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quinta-feira, 16 de outubro de 2025

GALERIA DE ARTE SACRA (XLIII)

Na época medieval, era um procedimento bastante comum decorar as paredes internas das catedrais com tapeçarias preciosas, reproduzindo comumente eventos da vida de Jesus Cristo, Nossa Senhora ou de algum santo. A tapeçaria presente na Catedral de Reims, muito famosa pela quantidade de peças e qualidade da composição, exibe passagens diversas da vida de Nossa Senhora. As tapeçarias da vida de Nossa Senhora foram doadas à Catedral de Reims pelo Arcebispo Robert de Lenoncourt em 1530, contemplando um conjunto total de 17 painéis independentes.

I. Árvore de Jessé [árvore genealógica de Jesus Cristo]
II. Joaquim e Ana expulsos do Templo [por não ter filhos]
III. Encontro de Joaquim e Ana diante do Portão Dourado [a pedido do anjo que profetiza o nascimento da Virgem]
IV. Nascimento de Maria
V. Apresentação de Maria no Templo
VI. Perfeições de Maria [Imaculada Conceição. Modelo e Pefeição da Graça]
VII. José e os Pretendentes de Maria [escolha divina por José]
VIII. Casamento de Maria e José
IX. A Anunciação a Maria
X. A visitação de Maria a Santa Isabel
XI. A Natividade [nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo]
XII. A Adoração dos Reis Magos
XIII. A Apresentação de Jesus no Templo
XIV. A Fuga para o Egito
XV. Parentesco de Maria - As Três Marias [Maria, Maria de Jacobé, Maria de Salomé]
XVI. Dormição da Virgem
XVII. Assunção de Maria

Como exemplo ilustrativo, a figura abaixo apresenta a Tapeçaria VI - As Perfeições de Maria, um tributo à sua Imaculada Conceição, cuja devoção especial ganhou popularidade durante os séculos XV e XVI. 


A tapeçaria é dominada por Deus Pai, declarando Maria como critura toda pura e sem mancha de imperfeição - Tota pulchra es amica mea et macula non est in te (Ct 4,7). No centro da imagem, vemos Maria tecendo, ladeada por dois anjos que trazem pão e vinho. Ela está sentada num jardim, cujos umbrais são encimados por bandeiras que exibem o brasão das catedrais de Reims. Os dois unicórnios, à direita e à esquerda das colunas, simbolizam a virgindade de Maria. Entre Deus Pai e o Jardim, podemos ver os sete anjos da criação e, nos cantos inferiores direito e esquerdo, encontramos figuras de profetas anônimos proclamando a grandeza de Maria.

A riqueza dos detalhes e a magnitude do trabalho, cuja origem exata é desconhecida, são retratadas na figura abaixo, que apresenta uma peça da Tapeçaria XI do conjunto - A Natividade.  

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

OS GRANDES DOCUMENTOS DA IGREJA (XXV)

Carta Encíclica AUGUSTISSIMAE VIRGINIS MARIAE 

 [12 de setembro de 1897]

Papa Leão XIII (1878 - 1903)

sobre o Rosário de Nossa Senhora


Exortação à devoção para com Maria

1. Quem quer que considere o grau sublime de dignidade e de glória a que Deus elevou a augustíssima Virgem Maria, facilmente pode compreender que vantagem traz à vida pública e privada o contínuo desenvolvimento e a sempre mais ardente difusão do seu culto. De fato, Deus escolheu-a desde a eternidade para vir a ser Mãe do Verbo, que se encarnaria; e, por este motivo, entre todas as criaturas mais belas na ordem da natureza, da graça e da glória, Ele a distinguiu com privilégios tais, que a Igreja com razão aplica a ela aquelas palavras: 'Saí da boca do Altíssimo, primogênita antes de toda criatura' (Ecli 24, 5). Quando, pois, se iniciou o curso dos séculos, aos progenitores do gênero humano, caídos na culpa, e aos seus descendentes, contaminados pela mesma mancha, ela foi dada como penhor da futura reconciliação e da salvação.

2. Depois, o Filho de Deus, por sua vez, fez sua santíssima Mãe objeto de evidentes demonstrações de honra. De fato, durante a sua vida privada, Ele escolheu-a como sua cooperadora nos dois primeiros milagres por Ele operados. O primeiro foi um milagre de graça, e teve lugar quando, à saudação de Maria, a criança exultou no seio de Isabel; o segundo foi um milagre na ordem da natureza; e teve lugar quando, nas bodas de Caná, Cristo transformou a água em vinho. Chegado, depois, ao termo da sua vida pública, quando estava em via de estabelecer e selar com o seu sangue divino o Novo Testamento, Ele confiou-a ao seu Apóstolo predileto, com aquelas suavíssimas palavras: 'Eis aí tua mãe!' (Jo 19, 27).

Portanto, nós, que, embora indignamente, representamos na terra Jesus Cristo, Filho de Deus, enquanto tivermos vida nunca cessaremos de promover a glória dela. E, como sentimos que, pelo peso grande dos anos, a nossa vida não poderá durar ainda muito, não podemos deixar de repetir a todos os nossos filhos e a cada um deles em particular as últimas palavras que Cristo nos deixou como testamento, enquanto pendia da cruz: 'Eis aí tua Mãe!'. Oh! como nos consideraríamos felizes se as nossas recomendações chegassem a fazer com que cada fiel não tivesse na terra nada mais importante ou mais caro do que a devoção a Nossa Senhora, e pudesse aplicar a si mesmo as palavras que João escreveu de si: 'O discípulo tomou-a consigo' (Jo 19, 27).

