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sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

O PENSAMENTO VIVO DE SANTA TERESA DE LISIEUX (II)


'Jesus ... trocou a noite da minha alma em torrentes de luz. Ao revestir-me por meu amor da fraqueza e pequenez mortal, encheu-me de fortaleza e coragem; e empunhando assim as suas armas, fui caminhando de vitória em vitória, dando, por assim dizer, princípio a um caminho de gigante'.


'Um dia, no Céu, recordaremos com deleitosa saudade esses dias sombrios do exílio. Sim, os três anos do martírio do nosso pai [doença que causava paralisia e muito sofrimento ao pai da santa] parece-me que são os mais simpáticos e os mais proveitosos da nossa vida e que eu não trocaria pelos êxtases mais sublimes; por isso o meu coração, em presença de tão inestimável tesouro, exclama no auge da gratidão: Bendito sejais, meu Deus, por estes anos de graças que passamos em tanta aflição de espírito'.


'Lá disse um sábio: ‘Dai-me um ponto de apoio, que eu com uma alavanca levantarei o mundo’. O que Arquimedes não conseguiu, conseguiram-no plenamente os santos. Deu-lhes o Todo-Poderoso um ponto de apoio que é Ele mesmo, Ele só; e com a alavanca da oração, que tudo abrasa em incêndios de amor, mexeram e remexeram o mundo; e pelo mesmo processo nessa faina continuam e continuarão até a consumação dos séculos os santos da Igreja Militante'.


'Depois da minha morte, farei cair uma chuva de rosas. ... Sinto que vai principiar a minha missão, a missão que tenho de fazer amar a Deus como eu o amo... de ensinar às almas o meu caminhozinho. Quero passar o meu céu a fazer o bem na terra'
Perguntou-lhe a Madre: 'E que caminhozinho é esse que quer ensinar às almas?'
'Minha Madre, é o caminho da infância espiritual, é o caminho da confiança e do abandono completo nas mãos de Deus. Quero indicar-lhes os pequeninos expedientes, que tão bem me serviram; quero dizer-lhes que a santidade neste mundo se baseia apenas nisto: ofertar a Jesus as flores dos pequeninos sacrifícios e cativá-los a poder de carícias. Assim é que eu o cativei e, por isso, é que hei de obter dele o bom acolhimento que espero'.

(Excertos da obra 'História de uma Alma, de Santa Teresa de Lisieux)

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terça-feira, 24 de janeiro de 2023

A VIDA OCULTA EM DEUS: O AMOR DIVINO IGNORA O CIÚME


A alma interior não intenta guardar para si mesma essa felicidade e anseia por compartilhá-la com os outros. Parece que assim saberia amar ainda mais o seu Deus, o seu 'amigo', se o amasse em união com as outras almas a quem pudesse ter comunicado algumas centelhas do fogo que a consome. O Amor Divino ignora o ciúme humano. Quando é dado, não se apaga, mas se incendeia. É fato que a alma interior não deseja que ninguém no mundo possa amar a Deus mais do que ela; mas se tal acontecer, ela ficará feliz por isso. Quanto mais amado for Deus, mais feliz ela será. A perspectiva de almas mais avançadas do que ela na intimidade divina não faz senão a estimular a um ardor maior. Ela deseja e ora que essas almas amem ainda mais e comunga humildemente desse amor. A sua alegria é oferecer ao 'Amado' o afeto destas almas privilegiadas e ela o ama de todo o coração. 

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'Ficai comigo, Jesus, não me abandoneis; ficai sempre, sempre comigo. Que eu vos possa ter no mais íntimo do meu coração, presente e escondido ao mesmo tempo. Fazei da minha alma um lugar para vosso deleite e vosso repouso, e que eu não vos possa perturbar em nada'. 

'Estarei aos vossos pés, contemplando-vos e amando-vos no silêncio e vos oferecendo todo o pouco que tenho. Reinareis inteiramente sobre mim num reinado que perdura para sempre. Obrigado, meu Deus, por tanta bondade. Não tenho nada a dizer, só quero vos amar; sim, eu vos amo. Sim, gostaria de repetir dia e noite esta frase como sendo a única capaz de vos agradar e ser digna de vós: Eu sou vosso, ó meu Jesus e meu Deus; eu sou inteiramente vosso, ó meu Salvador. Quero tudo o que quiserdes; quero que permaneceis em mim e sejais todo meu, como sendo tudo para mim, cada vez mais para mim e para sempre. Ficai comigo, ó meu Jesus! Uni-me a Vós e em vós me consumais! Divinizai-me!'  

(Excertos e postagem final da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte IV - Fecundidade Apostólica; tradução do autor do blog)

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

A VIDA OCULTA EM DEUS: A LUTA CONTRA O MAL

No mundo espiritual, a alma interior constitui uma força. Ela ama a Deus. E nada é tão forte quanto o amor divino. A alma interior a impõe a quem a conhece como tal e também a quem não a conhece. É uma fonte de energia e nela os mais frágeis são saciados. Os fortes encontram nela meios de se fortalecer ainda mais.

Entretanto, os maus a temem instintivamente. Os demônios fazem guerra contra ela e, muitas vezes, uma guerra cruel. Mas ela sempre triunfa. Além de conseguir rejeitá-los, ela também os derrotam pela mera ação do seu coração unido a Deus. Pode até mesmo expulsá-los daqueles que estão dominados pelo mal. A alma tem em suas mãos, à sua disposição, todos os meios disponíveis aos santos, ao longo dos séculos, para derrotar o mundo, para derrotar o demônio e para derrotar a si mesmos. E embora possa nunca ter ouvido falar sobre tais meios, ela os possui e os utiliza. O Espírito Santo, que a move em todas as coisas, faz com que ela tenha conhecimento deles. E, então, ela fica muito feliz mais tarde ao descobrir que um santo ou mesmo uma alma piedosa utilizou deste mesmo procedimento antes dela para obter a mesma vitória. 

Existe uma harmonia maravilhosa entre as obras de Deus, mesmo que estejam separadas por séculos inteiros. Em todos os tempos, mesmo nos mais sombrios, Deus teve sempre os seus fiéis amigos, os seus intrépidos defensores, os seus valorosos cruzados, para lutar com coragem o bom combate, cada um ao seu modo, dando fortaleza e confiança às almas de boa fé. 

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte IV - Fecundidade Apostólica; tradução do autor do blog)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: MATERNIDADE ESPIRITUAL


Deus dá à alma interior, como sua Esposa, uma verdadeira fecundidade espiritual. Assim, existem algumas almas no mundo que estão unidas a ela e devem nutrir-se dela como uma mãe alimenta os seus filhos. Não é necessário que ela conheça todas essas almas para se encarregar delas diante de Deus. Porém, às vezes, quando Ele julgar conveniente, Deus disporá de tal modo que a mãe e o filho espiritual se conheçam. Este encontro será de uma profunda alegria para ambos, totalmente espiritual e de coração. A alma interior não pode comunicar a vida divina senão do modo como o Pai a comunica ao Filho e o Filho ao Espírito Santo. A carne não possui nenhuma influência porque não há nada aqui para ela. O que nasceu do Espírito é Espírito e assim deve permanecer.

