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sexta-feira, 23 de agosto de 2024

A ENTRADA DA ALMA NO CÉU

I – Ó Deus! Que dirá a alma ao entrar no reino bem-aventurado do Céu? Imaginemos ver morrer essa virgem, esse jovem que, tendo-se consagrado ao amor de Jesus Cristo, e, chegada a hora da morte, vai deixar esta terra. Sua alma apresenta-se para ser julgada; o Juiz acolhe-a com bondade e lhe declara que está salva. O seu Anjo da guarda vem ao seu encontro e mostra-se todo contente; ela lhe agradece toda a assistência recebida, e o anjo responde-lhe: 'Alegra-te, alma formosa; já estás salva; vem contemplar a face do teu Senhor'.

Eis que a alma se eleva acima das nuvens, acima do firmamento e de todas as estrelas: entra no Céu. Que dirá ao penetrar pela primeira vez nessa pátria bem-aventurada, ao lançar o primeiro olhar sobre essa cidade de delícias? Os Anjos e os Santos saem-lhe ao encontro e lhe dão, jubilosos, as boas vindas. Que consolação experimentará ao encontrar ali os parentes e amigos que a precederam, e os seus gloriosos protetores! A alma quererá prostrar-se diante deles; mas os Santos lhe dirão: Guarda-te de o fazer; porque somos servos como: Vide ne feceris; conservus tuus sum.

Ela irá depois beijar os pés de Maria, a Rainha do paraíso. Que ternura não experimentará ao ver pela primeira vez essa divina Mãe, que tanto a ajudou a salvar-se! Então a alma verá todas as graças que Maria lhe alcançou. A Rainha celestial abraça-a amorosamente e a conduz a Jesus que a acolhe como esposa e lhe diz: Veni de Libano, sponsa mea; veni, coronaberis - Vem do Líbano, esposa minha; vem, serás coroada. Regozija-te, esposa querida, passaram já as lágrimas, as penas, os temores: recebe a coroa eterna que te alcancei a preço de meu sangue. Ah, meu Jesus! Quando chegará o dia em que eu também ouvirei de tua boca estas doces palavras?

II – Jesus mesmo acompanhará a alma bem-aventurada afim de receber a bênção de seu Pai divino, que a abraçará carinhosamente e a abençoará, dizendo: Intra in gaudium Domini tui” - Entra no gozo do teu Senhor, e então a deixará participar da sua própria gloriosa beatitude.

Meu Deus, aqui tendes aos vossos pés um ingrato, que foi criado por Vós para o Céu, mas que muitas vezes, na vossa presença, o renunciou por indignos prazeres, consentindo em ser condenado ao inferno. Espero que já me haveis perdoado todas as injúrias que Vos fiz e de que de novo me arrependo e quero arrepender-me até à morte. Quero também que Vós sempre as torneis a perdoar-me. Mas, ó Jesus, embora já me tenhais perdoado, sempre ficará sendo verdade que tive a audácia de amargurar-vos, meu Redentor que, para me conduzir ao vosso reino, sacrificastes a própria vida. Para sempre seja louvada e abençoada a vossa misericórdia, ó meu Jesus, que me haveis aturado com tamanha paciência, e que, em vez de me punir, multiplicastes para comigo as graças, as luzes e os chamados.

Vejo, meu amantíssimo Salvador, que quereis deveras a minha salvação; quereis ver-me em vosso reino para eu que vos possa amar eternamente; mas quereis que primeiramente vos ame nesta terra. Sim, eu quero vos amar. Ainda que não houvesse paraíso, quisera amar-vos por toda a vida, com toda a minha alma, com todas as minhas forças. Basta-me saber que Vós, meu Deus, desejais ser amado por mim. Assisti-me, meu Jesus, com a vossa graça; não me abandoneis. Minha alma é eterna; estou, pois, na alternativa de vos amar ou de vos odiar eternamente! O que eu quero é amar-vos eternamente; quero amar-vos muito nesta vida para vos amar muito na outra. Disponde de mim como vos aprouver; castigai-me como quiserdes; não me priveis do vosso amor, e depois fazei de mim segundo a vossa vontade. Meu Jesus, os vossos méritos são a minha esperança. Ó Maria, ponho toda a minha confiança na vossa intercessão. Livrastes-me do inferno, quando estava em pecado; agora, que desejo só a Deus, deveis salvar-me e tornar-me santo.

(Excertos da obra 'Meditações para todos os Dias e Festas do Ano', Santo Afonso Maria de Ligório)

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

O CÉU É UM LUGAR


Céu significa o lugar e, especialmente, a condição de suprema bem-aventurança. Se Deus não tivesse criado corpos, mas unicamente puros espíritos, o Céu não teria de ser um lugar; seria apenas como o estado dos anjos, que se regozijam em Deus.

Mas, na verdade, o Céu é também um lugar. Lá encontramos a humanidade de Jesus, a bem aventurada Virgem Maria, os anjos e as almas dos santos. Embora não possamos dizer com certeza onde se encontra esse lugar, ou qual é a sua relação com o Universo, a revelação não nos permite duvidar da sua existência.

A Igreja ensina como doutrina da Fé, definida pelo Papa Bento XII: 'As almas de todos os santos estão no Céu antes da ressurreição dos corpos e do Julgamento Final. Eles vêem a essência divina por uma visão que é intuitiva e facial, sem a intermediação de qualquer criatura. Por causa desta visão na qual desfrutam da essência divina, eles são verdadeiramente bem aventurados, têm a vida eterna e o repouso eterno'.

