que se queiram fazer para nos prejudicar?

Pe. Amorth - O conselho número um consiste em ter Fé. Depois, viver na graça de Deus. Se se vive em estado de graça, está-se protegido, é mais difícil que a macumba nos atinja. Porém, se se é realmente atingido, é necessário recorrer-se aos exorcismos, a muitas orações, a muitos sacramentos e, com a graça de Deus, se é libertado. Mas pode ser que Deus permita que se continue no estado de possessão, para o bem espiritual da própria pessoa. Assim, São João Crisóstomo afirma que o demônio, malgrado ele próprio, é o grande santificador das almas.