3. Ora, ao aproximar-se o mês de outubro, não queremos que, nem também este ano, Veneráveis Irmãos, vos falte uma nossa Carta, para, com o ardor de que somos capazes, recomendar de novo a todos os católicos quererem ganhar para si mesmos e para Igreja, tão trabalhada, a proteção da Virgem, com a recitação do Rosário. Prática esta que, no descambar deste século, por divina disposição se tem maravilhosamente afirmado, para despertar a esmorecida piedade dos fiéis; como claramente atestam notáveis templos e célebres santuários dedicados à Mãe de Deus.

4. Depois de havermos dedicado a esta divina Mãe o mês de Maio com o dom das nossas flores, consagremos-lhe também, com afeto de singular piedade, o mês de Outubro, que é mês dos frutos. De fato, parece justo dedicar estes dois meses do ano àquela que disse de si: 'As minhas flores tornaram-se frutos de glória e de riqueza' (Ecli 24, 23).

A Confraria do Rosário

5. O espírito de associação, fundado na própria índole da natureza humana, talvez nunca tenha sido tão vivo e universal como agora. E certamente ninguém condenaria isto; se muitas vezes essa naturabilíssima tendência natural não fosse orientada para o mal: isto é, se os ímpios, movidos por um mesmo intento, não se reunissem em sociedades de vários gêneros, 'contra o Senhor e o seu Messias' (Sl 2, 2). Por outro lado, entretanto, pode-se discernir, e certamente com grandíssima alegria, que, também entre os católicos cresce o amor às associações pias: associações bem compactas, que se tornam como que famílias, nas quais os membros estão de tal forma ligados entre si pelo vínculo da caridade cristã, a ponto de parecerem, antes, de serem verdadeiramente irmãos.

E, de fato, se se elimina a caridade de Cristo, não pode haver fraternidade, como já energicamente demonstrava Tertuliano, dizendo: 'Somos vossos irmãos por direito de natureza, natureza que é mãe comum, se bem que sejais muito pouco homens, por serdes maus irmãos. Mas quão melhor convém o nome e a dignidade de irmãos àqueles que reconhecem por seu pai comum Deus, àqueles que se imbuíram do mesmo espírito de santidade, e que, embora nascidos do mesmo seio da comum ignorância, depois se nutriram da mesma luz de verdade!' (Tertuliano, Apolog. c. 39).

A forma destas utilíssimas sociedades, constituídas entre os católicos, é a mais variada: círculos, caixas rurais, recreatórios festivos, patronatos para a proteção da juventude, irmandades, e muitíssimos outros, todos instituídos com nobilíssimos intentos. Certamente, todas estas associações têm nomes, formas e fins próprios e imediatos modernos, mas são antiquíssimas na substância, pois se lhes podem distinguir os vestígios desde os inícios do cristianismo. Mais tarde foram reforçadas com leis, distinguidas com divisas próprias, enriquecidas de privilégios, ordenadas ao culto divino nas igrejas, ou então destinadas ao bem das almas e ao alívio dos corpos, e designadas com nomes diversos, segundo os tempos. E, com o correr do tempo, o seu número aumentou tanto, que, sobretudo na Itália, não há cidade, aldeia ou paróquia que não as tenhas muitas, ou ao menos uma.

6. Ora, entre essas associações não hesitamos em dar um lugar eminente à confraria que toma o nome do santo Rosário. Com efeito, se se considerar a sua origem, ela figura entre as mais antigas; porquanto é fama que a haja fundado o próprio Patriarca São Domingos; depois, se se lhe considerarem os privilégios, ela é riquíssima deles pela munificência dos nossos predecessores. Por último, forma e como que alma dessa instituição é o Rosário mariano, cuja eficácia já havemos, em outras circunstâncias, longamente tratado.

Eficácia do Rosário recitado em comum

7. Mas a eficácia e o valor do Rosário aparecem ainda maiores se o considerarmos como um dever imposto à confraria que dele tira o nome. Na verdade, ninguém ignora o quanto é necessária para todos a oração, não porque com ela se possam modificar os divinos decretos, mas porque, como diz São Gregório: 'Os homens, com a oração, merecem receber aquilo que Deus onipotente desde a eternidade decidiu dar-lhes' (Dialogorum Libros 1, c. 8). E Santo Agostinho acrescenta: 'Quem sabe bem rezar, sabe também viver bem' (In Psalmos 118).

E a oração justamente alcança a sua eficácia máxima em impetrar o auxílio do Céu, quando é elevada publicamente, com perseverança e concórdia, por muitos fiéis que formem um só coro de suplicantes. Isto resulta evidente dos Atos dos Apóstolos, onde se diz que os discípulos de Cristo, à espera do Espírito Santo prometido, 'perseveravam unânimes na oração' (At 1,14).

Os que oram deste modo certissimamente obterão sempre o fruto da sua oração. E isto justamente se verifica entre os confrades do santo Rosário. Com efeito, assim como a oração do Ofício divino feita pelos sacerdotes é uma oração pública e contínua, e por isto eficacíssima; assim também, em certo sentido, é pública, contínua e comum a oração dos confrades do Rosário: definido este, em razão disto, por alguns Pontífices Romanos, 'O Breviário da Virgem'.