O Concílio de Florença diz que as almas em estado de graça, depois de purificadas, entram no Céu, veem Deus trino como Ele É em si mesmo, com um grau maior ou menor de perfeição, de acordo com os seus méritos durante a vida terrena.
(Pe. Reginald Garrigou-Lagrange)

sábado, 26 de agosto de 2023

SERMÕES DO CURA D'ARS (XII)

 SOBRE AS NOSSAS TRIBULAÇÕES

'Em verdade, em verdade vos digo: haveis de lamentar e chorar, mas o mundo se há de alegrar. E haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza se há de transformar em alegria' (Jo 16,20)

Quem, meus amados cristãos, poderia ouvir sem tremer o discurso do Redentor aos seus discípulos antes de sua ascensão ao céu, no qual Ele lhes diz que a vida deles seria uma série de lágrimas, sofrimentos e dores em carregar a cruz, enquanto o resto do mundo se alegraria e se divertiria? Não que os homens do mundo não tivessem também os seus problemas, porque a tristeza e a consternação são a consequência natural de uma má consciência, e uma vida desordenada encontra o seu próprio castigo em um coração perturbado. A sorte dos bons cristãos é completamente diferente: eles têm de se decidir a sofrer e a chorar nesta vida, mas o seu sofrimento e as suas lágrimas vislumbram na outra vida uma alegria e um prazer ilimitados em extensão e duração. Em contrapartida, os filhos do mundo, após alguns momentos de gozo, misturados com muita amargura, seguem o caminho que conduz ao fogo eterno. 'Ai de vós' - disse Jesus Cristo - 'ai de vós que não pensais senão em alegria, porque as vossas alegrias produzirão sofrimentos eternos na morada da minha justiça'. Mas Ele falou aos bons cristãos:  'Bem-aventurados sois vós que passais os vossos dias em lágrimas, porque virá o dia em que eu mesmo serei a vossa consolação'. Mostrar-vos-ei agora, meus caros cristãos, que a cruz, a pobreza, o desprezo e o sofrimento são a sorte do cristão que deseja salvar a sua alma e que procura ser agradável a Deus.

Ou sofreis nesta vida ou perdereis a esperança de ver Deus no céu. Deixai-me dizer-vos que, a partir do momento em que sois contados entre os filhos de Deus, deveis tomar sobre vós a cruz e não a abandonar até o momento da vossa morte. Quando Jesus Cristo nos fala do céu, não deixa de nos recordar que só podemos merecê-lo carregando a cruz e sofrendo: 'Toma a tua cruz e segue-me, não por um dia, um mês ou um ano, mas por toda a tua vida'. Santo Agostinho diz: 'Deixai os prazeres e os divertimentos aos filhos do mundo; mas vós, que sois filhos de Deus, chorai como os filhos de Deus'.

Os sofrimentos e as perseguições são de grande utilidade para nós, porque neles encontramos um meio muito eficaz de expiar os nossos pecados, visto que somos obrigados a sofrer por eles, quer neste mundo, quer no outro. Os sofrimentos neste mundo não são ilimitados, nem em intensidade, nem em duração: o Deus misericordioso nos castiga por causa de sua grande misericórdia para conosco; Ele nos permite sofrer por um tempo, apenas para nos fazer felizes por toda a eternidade. Por maiores que sejam os nossos sofrimentos neste mundo, Ele nos toca apenas com o dedo mindinho, por assim dizer; enquanto no outro mundo as torturas e os castigos que teremos de suportar são ditados pelo seu grande poder e ira. Lá nos parecerá que Deus quis esgotar todo o seu poder para vingar a sua majestade ofendida. Lá os nossos tormentos serão infinitos em severidade e duração. 

Nesta vida, os nossos sofrimentos são atenuados pela consolação e pelo auxílio que a nossa santa religião nos oferece, mas no outro mundo não há consolação, não há atenuação alguma; pelo contrário, lá tudo leva ao desespero. Ó como é bem-aventurado o cristão que passa toda a sua vida em lágrimas e tribulações, pois assim evita a maior desgraça que lhe pode acontecer, e assegura para si a alegria eterna. Jó, o santo homem, diz-nos que a vida não é mais do que uma miséria sem fim. Vamos focar neste ponto. Vamos de casa em casa e encontraremos sempre plantada por todo o lado a cruz de Cristo. Aqui é a perda dos bens terrenos, resultado de uma injustiça, que atirou toda uma família para a miséria; ali é uma doença, que mantém uma pessoa num leito de sofrimento; ali é uma esposa que come o seu pão entre lágrimas e tristeza por causa de um marido bêbado e brutal. Mais além, encontramos pobres idosos que foram atirados aos asilos deste mundo pelos seus filhos ingratos. Aqui está um homem curvado de tristeza e vergonha porque foi acusado de delitos que nunca cometeu. E, novamente, há uma casa cheia de lamentações pela perda de um pai, de uma mãe ou de um filho. Assim, a nossa vida mortal parece pobre e miserável, considerada do ponto de vista humano; mas, se considerarmos nossa vida do ponto de vista da nossa religião, logo nos convenceremos de que somos miseráveis apenas enquanto remoemos e lamentamos os nossos problemas do ponto de vista humano.

Por que tendes tanta tendência a considerar-vos infelizes? Porque sempre pensais naqueles cuja situação na vida é melhor do que a vossa. O pobre, na miséria de sua pobreza, em vez de pensar naqueles que, por motivo de doença ou, talvez, por terem sido colocados na prisão ou no asilo, estão em situação pior do que a sua, deixa que os seus pensamentos se detenham nas mansões dos ricos e em seus bens e prazeres terrenos. O doente, em vez de pensar nas torturas sofridas pelos condenados pelo justo julgamento do Senhor ao castigo eterno, dirige o seu pensamento apenas para os poucos felizardos que nunca tiveram a infelicidade de ser pobres ou doentes. É por essa razão, meus caros amigos, que consideramos insuportáveis os nossos sofrimentos. Mas qual é a consequência? A consequência é que a nossa murmuração e a nossa queixa privam-nos de todos os méritos que poderíamos ganhar no Céu com os nossos sofrimentos: por um lado, suportamo-los sem nos consolarmos com o pensamento de que eles nos abrem a esperança do perdão; por outro lado, aumentamos os nossos pecados com a nossa impaciência e a nossa murmuração, em vez de os diminuirmos oferecendo o nosso sofrimento em expiação deles. É a nossa impaciência, a nossa falta de submissão à vontade de Deus e a nossa falta de confiança nEle que nos tornam tão infelizes e que são a causa de aumentarmos os nossos pecados em vez de os diminuirmos, oferecendo os nossos sofrimentos em expiação. Quão infeliz e cheia de desespero é a vida daquele que esquece para que fim Deus lhe enviou uma cruz para carregar!