Nas origens das famílias religiosas, há sempre uma alma que vive nos cumes perto de Deus. Os problemas geralmente caem sobre ela em grande número como as gotas de uma chuva tempestuosa ou os flocos de uma tempestade de neve. Mas o amor que ela guarda em seu coração é mais forte do que tudo. E assim, o que seria motivo para a prostrar, a eleva; o que poderia extinguir a sua chama, a impele. O obstáculo torna-se uma solução e a ruína é o começo da prosperidade. Então ela assume toda a sua fortaleza e segue em frente no seu caminho, atraindo e arrastando tudo atrás de si.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte IV - Fecundidade Apostólica; tradução do autor do blog)

sábado, 10 de dezembro de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: AÇÃO SOBRE AS ALMAS

 

O bem se expande espontaneamente. A alma interior, rica em Deus, dá-a a quem sinceramente a pede - a uns mais, a outros menos - segundo a vontade de Deus e as disposições particulares de cada um. Um recebe trinta, outro sessenta, outro cem. Mas todos se nutrem da sua influência benéfica. Ela se dá a todos e dá tudo a todos. O que se tem como certeza é que, do seu afeto sincero, abnegado, desinteressado e sobrenatural, pode-se dizer o que foi dito sobre o amor de uma mãe pelos seus filhos: 'Cada um recebe a sua parte e todos o tem por completo'. Assim como não existe um bem que possa ser comparado a Deus - o Bem absoluto, também não há dádiva comparável àquela que a alma interior distribui a todos aqueles que a ela se dirigem com o coração ávido desse Bem de bens.

A alma interior exerce, com efeito, uma verdadeira atração sobre as outras almas, principalmente sobre aquelas tocadas pela graça. Estas entendem, como que por instinto, que existe uma misteriosa harmonia entre elas e aquela alma privilegiada. Então elas se aproximam dela cheias de confiança e se sentem seguras à sombra dessa alma. Elas estão convictas que podem compartilhar com ela as suas tristezas, os seus medos, os seus desejos e suas esperanças e que, não serão apenas compreendidas - o que já é muito, mas também que serão iluminadas, consoladas, fortalecidas e vivificadas. Em suma, elas encontrarão assim, de uma só vez, tudo o que lhes falta. E isso é verdade. É por isso que uma alma plenamente interior é tão preciosa. E é por isso que, embora escondida na maioria das vezes, ela exerça uma influência tão profunda.

Apesar de pensar pouco em seu próprio interesse e alegremente tenda a se esquecer de si mesma - e talvez até por causa disso - a alma interior vê que todas as coisas convergem para o bem. Tudo o que faz tem frutos bons. Isso é porque a sua vontade, perfeitamente unida à vontade de Deus, tende a se tornar tão eficaz quanto à vontade divina. O que a alma empreende não é para ela, mas somente para Deus e segundo a vontade de Deus. O que ela faz - mais do que ela mesma - é Deus quem faz por meio dela. Por que se surpreender, então, com tantos frutos? Mesmo o que parecem ser perdas aparentes acabam, no final, trabalhando de alguma forma a seu favor. Acontece com ela como seria com Jesus. Na hora em que tudo parece definitivamente perdido é quando, ao contrário, tudo está definitivamente alcançado. Da morte provém a vida e, da humilhação, obtém-se a glória. A última palavra é sempre proferida pelos amigos de Deus.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte IV - Fecundidade Apostólica; tradução do autor do blog)

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: PODER DA ALMA NA AÇÃO E NO SILÊNCIO


O amor que consome a alma interior por dentro manifesta-se externamente pela riqueza, abundância e perfeição das suas obras. A alma interior é serena e pacífica, mas não inativa. Onde quer que esteja, o amor atua. Quanto mais forte, mais poderosa é a sua ação. Ela deseja ardentemente o bem de Deus e trabalha incansavelmente para alcançá-lo. Mesmo privada dos meios ordinários de ação, que são a palavra e as obras, ela continua a atuar, sempre com mais eficiência do que nunca. Ela se recolhe em oração, no sofrimento e no despojamento, e tudo isso em harmonia.

Deus transforma a madeira qualquer em uma flecha que atinge o seu objetivo. Ilumina aqueles que não o conhecem e conforta aqueles que não pensam nele. No silêncio, sem rumor e muitas vezes ignorado, Ele comunica a vida, a verdadeira vida - aquela que não tem fim. Por que se surpreender com essa ação oculta e o seu poder? O amor uniu a alma interior a Deus. Deus lhe deu prometeu tudo e tudo é doar-se a si mesmo. Ele se faz seu prisioneiro e seu cativo. Mas, dando-se e entregando-se assim, nada perde do seu poder e grandeza, e continua sendo sempre o bom Deus, constantemente ocupado em fazer o bem às suas criaturas. 

E da mesma forma que Deus e a alma interior possuem os mesmos gostos e sentimentos, também manifestam igualmente o desejo e o poder de fazer o bem. É claro que Deus poderia agir diretamente por si mesmo nas almas; mas Ele prefere não ser apenas o artesão, mas também o cinzel. Pode então a alma experimentar algo mais belo e mais suave do que comungar conscientemente da ação santificadora de Deus? 

Como é bom, ó meu Deus, vos servir com mãos cheias! Nada pode ser mais belo para a alma interior do que experimentar essa união íntima com Deus, numa posse mútua e completa. Pode-se dizer que entre Deus e a alma existe a mais perfeita igualdade, uma afeição de pura identidade, não na ordem do ser, mas na ordem do amor. A alma sente o poder divino e a bondade divina. Na união íntima com Deus, e como uma única vontade, ela busca comunicar aos outros tanta riqueza e felicidade. Mas tudo é regulado pela sabedoria da Divina Providência Não compete à alma a livre escolha dos amigos de Deus. O seu ofício consiste em ir ao encontro deles e, ao reconhecê-los, transferir por Vós e convosco, ó meu Deus, os imensos tesouros do vosso amor.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte IV - Fecundidade Apostólica; tradução do autor do blog)

sábado, 12 de novembro de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: A AÇÃO DA ALMA UNIDA A DEUS


Toda alma que vos ama, ó meu Deus, é uma alma forte e a sua força aumenta com o amor. Quando ela vos ama com todo o coração, o seu coração se alarga e a sua força torna-se então um verdadeiro poder. Como isso acontece, ó meu Deus? Pela força do amor. Quanto mais profundo for este amor, mais íntima e perfeita será a união entre Deus e a alma.

Vós sois um Deus onipotente. Tudo está sujeito ao vosso poder: céu e terra, anjos e homens. Nada acontece no mundo sem a vossa expressa permissão; uma nação não pode desaparecer e nem pode morrer um pássaro qualquer sem que Vós o permitais. Pois bem, a alma intimamente unida a Deus pela força do amor compartilha desta força divina e deste poder. Torna-se para as demais uma fonte de energia e de fortaleza. Ela orienta e as outras acolhem; exorta e é correspondida; caminha e faz seguidores; eleva-se e eleva as outras às alturas da graça. O que dá um encanto especial a esta alma é a suavidade da graça e a fortaleza da sua resposta. Vós, ó meu Deus, tudo fazeis com doçura e firmeza - suaviter et fortiter.