8. Depois, conforme já dissemos, como as orações públicas têm uma excelência e uma eficácia maiores do que as privadas, por isto a Confraria do Rosário também foi chamada pelos escritores eclesiásticos 'milícia orante, alistada pelo Patriarca Domingos, sob as insígnias da divina Mãe'; isto é, daquela que a Sagrada Escritura e os fastos da Igreja saúdam como vencedora do demônio e de todas as heresias. E isto porque o Rosário mariano liga com um vínculo comum todos aqueles que podem associar-se a ela, fazendo-os, como que irmãos e co-milicianos.

E assim eles formam uma fortíssima falange, inteiramente armada e pronta a repelir os assaltos dos inimigos, quer internos, quer externos. Por isto, os membros desta pia associação podem com razão aplicar a si mesmos aquelas palavras de São Cipriano: 'Nós temos uma oração pública e comum, e, quando oramos, não oramos por um simples indivíduo, mas pelo povo todo, porque, quantos somos, formamos uma coisa só' (São Cipriano, De Oratione Dominica).

9. Aliás, a história da Igreja atesta a força e a eficácia destas orações, recordando-nos a derrota das forças turcas na batalha naval de Lepanto, e as esplêndidas vitórias alcançadas no século passado sobre os mesmos turcos em Temesvar, na Hungria, e perto da ilha de Corfu. Do primeiro fato permanece como monumento perene a festa de Nossa Senhora das Vitórias, instituída por Gregório XIII, e depois consagrada e estendida à Igreja universal por Clemente XI, sob o nome de festa do Rosário.

Justificação do Rosário

10. Pelo fato, pois, de estar esta milícia orante 'alistada sob a bandeira da divina Mãe', ela adquire uma nova força e se ilustra de nova alegria, como sobretudo demonstra, na recitação do Rosário, a frequente repetição da saudação angélica depois da oração dominical. Esta prática, longe de ser incompatível com a dignidade de Deus - como se insinuasse que nós devemos confiar mais em Maria Santíssima do que no próprio Deus - tem, ao contrário, uma particularíssima eficácia para o comover e no-lo tornar propício. De fato, a fé católica nos ensina que nós devemos orar não só a Deus, mas também aos santos (Concilum Tridentinum Sessio 25), embora de maneira diferente: a Deus, como fonte de todos os bens; aos santos, como intercessores.

'De dois modos pode-se dirigir a alguém um pedido' - diz São Tomás - 'com a convicção de que ele possa atendê-lo ou com a persuasão de que ele possa impetrar aquilo que se pede'. Do primeiro modo só oramos a Deus, porque todas as nossas preces devem ser dirigidas à consecução da graça e da glória, que só Deus pode dar, como é dito no salmo: 'A graça e a glória dá-a o Senhor' (Sl 83,12). Da segunda maneira apresentamos o mesmo pedido aos santos anjos e aos homens; não para que, por meio deles, Deus venha a conhecer os nossos pedidos, mas para que, pela intercessão deles e pelos seus méritos, as nossas preces sejam atendidas.

E por isto, no capítulo VIII, 4 do Apocalipse se diz que 'o fumo dos aromas, pelas orações dos santos, subiu da mão do anjo à presença de Deus' (S. Thomas de Aquino, II-II q. 83, a. 4). Ora, entre todos os santos que habitam as mansões bem-aventuradas, quem poderá competir com a augusta Mãe de Deus em impetrar a graça? Quem poderá com maior clareza ver no Verbo eterno de Deus as nossas angústias e as nossas necessidades? A quem foi concedido maior poder em comover a Deus? Quem como ela tem entranhas de maternal piedade? É este precisamente o motivo pelo qual nós não oramos aos santos do Céu do mesmo modo como oramos a Deus; 'porquanto à Santíssima Trindade pedimos que tenha piedade de nós, ao passo que a todos os outros santos pedimos que roguem por nós' (S. Th., II-II q. 83, a. 4).

Em vez disto, a oração que dirigimos a Maria tem algo de comum com o culto que se presta a Deus; tanto que a Igreja a invoca com esta expressão, que se costuma endereçar a Deus: 'Tem piedade dos pecadores'. Portanto, os confrades do santo Rosário fazem muito bem em entrelaçar tantas saudações e tantas preces a Maria, como outras tantas coroas de rosas. De feito, diante de Deus Maria é 'tão grande e vale tanto que, a quem quer graças e a ela não recorre, o seu desejo quer voar sem asas'.

Os confrades do Rosário imitam os anjos

11. À confraria de que estamos falando cabe, depois, outro título de louvor, que não queremos passar em silêncio. Cada vez que na recitação do Rosário mariano consideramos os mistérios da nossa salvação, de certo modo imitamos e emulamos os ofícios outrora confiados à milícia angélica. Foram eles, os anjos, que nos tempos estabelecidos revelaram estes mistérios, nos quais tiveram grande parte e intervieram infatigavelmente, compondo o seu semblante ora segundo a alegria, ora segundo a dor, ora segundo a exaltação da glória triunfal.

Gabriel é enviado à Virgem para lhe anunciar a Encarnação do Verbo eterno. Na gruta de Belém, os anjos acompanham com os seus cantos a glória do Salvador, há pouco vindo à luz. Um anjo adverte José a fugir e a dirigir-se para o Egito com o Menino. Enquanto Jesus no Horto sua sangue por causa da sua tristeza, um anjo com a sua palavra compassiva, conforta-o.