Mas poderíeis me dizer: 'Já ouvimos centenas de vezes esses sentimentos serem expressos; são apenas palavras, não são consolações; dizemos as mesmas coisas àqueles que vemos sofrer'. Mas eu vos digo, meus amigos, olhai para o alto, olhai para o céu. Removei os vossos corações do lodo desta vida em que se afundaram; rasgai as nuvens de neblina que vos escondem a recompensa celeste, que podeis obter por meio dos vossos sofrimentos aqui na terra. Levantai os vossos olhos e vede o bom Pai que vos reserva uma gloriosa mansão nos seus domínios. Deus te castiga apenas para curar as feridas que tu, pobre pecador, infligiste à tua própria alma. Deus te envia o sofrimento apenas para te legar a coroa da glória eterna.

Se quereis saber, meus caros amigos, como tomar a cruz, que vos foi entregue pelo Todo-Poderoso ou pelos vossos próprios semelhantes, deixai-me citar-vos como exemplo, como Jó tomou a sua cruz, como nunca ficou descontente mesmo com a perda dos seus numerosos bens e da sua família, nem quando o fogo do céu destruiu os seus rebanhos, nem quando os ladrões levaram o resto do seu gado, nem quando um ciclone terrível destruiu a sua casa e enterrou os seus filhos, mas exclamou com devoção: 'Ai de mim, a mão do Senhor pesa sobre mim!' Há anos que estava deitado num monturo, coberto de chagas, sem ajuda nem consolação, abandonado até pela própria mulher que, em vez de o consolar, apenas zombava dele com as palavras: 'Por que não pedes ao teu Deus a morte, para te livrares de toda esta miséria; não vês como o teu Deus, a quem serviste tão fielmente, te tortura?' E ele apenas lhe respondia: 'Falaste como uma das mulheres insensatas; se recebemos coisas boas da mão de Deus, por que não havemos de aceitar as más?'

Mas alguns de vós poderiam dizer: 'Não compreendo porque Deus nos visita com tais calamidades; Ele, que é o próprio amor e que nos ama com um amor infinito'. Poderíeis ainda me perguntar: 'Como é possível que um pai castigue o seu filho ou que um médico dê ao doente um remédio amargo?' Pensais que seria melhor deixar essa criança viver sem freio do que conduzi-la, através do castigo, ao caminho da virtude e, assim, ao céu? Achais que o médico deve deixar morrer o doente, em vez de lhe prescrever um remédio amargo? Como somos cegos se raciocinamos assim! Deus tem de nos castigar e, se não tivermos a cruz, podemos ter a certeza de que não pertencemos ao número dos seus filhos. O próprio Jesus disse que o Reino dos Céus seria apenas para aqueles que sofrem e lutam até o fim. E não é que Ele diz sempre a verdade? Contemplai a vida dos santos, vede o caminho que seguiram; desde o momento em que deixaram de sofrer, temeram que o Senhor os tivesse abandonado e que o tivessem perdido para sempre. 'Meu Deus, meu Deus!' - exclamava Santo Agostinho em lágrimas - 'não me poupeis nesta vida, mas deixai-me sofrer muito. Mostrai-me a vossa misericórdia só na outra vida e eu estarei satisfeito'.

A maior parte das pessoas que padecem sofrimentos dizem: 'O que é que eu fiz ao Senhor para Ele me enviar tanta miséria?' E eu respondo: 'Deus te manda esta aflição porque realmente fizeste o mal, meu amigo. Toma para si todos os mandamentos, um a um, e vê se não pecaste contra todos e cada um deles. Que todos os dias da tua vida pecaminosa, desde os dias inocentes da tua infância, passem em tua memória, e então verás porque não deverias perguntar que mal fizeste para que Deus te castigue assim. Será que os maus hábitos em que vos afundastes durante tanto tempo não contam para nada? E o vosso orgulho? Achais justo esperar que todos se curvem diante de vós, porque tendes alguns hectares de terra a mais do que outro, o que pode ser a causa da vossa condenação? Já esquecestes essa cupidez que vos mantém sempre em estado de insatisfação; e esse amor próprio, essa vaidade, esse temperamento raivoso, essa sede de vingança, essa intemperança, esse ciúme? Esquecestes a vossa criminosa negligência para com o Santíssimo Sacramento e todas as obrigações religiosas que deveríeis ter cumprido em benefício da vossa alma? O vosso esquecimento de todos estes e outros fatos vos torna isentos de culpa? E se és culpado, não deveria a justiça de Deus castigar-te? Dizei-me, meu amigo, que penitência fizestes para expiar os vossos pecados, que jejum ou que mortificação? Onde estão as tuas boas obras? Quando, depois de tantos pecados, não derramares uma lágrima; quando, depois de tanta avareza, não deres a menor esmola; quando, depois de tanto orgulho, não sofreres a menor humilhação; quando, depois da tua carne ter servido ao maligno, não quiseres ouvir falar de penitência, então o Céu deve intervir e impor essa penitência que tu próprio não praticaste.

Vejam pois como somos cegos! Gostaríamos de fazer o mal sem sermos castigados por isso ou, por outras palavras, preferiríamos que Deus fosse injusto. Deixai, Senhor, que o pecador leve uma vida fácil; não lhe imponhais a mão demasiado pesada; deixai-o engordar como um animal de sacrifício, destinado ao castigo eterno, onde terá tempo de satisfazer a vossa justiça; poupai-o nesta vida; ele assim o quer. Ele pode fazer penitência no fogo eterno, penitência sem mérito, penitência sem fim. Ó meu Senhor, não deixeis que esta desgraça nos aconteça! 'Ó meu Deus' - exclamava Santo Agostinho - 'aumentai a minha miséria e o meu sofrimento tanto quanto quiserdes, mas não me poupeis da vossa misericórdia na vida futura'.