Todas as ações desta alma interior são medidas, ponderadas, equilibradas, coerentes. Ela fala quando é conveniente falar; permanece em silêncio quando é melhor ficar em silêncio. Segue em frente quando é preciso; mas, outras vezes, se retrai e se recolhe silenciosamente sem que os outros percebam. E assim em tudo. É isso que lhe confere um encanto especial. Ela possui um zelo próprio, moldado, burilado, quase perfeito, que nos extasia. Não possui nada além e, no entanto, nada lhe falta. É um fruto maduro e atraente, agradável à vista e ao paladar, pois possui alguma coisa de divino. Porque Deus faz bem todas as coisas.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte IV - Fecundidade Apostólica; tradução do autor do blog)

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: FECUNDIDADE DA CRUZ

A vossa Esposa, ó meu Deus, domina o mundo das planuras do vosso amor. Mas tal dominação não tem nada de dureza ou tirania. É tudo bondade e somente bondade. Esta alma foi graciosamente elevada acima das outras. Ela sabe disso e vê isso tão claro quanto o dia e disso nunca se esquece. Ao contemplar as coisas de cima e muito longe, compreende que é para poder iluminar os que ainda se encontram na escuridão e para levar até Vós os que se podem extraviar. Se vive nos cumes e tão perto do céu, é para elevar aqueles que ainda estão presos ao chão ou que estão ameaçados de ser engolidos pelo mar. Vós assim o quisestes, ó divino Salvador Jesus; uma vez elevado à Cruz, atraístes tudo para Vós e cada alma unida a Vós pelo amor eleva o mundo inteiro.

De onde vem esse poder sobre as almas e sobre o mundo? Sem dúvida do amor, mas daquele amor que se alimenta de sacrifícios. É preciso dizer: a vocação à vida interior profunda é uma vocação ao martírio. Com efeito, a alma chamada por Deus não deve apenas passar pelas duras reformulações de sua sensibilidade, pela ainda mais dolorosa impotência de suas faculdades superiores ou ter sido forçada, apesar de si mesma, a renunciar ao seu modo de agir normal e natural; mas padecer sempre novas imolações, não tanto para si mas mais pelos outros. 

Ela sofre por não ser capaz de amar a Deus como Ele merece ser amado. Ele sofre ao vê-lo tão pouco conhecido e tão pouco amado. Ainda mais: ela sente o mundo e os seus pecados pesando sobre ela com todo o seu peso. O mistério da agonia e da cruz é renovado nela e ela dele comunga na medida do seu amor. A sua vida, como a de Jesus, tende a ser 'cruz e martírio'. Mas é preciso dizer também: é um martírio amado. Que prova melhor de afeição se pode dar a Jesus e aos seus irmãos do que essa? Onde encontrar uma prova de amor mais autêntica? E o fruto da caridade é a alegria, uma alegria totalmente espiritual, servida no mais íntimo da alma e compatível com a dor sublime, que então se torna como a sua fonte. O que Jesus não sofreu na Cruz! E ainda (para não falar da visão beatífica), qual não deveria ter sido a sua alegria em glorificar ao Pai e salvar os seus irmãos pelos seus sofrimentos! Mistério profundo, é verdade, mas como ilumina o sofrimento das almas esposas e vítimas, e como permite vislumbrar as dores da sua Mãe -  Nossa Senhora das Dores!

É por isso que essa alma atrai o Rei dos Reis e o cativa. Ele se encanta por se encontrar nela e poder fazer com que os homens nela se beneficiem com os frutos de sua imolação! Trata-se como uma renovação aparente das alegrias do Calvário, uma vez que os seus sofrimentos não podem ser renovados. E uma vez que esta alma compreende tão bem os seus desejos e realiza tão bem as suas vontades, por que não deveria Ele, por sua vez, cumprir todos os desejos de sua Esposa? Pois é exatamente isso o que acontece. Deus coloca todos os seus tesouros à disposição da alma interior. A alma pode tirar deles o que quiser e distribuí-los como quiser. 

Por causa da profunda harmonia que existe entre ambos, não há nenhum temor de conflito nessa união. Se fosse necessário, Jesus saberia fazer a alma entender intimamente que tal atividade não corresponde aos seus planos e, então, a alma haveria de renunciar a ela imediatamente, sem pensar mais nisso. A alma é verdadeiramente realeza. Ela possui todas as coisas sob o seu domínio, as mantém sob controle e tem a percepção de que participa ativamente da vossa monarquia universal, ó meu Jesus, e a tudo dirige juntamente convosco e para vós com um único propósito: a glória da Santíssima Trindade. A partir daí, nada pode assustá-la e nem perturbá-la no íntimo. Ela não apenas sabe e crê, mas, de certa forma, também vê e compreende como todas as coisas se movem para a vossa glória, ó meu Deus, e para o bem daqueles que vos amam: 'Deus faz com que todas as coisas cooperem para o bem daqueles que o amam' (Rm 8, 28), até mesmo os seus pecados, como acrescenta Santo Agostinho. Os filósofos sonharam encontrar, através do pensamento, a ordem do mundo para contemplá-la; a alma unida a Vós, ó meu Deus, a contempla sem nenhum esforço e de muito mais alto.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte IV - Fecundidade Apostólica; tradução do autor do blog)

sábado, 22 de outubro de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: A UNIÃO ESTÁ NA CRUZ


Os sinais da afeição de Deus assumem duas formas muito distintas: ou podem ser agradáveis ​​e muito suaves ou então dolorosos e excruciantes. Deus eleva a alma e depois a rebaixa; primeiro a sublima e depois a aniquila. Mas sempre em união a Ele. Sim, apesar das aparências em contrário, mesmo nas fases de provação Deus e a alma estão unidas profundamente. E não falamos aqui apenas nas provações purificadoras da alma, prelúdio obrigatório da união, mas sobretudo naquelas dores redentoras que a alma experimenta muitas vezes quando alcança uma união transformadora e perfeita. 

Há neste caso uma comunhão real com os sofrimentos de Jesus Crucificado. E esta união é tanto mais intensa quanto maiores e mais profundas são as dores. Como explicar esse mistério? Parece que São Paulo nos dá a resposta quando afirma: 'estou crucificado com Cristo'. União no sofrimento e no amor! A alma interior está verdadeiramente pregada na Cruz com Jesus, e como que pelo próprio Deus! É que quanto mais querida uma alma é ao Coração do Pai, mais Ele quer que ela seja a imagem viva de seu Filho amado. Daí o cuidado de a manter sempre na Cruz, de modo a fazer compreender, de maneira viva, que o Amor não é amado e que a própria alma interior ainda não lhe oferece todo o amor de que seria capaz.