Quando Jesus, triunfando sobre a morte, se levanta do sepulcro, anjos noticiam isso às piedosas mulheres. Anjos anunciam que Ele subiu ao Céu, e prenunciam que, de lá, Ele voltará entre as falanges angélicas, para unir a elas as almas dos eleitos, e conduzi-las consigo para entre os coros celestes, acima dos quais 'foi exaltada a santa Mãe de Deus'.

Por isto, de modo especial aos associados que praticam a devoção do Rosário se adaptam às palavras que São Paulo dirigia aos novos discípulos de Cristo: 'Chegastes ao monte de Sião e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celeste e às miríades dos anjos' (Hb 12, 22). Que pode haver de mais excelente e de mais suave do que contemplar a Deus e rogá-lo juntamente com os anjos? Como devem nutrir uma grande esperança e uma grande confiança de gozarem um dia no Céu a beatíssima companhia dos anjos aqueles que na terra, de certo modo, compartilharam o ministério deles!

Auspícios par a difusão da confraria

12. Por tais motivos, os Pontífices Romanos sempre exaltaram com grandíssimos louvores esta confraria dedicada a Maria. Entre outros, Inocêncio VIII define-a como uma 'devotíssima confraria' (Inocêncio VIII, Constitutio "Splendor Paternae Gloriae", 26 de fev. 1491). Pio V atribui à influência dela os seguintes resultados: 'Os fiéis transformaram-se rapidamente em outros homens; as trevas da heresia se dissipam; e a luz da fé católica manifesta-se" (São Pio V, Constitutio Consueverunt RR. PP., 17 set. 1569). Sisto V, observando o quanto esta instituição tem sido fecunda de frutos para a religião, professa-se devotíssimo dela; muitos outros, enfim, enriqueceram-na de preciosas e abundantíssimas indulgências, ou colocaram-na sob a sua particular proteção, inscrevendo-se nesta, e manifestando-lhe por diversos modos a sua benevolência.

13. Movidos por estes exemplos dos nossos predecessores, nós também, ó Veneráveis Irmãos, vivamente vos exortamos e vos conjuramos - como já muitas vezes temos feito - a quererdes dedicar um cuidado todo particular a esta sagrada milícia; de modo que, graças ao vosso zelo, cada dia se organizem em toda parte novas falanges. Que, pela vossa obra e da parte de clero a vós subordinado, que tem cura de almas, venha o resto do povo a conhecer e a avaliar na justa medida a grande eficácia desta confraria, e a sua vantagem em ordem à eterna salvação dos homens.

O Rosário perpétuo

14. E tanto mais insistimos em tal recomendação quanto recentemente refloriu uma belíssima manifestação de piedade mariana: o chamado Rosário 'perpétuo'. De bom grado abençoamos esta iniciativa, e vivamente desejamos que vos apliqueis com solicitude e zelo ao seu incremento. De feito, nutrimos viva esperança de que não poderão deixar de ser bastante eficazes os louvores e as preces que saem incessantemente da boca e do coração de uma imensa multidão, e que, alternando-se dia e noite pelas várias regiões do mundo, unem a harmonia das vozes à meditação das divinas verdades.

E certamente a continuidade destes louvores e destas preces foi prefigurada pelas palavras com que Ozias cantava a Judite: 'Bendita és tu, filha, ante o Senhor Deus altíssimo, sobre todas as mulheres da terra... porque Ele hoje tornou tão grande o teu nome, que o teu louvor nunca faltará nos lábios dos homens'. E a este augúrio todo o povo de Israel respondia em voz alta: 'Assim é, assim seja...' (Jd 18, 23. 25. 26).

Entrementes, como auspício dos benefícios celestes, em testemunho da nossa benevolência, de grande coração concedemos, no Senhor, a Bênção Apostólica a vós, Veneráveis Irmãos, ao clero e a todo o povo confiado à vossa fiel vigilância.

sábado, 20 de setembro de 2025

O MISTÉRIO DA INIQUIDADE E A GRANDE REVOLUÇÃO


Há na Revolução um mistério, um mistério de iniquidade que os revolucionários não podem compreender, pois somente a Fé, que eles não possuem, pode dar a chave. Para compreender a Revolução, é preciso remontar até ao pai de toda revolta, que primeiro ousou dizer e ousa repetir até o final dos séculos: Non serviam - não servirei.

Satanás é o pai da Revolução. A Revolução é sua obra, começa no Céu e se perpetua pela humanidade a cada era. O pecado original, pelo qual Adão, nosso primeiro pai, igualmente se revoltou contra Deus, introduziu na Terra, não ainda a Revolução, mas o espírito de orgulho que é o seu princípio; e desde então o mal cresceu sem parar, até a aparição do Cristianismo, que o combateu e o fez recuar.

A Renascença pagã, depois Lutero e Calvino, Voltaire e Rousseau, fizeram despertar o poder maldito de Satanás, seu pai; e, favorecido pelos excessos do cesarismo, este poder recebeu, no início da Revolução Francesa, uma espécie de consagração, uma constituição que ela não tinha tido até então e que faz dizer com justiça que a Revolução nasceu na França em 1789. 'A Revolução Francesa' - dizia em 1793 o feroz Babeuf - 'não é senão a precursora de uma revolução bem maior, bem mais solene, e que será a última'. Esta revolução suprema e universal, que já cobre o mundo, é a Revolução. Pela primeira vez, desde há seis mil anos, ela ousou designar-se perante o Céu e a Terra por seu nome verdadeiro e satânico: a Revolução, quer dizer, a grande revolta.