'Sim' - diria um outro - 'isso é muito bom para aqueles que cometeram pecados graves, mas eu, graças a Deus, nunca fiz nada disso'. Essa pessoa, portanto, acredita que, por pensar que não cometeu tais pecados, não precisa de sofrer. Mas eu digo que é precisamente pelo fato de essa pessoa tentar fazer o bem que Deus lhe enviará provações e permitirá que ela seja escarnecida, desprezada e que a sua piedade seja ridicularizada, porque Deus quer pô-la à prova enviando-lhe doenças e tribulações. Olhai para Jesus Cristo, verdadeiro modelo da vossa vida, e vede se Ele viveu um único momento sem sofrer, e, de fato, sofrendo tanto que a mente humana ainda não o conseguiu compreender. Por que os fariseus o perseguiram e tentaram continuamente enredá-lo, para terem um motivo para o condenarem à morte? Fizeram tais coisas porque pensavam que Ele estava errado? De modo nenhum; fizeram isso porque os seus milagres, a sua pobreza e humildade condenavam o seu orgulho e as suas más ações. Se olharmos para as Sagradas Escrituras, veremos que, desde o início do mundo, o sofrimento, o opróbrio e o escárnio foram a parte destinada aos filhos de Deus - isto é, daqueles que se esforçaram por levar uma vida temente a Deus. 

Quem realmente pode escarnecer ou censurar aqueles que cumprem os deveres da sua religião, senão um pobre e miserável proscrito do inferno, que foi enviado a esta terra com o propósito de tentar atrair outros para o abismo, que é a sua morada para toda a eternidade? Deixai-me dar-vos alguns exemplos. Por que Caim matou o seu irmão Abel? Ele o matou porque não conseguiu induzi-lo a fazer o mal, como ele próprio o fazia. Por que os irmãos de José o atiraram numa cisterna? Porque a sua vida temente a Deus era uma vergonha para o próprio modo de vida dissoluto deles. Qual foi a causa das perseguições aos Apóstolos, continuamente presos, torturados e maltratados, de modo que a sua vida, a partir da morte de Nosso Senhor, foi um martírio contínuo? Todos eles tiveram de morrer de uma maneira muito cruel e dolorosa. E o que eles tinham feito para sofrerem tudo isso? Tinham procurado apenas a honra do Senhor e a salvação das suas almas. Se fordes censurados, ridicularizados, escarnecidos, perseguidos, embora não tenhais feito nada de mal, tanto melhor para vós. Se não tiverdes de passar por nenhum sofrimento neste mundo, como então vos achareis diante o Senhor no dia do julgamento?

Pois então, se fordes perseguidos, ridicularizados e feridos, embora nada tenhais feito de mal, estareis com certeza no caminho certo para o Céu. O que o Salvador nos disse? 'Tomai a vossa cruz e segui-me; perseguiram-me a mim, perseguir-vos-ão também a vós; mas não desanimeis, antes alegrai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus. Pois quem não estiver disposto a sofrer tudo, até perder a vida por amor a mim, não é digno de mim'. Amém.

quarta-feira, 19 de julho de 2023

SERMÕES DO CURA D'ARS (XI)

 SOBRE A NOSSA ALMA

'Aproximando-se ainda mais, Jesus contemplou Jerusalém e chorou sobre ela' (Lc 19,41)

Quando Jesus estava prestes a entrar na cidade de Jerusalém, chorou sobre ela, dizendo: 'Se ao menos tivesses compreendido a graça que te trago, e dela tivesses tirado proveito, ainda terias obtido o perdão; mas não, a tua cegueira foi tão longe que todas essas graças serviram apenas para te endurecer e aumentar a tua desgraça; mataste os profetas e os filhos de Deus, e agora chegarás ao ápice dos teus crimes, matando o próprio Filho de Deus'. Foi isso, meus caros amigos, que fez com que Jesus derramasse copiosas lágrimas quando estava prestes a entrar na cidade. Na calamidade assim anunciada, Ele previu e deplorou a perda de tantas almas, muito mais culpadas, porque favorecidas com muito mais graças, do que a de outros judeus. O que o comoveu profundamente foi o fato de que, apesar dos seus méritos e da sua amarga paixão, que teriam sido suficientes para redimir mais de mil mundos, a maior parte da humanidade se perderia. De fato, mesmo entre nós, Ele percebeu aqueles que desprezam as suas graças e as utilizam apenas para a sua própria destruição. Quem não tremeria, ao pensar seriamente que pode perder a sua alma? Estaremos nós, porventura, entre o número desses infelizes? Estaria Jesus Cristo a referir-se a nós quando, em lágrimas, disse: 'Se a minha morte e o meu sangue não servirem para a vossa salvação, despertarão a ira eterna de meu Pai, que cairá sobre vós por toda a eternidade!': Deus perdido, uma alma condenada, o Céu rejeitado...

É concebível, meus amigos, que, apesar de tudo o que Jesus fez pela salvação da nossa alma, possamos ser tão indiferentes? Com o propósito de expulsar esta indiferença dentre nós, deixem-me tentar mostrar-vos: (i) o que é uma alma; (ii) o que custa nossa alma a Jesus Cristo; (iii) o que o demônio faz para perder a nossa alma.