Mais ainda: dá a entender à alma que Ele, a suma Verdade, não é conhecido e que a própria alma interior não o contempla com a devida grandeza. Então a alma sente que o seu coração se livra da dor e se deleita de uma alegria secreta inefável. É a alegria da caridade terrena, sem dúvida imperfeita se a compararmos com a alegria do céu, mas muito superior que toda a felicidade da terra. Sim, o sofrimento que se aceita humildemente nos une a Deus. Diríamos que essa união é como uma mortalha de aço que nos envolve primeiro com toda a dureza, mas que nos acalenta e nos comprime a alma cada vez mais suavemente ao Coração de Deus. A amargura diminui continuamente; a alegria aumenta sempre e a união torna-se cada vez mais íntima com cada nova dor acolhida; se nem sempre é tão sentida, é sempre mais perfeita e profunda. É que para sofrer bem é preciso amar muito e, nessas condições e sob iguais circunstâncias, quanto mais e melhor se sofre, mais e melhor se ama. É por isso que o sofrimento constitui um sinal tão precioso da afeição de Deus.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte IV - Fecundidade Apostólica; tradução do autor do blog)

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: A ALMA INTERIOR É MAIS OU MENOS INCOMPREENDIDA

 

Muitas almas, mesmo as mais piedosas, não compreendem os impulsos da alma interior, o seu verdadeiro estado, o que legitima as suas ações. Devemos nos surpreender com isso? Não mesmo! Para julgá-la com justiça, seria preciso ter um conhecimento muito profundo dos efeitos misteriosos do Amor divino ou padecer os males que a alma padece e isso é muito raro. E o que seria ideal, a união plena da ciência especulativa e experimental, o conhecimento pessoal, é ainda mais raro. Um São João da Cruz, por exemplo, não é dado ao mundo a cada geração de homens. Ainda que fosse, nem todas as almas feridas pelas provações do Amor divino poderiam se submeter a ele como confessor. Elas teriam que conviver com o fato de serem mais ou menos incompreendidas. 

Seria como fazer a seguinte pergunta à alma interior: 'o que o Bem-Amado tem a mais por você do que tem para os outros?' E a alma poderia então responder: 'Não sei como você vê meu Bem-Amado, mas eu o vejo em beleza infinita. Ele possui todas as riquezas, sabedoria, poder, bondade e mansidão. É manso, firme e poderoso. E, no entanto, é suave, mais suave que uma mãe e nada, nada mesmo, lhe nada. Quanto mais o conheço, mais sou cativado pelo abismo infinito de suas perfeições. E tudo isso ele possui em paz, em harmonia, em perfeita ordem. Ele é muito simples, não apenas em suas palavras e ações, mas em si mesmo. Não me canso de o contemplar e amar. Ele é a alegria dos meus olhos e do meu coração'.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

sábado, 17 de setembro de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: A ALMA ABSORVIDA POR DEUS


Durante as duras provações a que ficou submetida para conquistar o vosso amor e durante as vossas longas ausências, ó meu Jesus, a alma interior não ficou paralisada. Por meio de obras e, sobretudo pelos seus pensamentos, forjou fabricar um mel de muita doçura e de odor delicioso, que agora ela vos oferece. E que Vós aceitais. Parece à alma que ela se fez alimento para ser absorvido por Deus, sem perder, entretanto, a sua real integridade. É como um alimento misterioso, integral em obras e substância, transformado em alimento digno de Deus, ainda que não acrescente nada à essência divina. A mudança é uma absoluta conversão no próprio Deus: sed tu muraberis in me (Santo Agostinho). A rigor, a alma se mantém substancialmente no que é e, no entanto, não é mais a mesma. Vê, pensa, age e ama como Deus, com Deus e em Deus. Sem transubstanciação, mas sob uma transformação integral. Feliz e ditosa transformação!

Durante muito tempo Deus foi o sustento da alma interior e, pouco a pouco, Ele a transformou em uma imagem de si mesmo. Até o momento em que, transformada integralmente segundo a sua Vontade, Ele toma para si essa alma divinizada, como seu próprio alimento. Antes, era a alma que se sentia fortalecida internamente por um alimento que era, ao mesmo tempo, doce e misterioso. Emanava dela uma grande felicidade, uma felicidade íntima e particular, a sua felicidade plena. Sentia possuir os limites da felicidade possível neste mundo. E agora percebe que mesmo isso era nada. Uma alegria completamente nova acalenta agora o seu coração, uma vez transformada em alimento digno de Deus. Uma felicidade que não tem medidas, pois absorvida e inebriada pelo próprio Deus.

É certo que a alma interior não ignora que nada pode acrescentar à felicidade que possui em Deus. No entanto, tudo se passa como se, nestes ditosos momentos, a alma fizesse a própria felicidade de Deus. A alma experimenta não apenas a sua alegria interior, mas também a de ser causa da alegria divina. Nenhuma comparação pode fazer entender o que significa tal felicidade. Seria necessário extrapolar e sublimar ao infinito a felicidade da mãe mais abnegada que alimenta o seu filho com o melhor de si e sustenta toda a sua felicidade em fazer feliz aquela criança tão amada que aperta fortemente ao coração. Seria preciso se elevar até Maria, Virgem e Mãe. E a alegria da alma interior não dilui, não se desvanece nunca. Quanto mais se dá a Deus, mais, muito mais, recebe de Deus, fonte infinita de amor. Recebe e se sacia deste amor, que inunda o seu coração, e que a faz estremecer de alegria.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: A VIRGEM MARIA, ELEITA DE DEUS


Olhando bem as coisas, ó meu Deus, parece que aquela alma privilegiada, verdadeiramente única, que é chamada por Vós nos Cânticos, como 'minha pomba, minha imaculada', que não excita o ciúme de nenhuma alma mas, ao contrário, desperta grande admiração e louvor de todos, é a doce e pura Virgem Maria, nossa Mãe. Somente a Ela se aplicam vossas palavras magníficas, sem quaisquer restrições e sem limites.

Ela é a vossa única Filha, Pai adorado; é a Mãe amorosa de Jesus, Filho único do Pai, por Ela gerado para ser o nosso Irmão para nos salvar. É a Santíssima Esposa do Espírito de Amor, a quem deve ser Mãe sem deixar de ser a Virgem das Virgens. Não há criatura pura, ó Santíssima Trindade, que vos seja tão querida como ela. É a vossa obra única, a eleita de Deus. Depois do Coração de Jesus, não há coisa mais preciosa para se conhecer ou mais doce para contemplar do que o Coração Imaculado da Santíssima Virgem. É um abismo de perfeição, de esplendor, de beleza, de graça, impossível de descrever.

O Coração de Maria é a obra prima do Espírito Santo. Ele a enriqueceu com todas as perfeições, com todas as virtudes. Sabemos que desde o primeiro instante de sua concepção, nossa Mãe desfrutou de todo o amor divino. No momento de sua criação, ela se inclinou para Deus para unir-se a Ele em perfeição; e o seu amor aumentava a cada momento, porque esse gesto se repetia ao longo de toda a sua vida e, cada vez, com maior profundidade e intimidade. O seu coração é a pureza em si, sem mancha ou sem mistura de coisa alguma. 