Ela tem por lema, como o do demônio, a famosa frase: Non serviam. Ela é satânica na sua essência e, ao derrubar todas as autoridades, tem por fim último a destruição total do Reino de Cristo sobre a Terra. A Revolução, não esqueçamos, é antes de tudo um mistério de ordem religiosa; é o anticristianismo. É isto que constatou, na sua encíclica de 8 de Dezembro de 1849, o Soberano Pontífice Pio IX: 'A Revolução é inspirada pelo próprio Satanás. A sua meta é destruir de alto-a-baixo o edifício do Cristianismo e de reconstruir sobre as suas ruínas a ordem social do paganismo'. 

Admoestação solene confirmada à risca pelos próprios fiéis da Revolução: 'A nossa meta final - diz a instrução secreta da Alta Venda* - é aquela de Voltaire e da Revolução Francesa, a aniquilação definitiva do Catolicismo e até mesmo da ideia cristã'.

(Mons. Louis-Gaston de Ségur, 1861).

* A Instrução Permanente da Alta Venda consiste em um documento secreto que descreve um plano de subversão da Igreja Católica, redigido no início do século XIX. A chamada Alta Venda correspondia então ao núcleo regente da maçonaria europeia e constituía a mais importante loja dos Carbonários (que atuaram principalmente na Itália e na França), uma sociedade secreta italiana também ligada à maçonaria e que, juntamente com ela, foi condenada pela Igreja Católica.

terça-feira, 8 de julho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XIX/Final)

P. 41 - Quais são as disposições que os membros da Igreja de Cristo devem ter e que linha de conduta devem seguir em relação àqueles que estão separados de sua comunhão?

É impossível ter um amor verdadeiro e sincero por Deus sem também amar tudo o que está relacionado com Ele; e quanto mais algo estiver relacionado com Deus, maior deve ser o nosso amor por isso. Ora, todos aqueles que estão em uma religião falsa, embora separados da comunhão da Igreja, têm, em muitos outros aspectos, uma conexão muito próxima com Deus, pois são suas criaturas, obra de suas mãos, feitas para sua glória; são suas imagens, feitas à semelhança e semelhança de Deus; são redimidos pelo sangue de Jesus, que morreu pela humanidade; são criados para serem eternamente felizes com Ele no céu; pois Deus não deseja a morte do pecador, mas sim que ele se converta e viva.

Todas estas considerações mostram que somos obrigados a ter um amor sincero e fervoroso por eles, e um zelo caridoso pela sua salvação eterna e, consequentemente, a ter a mais terna simpatia e compaixão por eles, considerando o perigo em que se encontram as suas almas; e esta é a disposição radical e essencial dos nossos corações, que somos obrigados a ter para com toda a humanidade, sem exceção. Temos um belo exemplo disso em São Paulo, que expressa assim a disposição de seu coração para com seus irmãos, os judeus incrédulos: 'Falo a verdade em Cristo, não minto, minha consciência me testemunha no Espírito Santo, que tenho grande tristeza e pesar em meu coração: pois eu desejava ser anátema' (isto é, uma maldição) de Cristo, por meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne' (Rm 9,1-3). Agora, esse amor sincero e zelo pela salvação deles deve se manifestar principalmente nos seguintes pontos:

(i) 'Estar sempre prontos para satisfazer a todos os que nos pedirem razão da esperança que há em nós' (1Pd 3,15), isto é, estar sempre dispostos e prontos para explicar nossa santa fé a eles e mostrar-lhes os fundamentos sobre os quais nossa fé está construída, sempre que algum deles nos pedir para fazê-lo. Isso deve ser feito com toda a modéstia e mansidão para com eles, sem entrar em disputas inúteis, nem manter contendas com calor e acrimônia, mesmo que eles sejam tão irracionais no que dizem contra nós, mas dando conta da esperança que há em nós com mansidão e caridade, e deixando o resto à disposição da Divina Providência; pois a Escritura diz: 'Rejeita as discussões tolas e absurdas, visto que geram contendas. Não convém a um servo do Senhor altercar; bem ao contrário, seja ele condescendente com todos, capaz de ensinar, paciente em suportar os males. É com brandura que deve corrigir os adversários, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento e o conhecimento da verdade, e voltem a si, uma vez livres dos laços do demônio, que os mantém cativos e submetidos aos seus caprichos'. (2 Tm 2,23-26) e 'Procedei com sabedoria no trato com os de fora. Sabei aproveitar todas as circunstâncias. Que as vossas conversas sejam sempre amáveis, temperadas com sal, e sabei responder a cada um devidamente' (Cl 4,5-6).

(ii) Ser sincero em orar a Deus pela conversão e salvação deles é como expressamente ordenado nas Escrituras: 'Desejo, portanto, antes de tudo, que súplicas, orações, intercessões e ações de graças sejam feitas por todos os homens... pois isso é bom e agradável aos olhos de Deus, que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade' (1Tm 2,1.3-4). Temos um belo exemplo disso no mesmo santo apóstolo, que, cheio de caridade pela salvação dos judeus, tem pena do zelo equivocado deles por seus próprios erros e derrama as orações de seu coração por eles: 'Irmãos' - diz ele - 'a vontade do meu coração e a minha oração a Deus é pela salvação deles; pois lhes dou testemunho de que têm zelo por Deus, mas não segundo o discernimento' (Rm 10, 1-2).