I

Meus caros amigos, se apreciássemos realmente o valor da nossa alma, com que cuidado e zelo não a tentaríamos salvar! Mas nunca compreendemos realmente o seu valor. Mostrar o grande valor de uma alma é impossível ao homem mortal. Só Deus conhece as belezas e perfeições com que adornou uma alma. Deixai-me dizer-vos que Deus criou o céu e a terra, e tudo o que eles contêm, e todas estas maravilhas foram criadas para o benefício da alma. O nosso catecismo dá-nos uma indicação da magnificência da alma. Se perguntardes a uma criança: 'O que é que se entende quando se diz que o homem é uma criatura cuja alma é feita à imagem e semelhança de Deus?', ela responderá: 'Que a alma, como Deus, possui as faculdades de raciocinar, de amar e de agir por sua livre vontade'. Este, meus amigos, é o maior testemunho das qualidades com que Deus adornou a alma, que foi criada pelas três pessoas da Santíssima Trindade à sua própria semelhança. Um espírito semelhante a Deus, capaz de reconhecer, para toda a eternidade, as sublimidades e as perfeições de Deus; uma alma que é objeto do amor das três pessoas divinas, uma alma capaz de adorar Deus em todas as suas obras; uma alma cujo destino será cantar os louvores do Todo-Poderoso; uma alma que tem liberdade nas suas ações, de modo a poder dar o seu afeto e o seu amor onde quiser. Ela é livre para amar a Deus ou não amá-lo, mas quando tem a sorte de se voltar para Deus em amor, então o próprio Deus parece se comprazer em fazer a vontade de tal alma. Podemos mesmo afirmar que, desde a criação do mundo, nunca houve nada recusado a uma alma se ela se entregasse inteiramente ao amor de Deus. Deus incutiu em nossas almas desejos que não encontram sua gratificação neste mundo. Dai a uma alma todas as alegrias e tesouros deste mundo, e ela não ficará satisfeita, pela simples razão de que Deus criou a alma para si. Só Ele é capaz de satisfazer todos os seus desejos.

Sim, meus amigos, a nossa alma é capaz de amar a Deus, e só o amor de Deus constitui a sua felicidade. Se o amamos, todos os bens e prazeres que podemos desejar na terra ou no céu são nossos. Além disso, somos capazes de servir a Deus, isto é, de o glorificar nas nossas obras e ações. Não há nada, até a mais insignificante ação, pela qual não seja possível glorificarmos o Senhor, desde que a façamos por amor a Ele. As nossas ocupações na Terra são diferentes das ocupações dos anjos no Céu apenas na medida em que ainda não podemos contemplar o Senhor com os nossos olhos humanos, mas apenas com os olhos da fé. Nossa alma é tão nobre, adornada com tão belas qualidades, que Deus confiou cada alma aos cuidados de um príncipe de sua casa celestial, a um anjo da guarda. A nossa alma é tão preciosa aos olhos de Deus que, na sua sabedoria, Ele não poderia encontrar alimento mais digno para ela do que o seu próprio corpo divino, do qual a alma pode participar como o seu pão cotidiano, se assim o desejar. Santo Ambrósio diz que Deus estima tanto a nossa alma, que, se houvesse uma só alma no mundo, não teria considerado demasiado grande sacrifício morrer por essa alma. Disse a Santa Teresa: 'Tu és tão agradável a mim que, se não houvesse um céu, eu teria criado um só para ti'.

'Ó corpo, como és feliz!' - exclama São Bernardo - 'por abrigar uma alma adornada com tão belas graças!' A nossa alma é algo tão grande e tão precioso, que só Deus é maior do que ela. Um dia, Deus mostrou uma alma a Santa Catarina. Achou-a tão bela que exclamou: 'Oh, meu Senhor, se a minha fé não me ensinasse que só há um Deus, eu acreditaria que esta alma é outro Deus. Agora compreendo que tenhas morrido por uma alma tão bela!' A nossa alma, meus caros amigos, será tão imortal como o próprio Deus. Podemos, pois, admirar-nos que Deus, conhecendo tão bem o valor de uma alma, chore lágrimas tão amargas pela perda de uma alma assim?

II

Agora, consideremos quanto cuidado devemos empregar para preservar em nossa alma suas grandes belezas. Ó, meus amigos, Deus está tão triste com a perda de uma alma, que até chorou por ela. Já nos seus profetas, Ele chora e lamenta a perda de almas. Podemos ver isso claramente na pessoa do profeta Amós. O profeta diz: 'Quando me retirei para a solidão e meditei no número terrível de crimes que o próprio povo de Deus cometia todos os dias, e quando vi que a ira de Deus estava prestes a descer sobre eles, e que o abismo do inferno estava prestes a abrir-se e a devorá-los, então reuni-os e disse-lhes, com lágrimas amargas: Ó, meus filhos, sabeis qual é a minha ocupação, de dia e de noite? É lembrar-me, na amargura do meu coração, de todos os vossos pecados. Se adormeço de cansaço, desperto imediatamente e grito, com os olhos banhados em lágrimas e o coração dilacerado pela dor: Ó, meu Deus, meu Deus! Há ainda alguma alma em Israel que não Te ofenda? E então, com a mente cheia deste triste e deplorável estado de coisas, falo com o Senhor e, suspirando amargamente na sua presença, digo: Ó, meu Deus, que devo fazer para obter o perdão para eles? E agora ouve o que o Senhor me disse: Profeta, se queres obter o perdão para este povo ingrato, vai às suas ruas e lugares públicos e deixa-os ressoar com as tuas lamentações; vai às lojas dos comerciantes e às oficinas; vai aos tribunais; vai às casas dos ricos e às cabanas dos pobres, diz a todos, onde quer que os encontres dentro ou fora das portas da cidade: Ai de vós, ai de vós, que pecastes contra o Senhor'.