A Santíssima Virgem recebeu desde o primeiro momento de sua vida o poder de amar em estado puro e perfeito. E ela fez isso imediatamente; ela não conheceu pecado ou imperfeição... O seu amor pelas criaturas era uma continuidade da manifestação do seu amor a Deus, que não perturbou em nada a sua absoluta e santíssima pureza. Em Jesus ela amou plenamente a Deus, sendo Ele, ao mesmo tempo, o seu Deus e o seu Filho. Ela amava São José, São João, as santas mulheres, como ama todos os homens que se sucederam ao longo dos séculos. Ela ama todos os seus filhos com amor profundo e real, porque os ama pelo amor a Deus.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

terça-feira, 16 de agosto de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: ELOGIO À BELEZA DA ALMA


Nada é tão doce para o coração da alma interior, ó meu Deus, do que ouvir-Vos elogiar a sua própria beleza. E não é por vaidade de sua parte; não, de jeito nenhum. Ela sabe muito bem que tudo o que possui provém de Vós. O que a agrada é apenas Vos agradar. O que ela ama é Vos amar. Toda alma que compreende o que sois não possui outra ambição senão essa: atrair o Vosso olhar e o reter em si como pleito de sua beleza infinita.

Depois de tanto empenho e tanta dedicação, eia que a obra está concluída: e Vós a contemplais com agrado, como obra do Artista Divino, perfeita e bela. Este louvor, tão precioso, é dirigido a cada alma que entra no Céu. Mas tanto amor não pode, às vezes, esperar por esse momento e precisa ser manifestado à alma o quanto antes. É difícil para Deus ficar inerte e em silêncio. Ele então se expressa numa frase, mas com que palavras: 'Como és bela, minha alma amada! -  Tota pulchra es, amica mea - como a coisa mais bela do mundo. Eu preciso te dizer isso, não tenho receios de te dizer isso, porque é verdade e o teu coração está pronto para ouvir. Sim, Eu, o teu Deus, o digo e não duvides sequer disso por um instante: és tão bela como a verdadeira beleza e assim sempre serás. Alegra-te por isso'.

Além disso, há um entonação na voz divina que não pode enganar. A emoção que domina a alma até o mais íntimo de si só pode provir de Vós, ó meu Deus. Somente Vós podeis agir assim no íntimo da alma. Só Vós podeis derramar tanta paz, tanta segurança, tanto júbilo interior. Uma árvore é conhecida pelos seus frutos e o trabalhador é conhecido pelas suas obras. 

Da graça divina, pode-se dizer que a alma 'é mais bela que a beleza'. Há um encanto infinito nela. Quando perscruta e assume uma alma, Ele a comunica esse encanto delicado, penetrante, delicioso, indefinível. Essa graça é toda feita de doçura, de harmonia, de transparência e de claridade, mas também temperada e provada. Nada é imposto, nada é violento, nada é forçado. Ele exerce o seu domínio de forma suave e imperceptível, envolvendo a alma num espírito de paz, silêncio e santidade. A alma se enleva sem esforço e sem fadiga, esquecendo-se de tudo e de si mesma, para ser mais sensível à graça. Ela se sublima na sua modéstia. Sim, a graça divina é, com efeito, 'mais bela que a beleza'.

Mas a beleza e a graça de uma alma interior harmonizam-se muito bem com a força. A alma interior é um dínamo que luta e continua a lutar o bom combate. É uma alma apta a conquistas, que refreia a ação dos demônios e de todos os seus infelizes prisioneiros. Uma alma interior causa mais dano aos Vossos inimigos, ó meu Deus, do que mais de cem almas moldadas pela tibieza. Ela vale por um exército, mas que não combate sozinha. Vós a assistis sempre com bons soldados, com valorosos soldados. Ela os instrui, ela os molda, elas os impregna com a sua fortaleza. Ela comunica a sua energia a eles, os encoraja na luta e lhes assegura, finalmente, a vitória. Em todos os tempos, Deus envia à Igreja algumas dessas almas singulares, tremendas e temíveis como um exército em batalha, que salvam e salvaram tudo o que parecia já perdido. 'Dai-nos, Senhor, almas verdadeiramente interiores'!

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

sábado, 30 de julho de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: DEUS E A ALMA ENCANTAM-SE MUTUAMENTE


Vós amastes a alma, ó meu Deus, comunicastes a vossa vida a ela, e a cumulastes de beleza. E a alma agora tornou-se parecida a Vós, a ponto de se confundir em Vós. Vós a sublimastes em encanto e ela também Vos encanta. E agora estais ligado a ela por enlaces invisíveis aos olhos do corpo ou mesmo da imaginação, e que não podem ser apreendidos com as mãos e que, no entanto, são tão reais, tão suaves e tão intensos. Uma atração livre e irresistível os mantém voltados um para o outro, mutuamente unidos, arrebatados e presos um ao outro. E a alma percebe que Vos envolve com a sua doce influência da mesma forma que ela mesma se sente completamente inundada pela Vossa, ó meu Deus!

Quem pode inferir, ó meu Deus, a profundidade e o poder de tal encanto? Nada lhe escapa. Invade todo o ser, ousamos dizer que até a medula. É uma divinização ab intra. Dir-se-ia então que o Vosso ser, intangível por nada, torna-se o próprio ser da alma. Esta comunga - ou melhor, talvez seja comungada - de Vossa plenitude. É felicidade insondável, paz, alegria, fortaleza, segurança, luz, calor, vida, tudo, pois Vós sois tudo. É mais do que tudo, porque estais acima de tudo. Podemos contemplar-Vos por dentro. Possuir-Vos em nós, e não apenas Vos provar, mas sermos como Vós.
 
Tudo isso basta-nos para morrer. E, no entanto, é apenas um amanhecer, nada mais do que um começo. O horizonte se abre em infinitas e belas perspectivas. Deus compartilha o presente com abundância, parecendo esgotar o seu tesouro de graças. E, no entanto, o que está por vir será ainda muito mais!

NADA AGRADA MAIS A DEUS DO QUE UMA ALMA QUE IGNORA A SI MESMA

Nada está escondido de Vós, ó meu Deus. Vós não deixais escapar o menor dos movimentos de uma alma que Vos ama. Parece até que ficais totalmente ocupado em captar a menor manifestação do amor dela por Vós. Ela pode se moldar em discrição e modéstia como um véu que possa esconder por completo, de todos e de si mesma, o pouco que ela julga fazer por Vós, mas é tempo perdido. Não existem véus para Vós, ó meu Deus. O esforço que a alma faz para manter em segredo o quanto Vos ama, só aumenta o Vosso encanto por ela. Nada pode agradar-Vos mais do que uma alma que busca o silêncio, que ignora a si mesmo e que quer agradar somente a Vós. Ela se torna o foco de todas as Vossas complacências, e doce atração aos Vossos olhos. Atrai, sobretudo, o Vosso Coração. O vosso amor é exposto para a alma que amais em ocasiões sem fim. Alma escolhida e bendita entre todas, quem poderá exprimir a medida de sua felicidade?