(iii) Dar-lhes bom exemplo, pelo exercício de boas obras e pela prática de todas as virtudes cristãs. Nada é mais eficaz para dar aos outros uma opinião favorável de nossa santa religião do que uma vida boa. Este é um argumento vivo que ensina os mais ignorantes e convence os mais obstinados. E, por isso, encontramos isso repetidamente ordenado nas Escrituras com o propósito de edificar aqueles que estão de fora e estimulá-los a glorificar a Deus. 'Assim brilhe a vossa luz' - diz o próprio Jesus Cristo - 'diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai celestial' (Mt 5,16). E São Pedro se expressa assim sobre este importante dever: 'Caríssimos, rogo-vos que, como estrangeiros e peregrinos, vos abstenhais dos desejos da carne, que combatem contra a alma. Comportai-vos nobremente entre os pagãos. Assim, naquilo em que vos caluniam como malfeitores, chegarão, considerando vossas boas obras, a glorificar a Deus no dia em que ele os visitar... porque esta é a vontade de Deus que, praticando o bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos' (1Pd 2, 11-12.15).  São Paulo também exige a mesma coisa, dizendo: 'Em tudo, mostre-se um exemplo de boas obras, na doutrina, na integridade, na seriedade; que a sua fala seja sã, de modo a não ser censurada, para que o adversário seja confundido, não tendo a dizer de nós mal algum (Tt 2,7-8).

(iv) Por último, se, apesar de tal comportamento piedoso e edificante, perseguições e provações forem permitidas pela Divina Providência para nos atingir por seus próprios propósitos sábios e justos, se formos caluniados falsamente, se as verdades de nossa santa religião forem difamadas e nossa doutrina deturpada, não devemos nos surpreender nem desanimar; mas lembrar que essa foi a maneira como o mundo tratou nosso próprio Senhor e Mestre, que predisse que os seus fiéis seguidores seriam tratados da mesma maneira. São Pedro também nos assegura que este é um dos sinais daqueles que seguem seitas de perdição, falar mal da verdade, 'por meio dos quais' - diz ele - 'o caminho da verdade será difamado' (2Pd 2,2) e São Judas acrescenta: 'que blasfemam contra tudo o que ignoram' (Jd 1,10).

Tais provações não devem diminuir, nem mesmo no menor grau, nossa sincera caridade por eles e nosso desejo de sua salvação; mas, ao contrário, devem aumentar nossa piedade e compaixão por suas pobres almas e nos tornar mais sinceros em nossas orações por eles, imitando nosso abençoado Salvador, que, na própria cruz, orou por seus perseguidores: 'Pai' - disse Ele - 'perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem'. Acima de tudo, nunca devemos ter o menor pensamento de vingança, 'não retribuindo mal com mal, nem injúria com injúria, mas, pelo contrário, abençoando; pois para isso fostes chamados, para que herdeis a bênção' (1Pd 3,9). Pelo contrário, considerando nossas provações como dispostas e ordenadas pela mão de Deus, 'sem o qual nem um cabelo de nossa cabeça pode cair em terra', devemos 'regozijar-nos por sermos considerados dignos de sofrer afronta por causa de Cristo' (At 5,41).

Pois 'se também sofrerdes por causa da justiça, sois bem-aventurados... pois é melhor fazer o bem (se tal for a vontade de Deus) e sofrer do que fazer o mal' (1Pd 3,14.17). E, portanto, 'Caríssimos, não vos perturbeis no fogo da provação, como se vos acontecesse alguma coisa extraordinária. Pelo contrário, alegrai-vos em ser participantes dos sofrimentos de Cristo, para que vos possais alegrar e exultar no dia em que for manifestada sua glória. Se fordes ultrajados pelo nome de Cristo, bem-aventurados sois vós, porque o Espírito de glória, o Espírito de Deus repousa sobre vós. Que ninguém de vós sofra como homicida, ou ladrão, ou difamador, ou cobiçador do alheio. Se, porém, padecer como cristão, não se envergonhe; pelo contrário, glorifique a Deus por ter esse nome' (1Pd 4,12-16), lembrando-se sempre das palavras de nosso Senhor: 'Bem-aventurados sois quando os homens vos injuriarem e perseguirem, e disserem falsamente todo mal contra vós por minha causa; alegrai-vos e exultai, pois será grande a vossa recompensa nos céus' (Mt 5,12).

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

sábado, 28 de junho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XVIII)

P. 39 - Quais são os sentimentos e disposições adequadas que esta grande verdade deve produzir nos corações e na conduta dos membros da Igreja de Cristo?

Nada pode contribuir mais eficazmente para produzir as disposições mais necessárias e salutares em seus corações, tanto para com Deus, quanto para com os outros e para com aqueles que estão separados de sua comunhão, do que a consideração frequente e séria de sua vocação para a fé em Cristo e para a comunhão daquela Igreja, fora da qual não há salvação.