O profeta Jeremias, caros irmãos, vai ainda mais longe. Para nos mostrar como a perda de uma alma é dolorosa para Deus, ele exclama num momento em que foi inspirado pelo espírito de Deus: 'Ah, meu Deus, que será de mim? Confiaste aos meus cuidados um povo rebelde, uma nação ingrata, que não vos ouve nem se sujeita à vossa tua orientação. Que hei de fazer? Que resolução hei de tomar?' E o Senhor respondeu-me: 'Para lhes mostrar como me entristece a perda das suas almas, toma o teu cabelo, arranca-o da tua cabeça e atira-o para longe de ti, porque os pecados deste povo obrigaram-me a abandoná-lo, e a minha cólera acendeu-se no mais íntimo das suas almas'. Quando a ira de Deus se acende por causa do pecado, essa é a maior doença do coração. 'Mas, ó Senhor' - disse o profeta - 'que farei eu para vos induzir a desviar do vosso povo o vosso olhar irado? 'Toma um saco como vestimenta' - disse-me o Senhor - 'espalha cinzas sobre a tua cabeça e chora sem cessar e em tal abundância que as tuas lágrimas cubram o teu rosto, e chora tão amargamente que os pecados deles sejam afogados nas tuas lágrimas'.

Percebem, queridos irmãos, como é dolorosa a perda das vossas almas para Deus? Vedes como somos miseráveis quando destruímos uma alma que Deus amou tanto que Ele, quando ainda não tinha olhos para chorar, pediu emprestados os olhos do profeta para derramar lágrimas amargas pela sua perda. O Senhor diz pelo seu profeta Joel: 'Chorai a perda das almas, como uma jovem esposa que acaba de perder o marido, que era a sua única consolação, e que está exposta agora a toda a espécie de desgraças'. Se considerarmos então o que custou a Cristo salvar as nossas almas; se considerarmos toda a sua vida, desde o seu humilde nascimento até o seu último suspiro no Calvário, todo este sofrimento de um Homem-Deus, infinito em valor, dir-nos-á o valor da nossa alma, porque tudo o que Ele fez foi redimir essa alma, foi pagar o preço pelas nossas almas.

III

Santo Agostinho nos pergunta: 'Quereis saber quanto vale a vossa alma? Ide perguntar ao diabo e ele vos dirá. O demônio anseia tanto pela nossa alma que, mesmo que vivêssemos quatro mil anos, se depois desses quatro mil anos de tentação nos conseguisse conquistar, consideraria o seu trabalho bem feito'. Este santo homem, que sofreu as tentações do demônio de uma forma tão especial, diz-nos que a nossa vida é uma tentação contínua. O próprio demônio disse um dia, pela boca de um possesso, que enquanto houvesse um homem na terra, ele estaria lá para o tentar. Porque, dizia ele, não posso suportar que os cristãos, mesmo depois de tantos pecados, possam ainda esperar o céu que perdi de uma só vez, sem nunca mais o poder recuperar.

Mas, infelizmente, sim, podemos experimentar em nós mesmos que, em quase todas as nossas ações, somos tentados, seja pela soberba, seja pela vaidade, seja por pensar na opinião que os outros farão de nós, seja por conceber a inveja, o ódio, o desejo de vingança... Outras vezes, o demônio vem até nós para nos apresentar as imagens mais imundas e impuras. Vede como, quando rezamos, ele agita o nosso espírito, transportando-o de uma parte para outra. E, além disso, desde Adão até nós, não encontrareis um santo que não tenha sido tentado de uma forma ou de outra; e os maiores santos foram precisamente aqueles que experimentaram as maiores tentações. O próprio Jesus Cristo quis ser tentado, para nos dar a entender que também nós seríamos tentados: é necessário, portanto, que tenhamos consciência disso. Se me perguntardes qual é a causa das nossas tentações, responder-vos-ei que é a beleza e o valor da nossa alma, que o demônio ama e deseja tanto que se contentaria em sofrer dois infernos, se necessário, para a poder arrastar com ele para partilhar as suas penas.

Devemos, pois, estar sempre vigilantes, com medo de que, no momento menos esperado, o demônio nos possa enganar. Para repelir as tentações, diz-nos Santo António, devemos usar as mesmas armas do demônio: assim, quando ele nos tenta com a soberba, devemos logo humilhar-nos e rebaixar-nos diante de Deus; se nos quer tentar contra a santa virtude da pureza, devemos esforçar-nos por mortificar o nosso corpo e os nossos sentidos, vigiando-nos mais do que nunca. Se nos quiser tentar com aborrecimentos na hora da oração, devemos redobrar as nossas orações e prestar mais atenção; e quanto mais o demônio nos induzir a abandonar as nossas orações habituais, tanto mais perseveramos em rezá-las. 

Se vemos então o que o demônio faz para destruir a nossa alma, então a nossa alma deve ser muito valiosa, se ele usa todas as suas forças para a destruir. Não vamos, no entanto, debruçar-nos sobre este triste quadro. Basta saber que ele é o nosso maior inimigo, que devemos lutar contra ele e que, com a graça de Cristo, podemos vencê-lo. Como são verdadeiras, portanto, as palavras da Escritura: 'Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?' Ó amados irmãos, o conhecimento do valor da vossa alma deve levar-vos a guardá-la como o vosso maior tesouro. Não permitais que o pecado a manche ou destrua. Como sabeis que o pecado causará a perda da vossa bela alma, guardai-a, e que esta seja a vossa resolução nesta manhã, não só para evitar todo o pecado mortal, mas também todo o pecado venial voluntário, de modo a salvar a vossa alma para o Céu, e permitir que ela alcance o seu destino, o seu lar, e a sua recompensa, a visão eterna da grande glória de Deus. Amém.