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

segunda-feira, 18 de julho de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: A ALMA CANTA

 

Falar, e sobretudo cantar, é expressar em voz alta e sem medo, com alegria e com entusiasmo, os sentimentos mais íntimos do coração em relação a Vós. Com efeito, Vós tendes direito, e pleno direito, a essa sensível manifestação da estima e afeto que a alma nutre por Vós. Na verdade essa lei se impõe automaticamente no íntimo da alma, pelo menos em certas ocasiões. Sem isso, a alma tenderia a ser asfixiada se tivesse que esconder esse sentimento.

Assim, é preciso que ela possa falar, é preciso que ela possa cantar, mesmo quando estiver sozinha. É verdade que Vós estais sempre presente para ouvi-la, e isso basta a ela. Essa voz que fala e que canta agrada a Deus e, sendo de tal agrado, pode dizer tudo. A alma canta assim com todo o seu ser. Tudo o que a alma faz ou diz enseja paz, tranquilidade, harmonia: tudo está em ordem nesta alma, selada pela doçura e recolhimento que alegra o seu Deus. Pois, para Deus, essa voz é muito suave e agradável.

Quão bem recompensada é a alma interior por seus esforços, ó meu Deus, quando a fazeis conhecer que tudo o que ela diz, tudo o que ela faz, tudo o que ela sofre, torna-se a mesma voz melodiosa que chega até Vós e Vós a amais por isso! Não há ruídos, nem asperezas, nem afetações e nem dissimulações nesta voz da alma; não, ela é apenas suave, harmônica e amável.

E se pensarmos agora que também outras almas - cujas atividades, internas e externas, alinhadas perfeitamente à Vossa vontade, compõem uma melodia semelhante - juntam igualmente suas vozes, pensaremos ouvir, muito acima do burburinho do mundo, uma sinfonia incomparável, que reverbera e constitui um verdadeiro prelúdio do cântico eterno. Abstraídas do mundo, abrem aquela janela da alma que dá vista para o infinito. E permanecem assim, no maior tempo possível, nessa misteriosa solidão diante desse horizonte sem limites, mesmo que não vejam nada, mas apenas respirando o ar divino em plenitude.

Escutemos, pois, o canto dessas almas silenciosas e desconhecidas que amam a Deus plenamente e que sabem falar com Ele sem o ruído das palavras, e apenas com o bater do seu coração, incensado com o fogo do amor. Ele vibra e reverbera constantemente nessa imensidão. Que esse canto de amor possa juntar também ao vosso, ao de Maria e José, ao dos anjos e ao de todos os santos.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

segunda-feira, 27 de junho de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: A ALMA SE REJUBILA


O amor de Deus tem um calor que faz dilatar o íntimo da alma e a enche de alegria. Sob sua influência, a alma sente-se crescer, aumenta os limites de sua felicidade, à medida que se regozija. E assim, sempre sob a ação do fogo deste amor, ela se expande e se realimenta de alegria. E isso se repete sem cessar. A alma nutrida pelo Vosso amor, ó meu Deus, experimenta a sensação de que nela subsiste e se manifesta cada vez mais uma vida totalmente interior. Em certos momentos, o fluxo de calor é tão intenso que a alma não parece suportar. É quando até o coração físico se dilata - a exemplo do coração de São Filipe Neri - ou como que é transpassado de lado a lado por uma flecha - como aconteceu com o coração de Santa Teresa de Ávila. É o tempo da plenitude da graça.

A alma experimenta uma emoção indescritível quando se sente completamente unida a Deus pela primeira vez, quando Deus a enlaça espiritualmente nas profundezas de si mesma, quando recebe aquele maravilhoso hálito divino; quando, em suma, percebe que é parte de Deus e que Deus a envolve por completo. A percepção que faz dessa felicidade é a de se comparar a uma a uma esponja em alto mar, embebida por um oceano de pura felicidade, conhecida e ansiada por todo o seu ser. É tal a sua felicidade, que chora de alegria. Como é bom sentir-se unida a Deus e ser tão amada por Ele! É tão nova essa experiência, tão diferente de tudo que imaginava, que ela se sente dominada por um santo temor. 

Se fosse possível dizer de forma humana, seria como que uma felicidade que se impregna na alma até os ossos. Sim, às vezes, até o corpo participa dessa experiência à sua maneira, mas o que pressente não é, nem de longe, o essencial, e nem o melhor. A alma tem os seus próprios deleites e são estes que valem verdadeiramente. A cada visita de Deus esse deleite aumenta. É o mesmo, mas ainda mantém o gosto de novo. É a graça de Deus que se infiltra completamente na alma e, com ela, a alma se deleita e se regozija em Deus.

Aumenta ainda mais esse deleite da alma a sua percepção de que outras almas são igualmente participantes da plena felicidade em Deus. A felicidade dessas almas aumenta a sua. O mundo espiritual nos oferece um grandioso espetáculo: o das almas que são verdadeiramente arrebatadas do amor por Jesus. Todos os corações puros que o conhecem são conquistados pelo Senhor porque Ele exerce sobre eles uma atração irresistível. Há flores que perscrutam o sol em seu curso diário de leste a oeste. Jesus é o sol das almas. Elas são iluminadas pela sua luz e aquecidas pelos raios do seu amor. Ele as atrai, as sublima, as eleva até Ele. E elas, como as flores em busca do sol, o perscrutam com um olhar de regozijo e graça, porque o amam muito, sem limites. Quanto mais puros os corações, mais unidos estão com Ele. Tudo o que há de mais nobre, mais generoso e mais puro nesta terra pertencem a Ele, porque são almas capazes de amar Jesus com um amor sem medidas. Isso é realmente grandioso de compreender e divino de contemplar.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

sábado, 11 de junho de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: OS PERFUMES DIVINOS


A alma que se aproxima de Deus às vezes experimenta em si a doce impressão de que perfumes misteriosos a envolvem e a impregnam completamente. Não são como os perfumes naturais que afetam os sentidos. Não. Mas essas realidades espirituais têm meios de se manifestar à alma de modo análogo às emanações dos odores físicos. Nesse sentido existem perfumes espirituais. Eles têm o privilégio de não só serem mil vezes mais agradáveis ​​que o mais requintado dos bálsamos, mas também, e sobretudo, de serem sobrenaturalmente benéficos. Eles fortalecem e se propagam. Sob o seu influxo, a alma desenvolve e respira livremente. E cresce. A vida, uma vida totalmente divina, é infundida nela por dentro. Ela se compenetra disso e percebe que a causa imediata de tudo é esse perfume misterioso.

Quando Deus faz a alma entrar em união imediata com as realidades espirituais, sobretudo consigo mesmo, algo similar acontece quando se percebem as propriedades sensíveis dos corpos; perfumes, por exemplo. A bondade de Deus tem o seu aroma, assim como tem um também a sua doçura, e de forma semelhante com os outros atributos divinos. Parece que tudo acontece como se, de fato, a alma fosse dotada de um olfato espiritual, harmonizado pelo Criador com os seres da ordem sobrenatural, que lhe são reconhecidos pelo olfato. Quando a alma quer traduzir para a linguagem humana o que experimenta em sua união íntima com Deus, não encontra melhor comparação: 'As coisas divinas me fazem experimentar prazeres que são para mim, na ordem espiritual, o que na ordem sensível são os prazeres do olfato impregnados pelo perfume das flores'.