No que diz respeito a Deus, não pode deixar de inspirar-lhes os mais ternos sentimentos de afeto, amor e gratidão para com Ele, os que se veem tão altamente favorecidos pela sua infinita bondade, sem qualquer mérito de sua parte, e em preferência a tantos milhares de outros que são deixados na ignorância e no erro. Eles nunca devem deixar de louvá-lo e adorá-lo por um favor tão grande e inestimável, e devem ser assíduos em dar provas da sinceridade de sua gratidão e amor a Ele, por meio da obediência contínua aos seus mandamentos. Quão agradáveis são essas coisas ao Deus Todo-Poderoso, e o quanto Ele as exige daqueles a quem Ele tanto favoreceu, é evidente por sua própria Palavra Divina, onde somos frequentemente lembrados da grandeza da graça de nossa vocação e urgentemente ordenados a retribuir adequadamente a Deus por ela, por meio dessas virtudes sagradas.

'Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo' - diz São Paulo - 'que do alto do céu nos abençoou com toda a bênção espiritual em Cristo, e nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos... Por isso também eu, tendo ouvido falar da vossa fé no Senhor Jesus, e do amor para com todos os cristãos, não cesso de dar graças a Deus por vós, lembrando-me de vós nas minhas orações. Rogo ao Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê um espírito de sabedoria que vos revele o conhe­cimento dele; que ilumine os olhos do vosso coração, para que compreendais a que esperança fostes chamados, quão rica e gloriosa é a herança que ele reserva aos santos, e qual a suprema grandeza de seu poder para conosco, que abraçamos a fé. É o mesmo poder extraordinário que ele manifestou na pessoa de Cristo' (Ef 1,3-4.15-20). Vede com que ardor ele deseja que tenhamos uma noção adequada dessa grande misericórdia! E um pouco depois, descrevendo a grandeza desse favor e o retorno que ele exige de nós, ele diz: 'porquanto é por ele que ambos temos acesso junto ao Pai num mesmo espírito. Consequentemente, já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus (Ef 2,18-20). E ainda: 'Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. Ora, o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Se­nhor, e não tenhais cumplicidade nas obras infrutíferas das trevas' (Ef 5,8-11). Em outro texto, nos diz: 'para que vos comporteis de maneira digna do Senhor, procurando agradar-lhe em tudo... Sede contentes e agradecidos ao Pai, que vos fez dignos de participar da herança dos santos na luz. Ele nos arrancou do poder das trevas e nos introduziu no Reino de seu Filho muito amado' (Cl 1,10.12-13). E, novamente, escrevendo a Tito, ele diz: 'É fiel esta palavra, e estas coisas quero que afirmes constantemente, para que os que crêem em Deus se esforcem por praticar boas obras' (Tt 3,8).

Por fim, para mostrar a necessidade absoluta dessa correspondência grata da nossa parte com a grande bondade de Deus para conosco, ele nos assegura que somente sob a condição de perseverarmos em nossa santa fé e na esperança de nosso chamado, podemos esperar a recompensa eterna de sermos apresentados sem mancha diante de Deus: 'Considerando que' - 'diz ele - 'algumas vezes vocês estavam alienados e eram inimigos em sua mente, em más obras; mas agora Ele os reconciliou no corpo da sua carne, para apresentá-los santos, imaculados e irrepreensíveis diante dele, se assim continuarem na fé, fundamentados e firmes, e inabaláveis no Evangelho que ouviram, que é pregado em toda a criação que está debaixo do céu' (Cl 1,21-23). São Pedro também descreve a graça da nossa vocação nos termos mais belos e assegura-nos que o próprio desígnio de Deus ao nos chamar era que pudéssemos retribuir-lhe adequadamente, proclamando os seus louvores. 'Vós sois uma geração eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo adquirido, para que proclameis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua admirável luz' (1Pd 2,9). Que grande obrigação tudo isso nos impõe de viver uma vida boa e de nos esforçarmos em todas as coisas para fazer a vontade de Deus, especialmente quando o próprio Cristo diz expressamente: 'Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos céus'!

P. 40. Quais são as disposições e o comportamento que esta inestimável bondade de Deus exige dos membros da sua Igreja uns para com os outros?

São Paulo descreve-nos isso de forma muito clara, da seguinte maneira: 'Exorto-vos, pois, – prisioneiro que sou pela causa do Senhor –, que leveis uma vida digna da vocação à qual fostes chamados, com toda a humildade e ama­bilidade, com grandeza de alma, suportando-vos mutuamente com caridade. Sede solícitos em conservar a unidade do Espírito no vínculo da paz. Sede um só corpo e um só espírito, assim como fostes chamados pela vossa vocação a uma só esperança. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que atua acima de todos, por todos e em todos' (Ef 4,1-6).  Vejam aqui com que cores fortes ele mostra que a humildade, a mansidão e o amor fraternal são virtudes essenciais à nossa vocação, e que tudo o que pertence à nossa santa religião exige que vivamos na prática constante delas; que estamos todos unidos em um só corpo, a Igreja de Cristo animada por um só espírito, o espírito de Jesus, que guia e conduz esse corpo a toda a verdade; que somos chamados a uma só esperança da nossa vocação, a posse do próprio Deus na glória eterna; que todos servimos a um único Senhor, nosso Senhor Jesus Cristo; que todos professamos uma única fé, aquela santa fé que Ele revelou à humanidade, sem a qual é impossível agradar a Deus; que todos somos santificados por um único batismo; que todos servimos a um único Deus; que todos somos filhos de um único Pai; e que este Pai celestial está sempre presente conosco, e toda a nossa conduta está nua e aberta diante Dele. Quão impróprio, então, deve ser aos olhos deste nosso Pai, ver-nos entretendo discórdias ou má vontade entre nós! E quão indigno de nossa vocação e desonroso para nossa religião se, sendo membros do mesmo corpo, servos do mesmo mestre e filhos do mesmo Pai, unidos por tantos laços fortes de religião, vivêssemos em animosidade e inimizade uns com os outros!