quarta-feira, 24 de maio de 2023

VERSUS: ORAÇÃO PELO CÉU X ORAÇÃO CONTRA O INFERNO


Oração para obter o paraíso 

Meu Jesus Crucificado, fazei-me conhecer as magníficas recompensas que tendes preparadas para as almas que Vos amam. Dai-me tal desejo do paraíso que, esquecendo a terra, faça nele a minha morada contínua e, pelo resto da minha vida, não aspire senão a sair deste exílio, para ir Vos ver face a face e Vos amar perfeitamente no Vosso reino eterno. Não mereço esta felicidade, sei até que o meu nome esteve outrora escrito no livro dos condenados ao inferno; mas hoje, porque nutro a confiança de estar em graça, Vos conjuro, pelo sangue que derramastes por mim na cruz, inscrevei-me no Livro da Vida. Morrestes para me fazer adquirir o paraíso; eu o quero, ardentemente o desejo, e espero obtê-lo pelos Vossos merecimentos, ó meu Salvador; sim, espero Vos amar um dia com todas as minhas forças e consumir-me todo de amor para convosco; lá, esquecendo-me de mim mesmo e esquecendo-me de tudo o que não é vosso, pensarei somente em Vos amar, só Vos desejarei amar, e nada mais farei do que amar-Vos. Ó meu Jesus, quando chegará esse dia feliz? Ó Maria, Mãe de Deus, as vossas orações devem-me abrir o paraíso: já que sois a minha advogada, cumpri o vosso ofício, tirai-me deste exílio e conduzi-me a Jesus, fruto bendito do vosso ventre. Amém.


Oração para evitar o inferno 

Amadíssimo Jesus, meu Salvador e Juiz, quando vierdes a me julgar, por piedade não me condeneis ao inferno. Nessa negra prisão, não vos poderia amar, mas odiar-vos sempre; como, porém, odiar-vos, se sois tão amável e tanto me haveis amado? Se quereis condenar-me ao inferno, concedei-me ao menos a graça de vos amar de todo o meu coração. Não mereço esta graça por causa dos meus pecados; mas, se não a mereço, para mim a merecestes pelo sangue que derramastes com tanta dor na cruz. Numa palavra, ó meu divino Juiz, infligi-me todas as penas que quiserdes, mas não me priveis da faculdade de vos amar. Mãe do meu Deus, vede o perigo que corro de ser condenado e não poder mais amar o vosso Filho adorável que merece um amor infinito. Vinde em meu socorro e tende compaixão de mim. Amém.

(Excertos da obra 'As Mais Belas Orações de Santo Afonso', do Pe. Saint-Omer)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

PALAVRAS ETERNAS (XIV)

'trabalhai na vossa salvação com temor e tremor' (Fl 2,12)


'de que adianta um homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua alma? (Lc 9,25)

Só uma coisa interessa no homem que morre: se está ou se não está na graça de Deus. A morte é o abismo infinito entre DEUS e o NADA

A ciência mais acabada
é a que o homem em graça se acabe,
porque no fim da jornada,
aquele que se salva, tudo sabe;
e o que não se salva, nada sabe.

Nesta vida emprestada,
fazer o bem é o que nos cabe:
aquele que se salva tudo sabe;
e o que não, não sabe nada.

(poemeto atribuído ao autor espanhol Ramón de Campoamor, tradução do autor do blog)

quinta-feira, 7 de julho de 2022

O CÉU É UM LUGAR


Céu significa o lugar e, especialmente a condição, de suprema bem-aventurança (felicidade). Se Deus não tivesse criado corpos, mas unicamente puros espíritos, o Céu não teria de ser um lugar; seria apenas como o estado dos anjos, que se regozijam em Deus.

Mas, na verdade, o Céu é também um lugar. Lá encontramos a humanidade de Jesus, a bem-aventurada Virgem Maria, os anjos e as almas dos santos. Embora não possamos dizer com certeza onde se encontra esse lugar, ou qual é a sua relação com o Universo, a revelação não nos permite duvidar da sua existência (Um espírito puro pode estar em um lugar apenas na medida em que exerce uma ação num corpo naquele lugar, mas de si mesmo o espírito vive numa ordem superior à do espaço).

A Igreja ensina como doutrina da Fé, definida pelo Papa Bento XII: 'as almas de todos os santos estão no Céu antes da ressurreição dos corpos e do Julgamento Final. Eles veem a essência divina por uma visão que é intuitiva e facial, sem a intermediação de qualquer criatura. Por causa desta visão na qual desfrutam da essência divina, eles são verdadeiramente bem aventurados), têm a vida eterna e o repouso eterno'.

O Concílio de Florença diz que as almas em estado de graça, depois de purificadas, entram no Céu, veem Deus trino como Ele É em Si mesmo, mas com um grau maior ou menor perfeição, de acordo com os seus méritos durante a vida terrena.

(Excertos da obra 'Life Everlasting', do Pe. Garrigou-Lagrange)

terça-feira, 15 de março de 2022

A FÉ EXPLICADA: PODEMOS FICAR ENTEDIADOS NA ETERNIDADE DO CÉU?


Não, uma alma eleita não pode, nem na mais remota circunstância, ficar 'entediada' das glórias celestes ou da Visão Beatífica. Isso é algo tão absurdo, mais absurdo do que pretender colocar as águas de todos os oceanos da terra em um único e simples copo. Porque Deus de Deus, Luz da Luz - a onipotência divina - não é passível de mensuração pelo tempo, pela percepção de sentidos exteriores, pela miserabilidade da natureza humana.

Deus não pode entediar as almas dos eleitos - porque é Deus. E, em Deus, não existe amplitude, existe plenitude. E, à falta dessa percepção e esmagados pelo furor da deusa razão, os homens mensuram Deus e as coisas de Deus, incluindo o conhecimento, o amor ou a onipotência, sob a ótica humana de um deus de finitude provável. Sob a tutela desse diapasão, constroem então uma ideia falsificada e infantil da eternidade como sendo um tempo sem fim. Eternidade não é um tempo sem fim.

A eternidade não é uma medida de tempo que passa. Se fosse isso, não seria eternidade e Deus não seria Deus. Eternidade é um atributo de Deus e, tal como Deus, não teve início e nunca terá fim. Este conceito, aplicado aos homens, assume um atributo humano adicional - de circunstância. A minha eternidade - ou a eternidade de qualquer homem - teve um início definido (o momento da incorporação de uma alma ao meu corpo nascituro) e jamais terá fim. 