Nessa intimidade, Deus quer falar com a alma predileta e suas palavras fluem docemente. A alma interior capta então toda a sua graça. Antes mesmo de serem articulados quaisquer sons, já a encantam a delicadeza e o suave perfume que exalam. Não queremos dizer certamente com isso que Deus possui lábios ou que Jesus deixa, por um momento, contemplar os seus. Não é isso; mas a alma interior e Deus estão tão próximos que se podem falar, como de uma boca para outra boca. Toda a afeição verdadeira, profunda e pura que lábios humanos poderiam expressar é refletida, sobre a alma interior, como uma projeção nascida da boca de Deus. Na expressão e no movimento desses lábios misteriosos, a alma subtende que agrada a Deus e que é amada por Ele.

Um delicioso perfume brota dos lábios divinos. Pode-se dizer que vem do mais íntimo do Coração de Deus e faz a alma interior provar todos os encantos de outros perfumes. Por que a essência divina não deveria ter o seu perfume? É isso que subtende a esposa na hora abençoada de sua união. Esse perfume que ela chama de 'essencial', essa 'mirra puríssima', já lhe antecipa algo das alegrias do céu. Uma espécie de atmosfera perfumada a envolve por completo. Ela se sente, ao mesmo tempo, isolada e protegida por esse ambiente, invisível e ao mesmo tempo tão real. E então pode amar a Deus sem reservas. E faz isso sem contratempos e sem esforço, movida por um instinto divino que a impele e a sustenta ao mesmo tempo. A alma interior saboreia essa nova maneira de viver desconhecida até agora, mas compreende que encontrou nela a verdadeira vida e então exulta de alegria.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

terça-feira, 24 de maio de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: PODER, SABEDORIA E BELEZA DE DEUS


Deus se revela pouco a  pouco à alma interior. Dá-lhe um vislumbre do Poder e da Sabedoria com os quais Ele governa o mundo. Suas mãos tem a robustez de um trabalhador vigoroso e a flexibilidade de um artista genial. Nada escapa dessas mãos divinas e nada lhe resiste. Elas tudo governam, homens e coisas, para onde querem. Maravilhas procedem dessas mãos, que são tão diversas como as pedras preciosas que as adornam. 

A alma interior está ciente de como opera o Divino Trabalhador em certas almas, das obras primas que sabe extrair do barro humano. E a alma fica tomada de admiração diante de tudo isso. Afinal, o que poderia ser mais belo, meu Deus, do que a visão do amor divino confrontando-se com uma alma? Que artifícios, que encantos e, às vezes, é verdade, que impulsos tremendos para libertá-la de tudo! Que paciência para purificá-la completamente, que generosidade e que estratagemas para embelezá-la, que ardor para abraçá-la, que influxo poderoso para elevá-la acima de tudo, até de si mesma, para amá-la sem medidas e doutriná-la sem receios... O que pode ser mais belo do que uma alma santa? Não foi Deus quem assim a criou pelo poder de sua graça? Bem-aventurado aquele que pode ver as mãos de Deus trabalhando neste mundo!

Basicamente, a matéria prima desta obra divina é a mesma. No entanto, o estado inicial desta matéria é essencialmente distinto, dependendo de cada caso. Há almas que nunca conheceram o pecado, pelo menos o pecado grave. Há outras que foram submetidos à sua tirania, mas por pouco tempo. Finalmente, há aquelas que desceram todos os graus do abismo e nele permaneceram por longos e tristes anos. Mas isso não afeta o poder divino que tudo domina. Deus pode gerar santos tanto de um pecador obstinado com de uma alma inocente, e às vezes Ele assim o faz. Não há nada mais belo do que contemplar as mãos divinas em ação. Elas exploram a lama humana e daí lavam, purificam, esculpem, moldam, desbastam, transformam. E operam exteriormente mas, especialmente, por dentro. A matéria prima é a alma. Mesmo quando Deus usa um outro instrumento, na verdade é a própria alma quem trabalha com Ele e para Ele.

É maravilhoso ver como as almas se transformam pouco a pouco sob a ação divina. São como tantas outras maravilhas que saem dos dedos hábeis do Divino Trabalhador, como pedras preciosas destinadas a adornar a Jerusalém Celeste, tão numerosas e tão diversas em sua forma e em suas nuances, tudo de uma beleza indescritível. Aqui, nesta terra, conhecemos apenas algumas destas maravilhas e as conhecemos mal. Para que a sua beleza seja realmente revelada, é necessária a luz do céu. E só então poderíamos admirar toda a riqueza e todas as graças emanadas de mãos tão ternas e poderosas.

Deus é soberanamente Belo e a própria Beleza imanente, o Ser único que nada carece de complemento, que sempre foi infinitamente perfeito e em quem tudo é ordem, unidade, simplicidade, pois todas as perfeições possíveis e imagináveis ​​formam nele uma única e mesma realidade em sua essência. Deus encontra no conhecimento que Ele tem de si mesmo um prazer infinito. Ele é o eterno admirador de sua eterna e própria Beleza e, assim, é a fonte verdadeira e modelo de toda beleza.

Quando me deixo distrair de Vós, ó meu Deus, parece-me que deixo a região da luz para adentrar na dimensão das trevas. Tudo o que não sois Vós macula e fere os meus olhos! Para quem Vos contemplou ainda que uma só vez  em luz inacessível, tudo o mais está corrompido e disforme! Mesmo as criaturas que melhor possam ser vossos reflexos tornam-se dolorosas de se conviver. Porque não podem ser como Vós, ó meu Deus! E é a Vós que a alma quer contemplar cada vez mais, cada vez mais profundamente, murmurando repetidas vezes as doces palavras de Santo Agostinho: 'Ó Beleza sempre antiga e sempre nova, eu te conheci tarde demais, eu te amei tarde demais!'

Sim, ó meu Deus, Vós sois toda Bondade, toda Beleza e toda Graça. Vós criastes muitas criaturas belas e, no entanto, a beleza delas não pode nem de longe ser comparada à vossa. Todo bem e tudo o que é belo emana de Vós. E aquilo que dais, não se perde, porque tudo possuís infinitamente. Fazei-me compreender, a mim que almejo ser feliz, que toda felicidade e toda alegria emanam de Vós. E que eu aprenda a ir até Vós, para impregnar-me da vossa Beleza, para alimentar-me com a vossa Bondade, para alegrar-me com a vossa Alegria e para deleitar-me sem medidas da vossa Felicidade! Porque tudo isso é possível, tudo isso é verdade, tudo isso é necessário: 'Amarás...' e, assim, serei bom com a vossa Bondade, serei belo com a vossa Beleza, serei feliz com a vossa Felicidade. Ó meu Deus, que isso seja agora, agora e sempre!