Quando, pois, nos tornamos inseridos na eternidade de Deus, somos eternos de um Deus eterno, infinitamente imutável. Não há um tempo que passa, mas um atributo que não passa. A eternidade com Deus é o momento sublimado da graça - 'coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam' (I Cor 2,9) e infinitamente imutável - o perpétuo momento.

Não há no Céu 'momentos'; não há no Céu dias e noites, manhãs de inverno ou noites de verão. Não há nas moradas eternas um dia que a alma possa estar 'assim' e um outro dia em que ela possa estar 'não bem assim'. A plenitude divina não pressupõe 'mais' ou 'menos', nem 'pouco' ou muito': é tudo, sempre, sempre, sempre. A santidade plena aniquila por completo a necessidade ou a possibilidade de quaisquer estímulos exteriores ou de quaisquer manifestações do que seriam 'vontade' ou 'pensamento'. 

No perpétuo momento, a alma está saciada infinitamente de Deus e em Deus, em todas as suas aspirações, em todas as suas vontades, em todos os seus pensamentos, em todos os seus atributos, em todas as suas necessidades. No momento perpétuo, Deus está presente em plenitude na alma, preenchendo todas as suas dimensões, espaços, tempos e aspirações, em Verdade, Conhecimento, Justiça e Caridade. E também e principalmente em Amor, Amor de eternidade.

terça-feira, 28 de março de 2017

BREVIÁRIO DIGITAL - AS VISÕES DE TONDAL (V/Final)

A experiência além da morte de uma alma medieval percorrendo o Céu, o Inferno e o Purgatório, guiada pelo seu Anjo da Guarda.

VISÕES DE TONDAL - PARTE V/Final


Deslocando-se ainda na parte do Purgatório destinada à expiação dos pecados dos 'bons que não foram na terra perfeitamente bons', o anjo e  alma de Tondal se defrontam com as almas de dois antigos reis irlandeses - Cantúbrio e Donato - antes inimigos e agora juntos no convívio após a morte. Ambos se salvaram; o primeiro porque, após uma grave doença, tornou-se um monge e o segundo, por ter doado todos os seus bens aos pobres. Embora salvos, ainda não merecem o Céu e, assim, a cada dia, são submetidos a 21 horas de bem estar e felicidade e a outras 3 horas de purgação.


O Paraíso é um lugar de alegria e tranquilidade, em que a alma de Tondal, acompanhada pelo Anjo, percorre em escala hierárquica crescente de graças e privilégios. O Paraíso é cercado por três grandes muros, cada um mais grandioso que o outro, feitos de prata, ouro e pedras preciosas, nesta sucessão. Num dos espaços após o primeiro muro, envolvidos por cantos melodiosos e jardins floridos, encontram-se as almas dos castos e dos casados que permaneceram puros, todos felizes e trajando roupas brancas, sinal da retidão e da prática cristã no sacramento do matrimônio, vivido com desvelo e fidelidade.



O Muro de Ouro é o lugar de morada dos religiosos e dos grandes construtores da Igreja e da civilização cristã, dos monges e dos missionários, dos sacerdotes e dos santos que, superando os limites dos valores mundanos, alcançaram graças extraordinárias e avançaram firmemente na fé e na caridade cristã. Para eles, estão destinadas especialmente as moradas eternas, onde recebem toda sorte de gozo e de alegrias sem fim.



No nível mais alto do Paraíso, a alma de Tondal encontra-se diante o Muro de Pedras Preciosas, a mais bela e grandiosa das muralhas celestes, lugar do descanso eterno reservado às nove ordens de anjos (serafins, querubins, dominações, tronos, principados, potestades, virtudes, anjos e arcanjos), aos patriarcas e profetas da Bíblia, aos pais da Igreja e aos Apóstolos de Jesus. Além desse muro, a alma de Tondal não pode adentrar e, assim, ela deve retornar ao corpo do cavaleiro, para que ele possa renascer espiritualmente a partir da sua fantástica experiência além da morte.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

BREVIÁRIO DIGITAL - AS VISÕES DE TONDAL (IV)

A experiência além da morte de uma alma medieval percorrendo o Céu, o Inferno e o Purgatório, guiada pelo seu Anjo da Guarda.

VISÕES DE TONDAL - PARTE IV


O anjo agora apresenta à alma de Tondal os tormentos que estão reservados aos homicidas e assassinos. As almas destes condenados ao inferno são precipitados numa caldeira de óleo fervente, onde são calcinados até a sua completa liquefação, para novamente emergirem com os seus corpos inteiros e recomeçarem o suplício interminável.


O anjo leva a alma de Tondal para a Cisterna do Inferno, onde os demônios cozinham as almas dos pecadores em um poço em que flui violentamente um turbilhão ascendente de chamas. Para desespero da alma de Tondal, esta se vê sozinha de repente e logo os demônios se apoderam dela para a arrastar à cisterna de fogo, quando o anjo reaparece, então, e liberta a alma de Tondal da ação dos demônios.



Liberado finalmente do inferno, a alma de Tondal é conduzida agora ao Purgatório, lugar de expiação dos pecados daqueles que não puderam alçar ao céu diretamente porque não eram perfeitamente bons e nem condenados ao inferno, porque não eram irreversivelmente maus. Na primeira etapa da viagem, a alma de Tondal se defronta com as almas dos 'maus, mas não irreversivelmente maus', que são mantidas totalmente imobilizadas, como estátuas, em nichos individuais, até se completarem os seus tempos de purgação.



Em seguida, o anjo e a alma de Tondal encontram-se diante de um portal que dá acesso a uma grande pradaria do Purgatório onde expiam os seus pecados 'os bons que não foram na terra perfeitamente bons'. Mergulhados na tristeza de não terem alcançado ainda o céu, as almas destes 'bons ainda não tão bons' se recolhem em silêncio absoluto e em contemplação em torno da fonte da vida.