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

sábado, 14 de maio de 2022

OS MAIS BELOS LIVROS CATÓLICOS DE TODOS OS TEMPOS (7)

 13. CORNELIUS A LAPIDE TESOUROS

Cornelius a Lapide ou Cornelis Cornelissen Van den Steen (1567 – 1637) foi um jesuíta e exegeta flamengo, natural da cidade de Bocholt, na Bélgica. Ingressou na Companhia de Jesus em 15 de julho de 1592 e foi ordenado sacerdote em 24 de dezembro de 1595. Atuou por mais de 40 anos de sua vida religiosa ensinando as Sagradas Escrituras, inicialmente na Universidade de Louvain, entre 1598 e 1616 e depois no Colégio dos Jesuítas em Roma, entre 1616 e 1636, falecendo nesta cidade em 12 de março de 1637. 

Muitos dos seus comentários (como aqueles relativos às Epístolas de São Paulo, Atos dos Apóstolos, o Apocalipse ou Livro do Eclesiástico) foram compilados, revistos e publicados pelo próprio autor, mas muitos deles somente foram publicados após a sua morte. Os seus textos e comentários traduzem uma dura resposta às heresias da Reforma Protestante (principalmente às introduzidas por Lutero e Zwinglio), com ênfase em uma devoção especial à Santíssima Virgem e na defesa intransigente das doutrinas e ensinamentos da Santa Igreja. É obra de um homem profundamente apaixonado pela Igreja e dominado pela erudição bíblica das eras patrística e medieval, que fala e comenta as Sagradas Escrituras no contexto único dos ensinamentos dos Grandes Padres e da mais pura tradição da Igreja.

A coletânea dos seus volumosos comentários sobre passagens e textos de praticamente todos os livros das Sagradas Escrituras (com exceção do Livro dos Salmos e do Livro de Jó) tem sido sistematizada em uma obra de cunho geral, comumente designada com o nome de Tesouros de Cornelius a Lapide, ainda não integralmente traduzida para o português (existem versões traduzidas para o português apenas de alguns comentários isolados de sua obra monumental).

14. JEAN-BAPTISTE CHAUTARD A ALMA DE TODO APOSTOLADO

A Alma de Todo Apostolado é uma obra clássica da literatura cristã do século XX e tem como tema central a inserção e o aperfeiçoamento da vida interior, como base, sustentação e instrumento para quaisquer obras de apostolado. O seu autor foi um monge trapista francês chamado Jean-Baptiste Chautard, nascido em Briançon em 12 de março de 1858. Ingressou como noviço no mosteiro de Aiguebelle em 1877, situado numa das regiões mais ermas e agrestes da França. Revestido do hábito branco da Ordem Cisterciense, ali iniciou os seus estudos religiosos, sendo ordenado sacerdote em junho de 1884.

A obra é um grito de resistência a uma época histórica de perseguições. No início do século XX, a Igreja da França passou a ser alvo de um singular período de perseguições e a Ordem Cistercience ficou então muito ameaçada de expulsão e fechamento no país, sob a tibieza e indiferentismo do povo cristão. À época, Dom Jean-Baptiste Chautard era o prior da Abadia de Sept-Fons, função que iria exercer até a sua morte em 29 de setembro de 1935.

Escrita originalmente com o objetivo definido de manter e sustentar o ânimo dos seus confrades e demais religiosos da Ordem Cisterciense diante das perseguições do Estado, a obra tornou-se um clássico da espiritualidade católica. Nestas páginas, o autor apresenta a síntese dos princípios que devem nortear aqueles que lutam pela Igreja por meio de uma vida de piedade, mortificação e sacrifícios, na estrita compreensão de que os meios de ação naturais devem ser canais da graça de Deus, e que o apóstolo – clérigo ou leigo – precisa ser ele próprio um reservatório das graças que devem vivificar em todas as suas obras. Para prover um fecundo apostolado e ser instrumento da salvação para muitos dos seus irmãos, cada homem deve buscar na vida interior uma íntima união com Deus, impregnando-se com o verdadeiro espírito de Jesus Cristo para agir, desta forma, em tudo, com todos, todo o tempo. A tradução da obra em português encontra-se disponível por diferentes editoras.

segunda-feira, 9 de maio de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: CONHECIMENTO DOS ATRIBUTOS DE DEUS


Quando uma alma adentra em Deus pela primeira vez, experimenta a impressão que alguém teria ao entrar de repente em uma sala ampla e cheia dos mais ricos e variados tesouros. Não seria capaz de perceber nenhum deles em detalhes, mas apenas ter uma visão geral de todos eles. Tal visão, entretanto, causaria nela uma alegria única, moldada de certa forma por todas as alegrias que seria possível ser experimentadas se ela pudesse admirar cada um desses tesouros em particular. Os atributos de Deus são esses tesouros. Na sua união com Deus, a alma interior os vê em um único olhar e os absorve todos de uma vez, porque Deus é riqueza e simplicidade ao mesmo tempo, de tal forma que a impressão que  se grava em nosso espírito e em nosso coração é fruto de ambos. Ao encanto desta alegria, tão nova para a alma, acrescenta-se algo inesgotável, infinito, que nela se impregna de forma discreta e indescritível.

Pouco a pouco a alma se acostuma a viver nesta cela interior. Adormece e vive nela; faz dela a sua morada. Quando tem que deixá-la, sofre e pressente-se estranha, como alguém fora do seu lugar próprio. Assim que possível, busca retornar, pedindo humildemente a Deus que seja recebida de volta. Deus nem sempre a atende de imediato. Então ela reza em recolhimento e espera, com confiança e em paz, como uma virgem fiel atenta ao menor sinal que possa anunciar a vinda do Esposo. E chega o momento em que Deus a recolhe outra vez na sua intimidade: novas luzes, novos encantos; novas alegrias e ainda muito mais profundas. Aí está a recompensa pela sua fidelidade: 'Muito bem, servo bom e fiel... vem regozijar-te com teu senhor!' (Mt 25, 21).

Aquele sentimento geral que a alma experimenta em seu primeiro encontro com Deus é gradualmente delineado e forjado. Em sequência, cada um dos atributos divinos pode ser melhor conhecido e melhor experimentado. A alma pode experimentá-los cada vez mais intimamente e de forma consciente, tendendo então a ser aquilo que se ama. Neste caso, as coisas tornam-se ainda mais fáceis porque Deus fez da alma a sua morada, está ao alcance das suas aspirações. Assim que Ele se manifesta, a vontade impele a alma ao seu encontro, tomando-o para si com todas as suas forças. Ocorre então um processo de deificação consciente da alma, que pode ser genérica e confusa ou mais precisa e clara, expressa pela dimensão da comunhão da Fortaleza, Sabedoria, Bondade, Misericórdia ou qualquer outro atributo de Deus. Que também se expressa como uma união, envolvendo a Trindade Santa ou apenas uma das Três Pessoas em particular. Neste caso a alma, ao assimilar uma certa Pessoa da Santíssima Trindade, busca ser um reflexo dela e agir da mesma forma que ela em todas as suas atitudes e manifestações.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)