Em outro texto, o mesmo santo apóstolo, descrevendo as disposições necessárias para aqueles a quem Deus chamou, como seus eleitos, para a graça inestimável de serem membros da sua santa Igreja, diz: 'Portanto, como eleitos de Deus, santos e queridos, revesti-vos de entra­nhada misericórdia, de bondade, humildade, doçura, paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, toda vez que tiverdes queixa contra outrem. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai também vós' (Cl 3,12-13).  E o comportamento contrário é tão impróprio e tão indigno da nossa vocação, que São Tiago declara que é até diabólico: 'Se tendes zelo amargo e contendas em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade; porque isso não é sabedoria que desce do alto, mas é terrena, sensual, diabólica' (Tg 3,14). Tudo isso é extraído da doutrina expressa do nosso grande Mestre, que não apenas ordena a todos os seus seguidores que vivam em amor fraternal e união entre si, mas declara que isso está tão ligado à sua vocação que é o sinal distintivo de que pertencem a Ele: 'Nisto todos saberão' - diz Ele - 'que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros' (Jo 13,35).

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

sexta-feira, 13 de junho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XVII)

P. 37 - De que maneira, então, esses santos se expressam sobre esse assunto?

Seria interminável coletar todos os seus testemunhos; os poucos que se seguem podem ser suficientes como amostra do todo. Santo Inácio, bispo de Antioquia e discípulo dos apóstolos, em sua epístola aos filadelfianos, diz: 'Aqueles que se separam não herdarão o reino de Deus'. São Irineu, bispo de Lyon e mártir na segunda era, diz: 'A Igreja é a porta da vida, mas todos os outros são ladrões e salteadores e, portanto, devem ser evitados' (DeHar., lib. i. c. 3). São Cipriano, bispo de Cartago e mártir em meados da terceira era, diz: 'A casa de Deus é uma só, e ninguém pode ter a salvação senão na Igreja' (Epist. 62, 4). E no seu livro sobre a unidade da Igreja, ele diz: 'Não pode ter Deus como pai quem não tem a Igreja como mãe. Se alguém que estivesse fora da arca de Noé pudesse escapar, então aquele que está fora da Igreja também poderia escapar'.

No século IV, São Crisóstomo diz assim: 'Sabemos que a salvação pertence SOMENTE à Igreja e que ninguém pode participar de Cristo, nem ser salvo, fora da Igreja Católica e da fé católica' (Hom. i. in Pasch). Santo Agostinho, na mesma época, diz: 'Somente a Igreja Católica é o corpo de Cristo; o Espírito Santo não dá vida a ninguém que esteja fora deste corpo' (Epist. 185, 50). E em outro lugar: 'Ninguém pode ter a salvação, a não ser na Igreja Católica. Fora da Igreja Católica, pode ter tudo menos a salvação. Pode ter honra, pode ter o batismo, pode ter o Evangelho, pode acreditar e pregar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; mas não pode encontrar a salvação em nenhum outro lugar que não seja a Igreja Católica' (Serm. ad Cczsariens de Emerit). E ainda uma outra vez (Epist. 209, ad Feliciam).: 'Na Igreja Católica, há bons e maus. Mas aqueles que estão separados dela, enquanto as suas opiniões forem opostas às dela, não podem ser bons. Pois, embora a conversa de alguns deles pareça louvável, a sua própria separação da Igreja torna-os maus, de acordo com o que diz o nosso Salvador: 'Aquele que não está comigo está contra mim; e aquele que não ajunta comigo, espalha' (Lc 11,23).

Lactâncio, outra grande luz da quarta era, diz: 'É somente a Igreja Católica que mantém a verdadeira adoração. Esta Igreja é a fonte da verdade, é a casa da fé, é o templo de Deus. Se alguém não entrar nesta Igreja ou se afastar dela, a sua salvação eterna estará perdida. Ninguém deve iludir-se obstinadamente, pois a sua alma e a sua salvação estão em jogo' (Divin. Instit., lib. iv. c. 30). São Fulgêncio, no século VI, diz assim: 'Acredite firmemente, e sem qualquer dúvida, que ninguém que seja batizado fora da Igreja Católica pode participar da vida eterna, se, antes do fim desta vida, não for restaurado à Igreja Católica e incorporado nela' (Lib. de Fid., c. 37). Isto é suficiente para mostrar a fé do mundo cristão em todas as épocas anteriores; pois todos os escritores sagrados do cristianismo, em todas as épocas, falam sobre este assunto da mesma forma.

P. 38. Esses testemunhos são fortes e falam claramente sobre o assunto; mas, depois de tais provas, não é surpreendente que alguém questione esse ponto?

Isso, na verdade, só pode ser explicado pelo espírito geral de mundanismo e desconsideração por toda religião que agora prevalece universalmente; pois os primeiros reformadores e alguns de seus seguidores, vendo as fortes provas da Escritura para essa doutrina e não encontrando o menor fundamento nesses escritos sagrados para apoiar o contrário, reconheceram-na de forma justa, por mais que isso fosse contra eles mesmos. Vimos como os teólogos de Westminster se pronunciam sobre este assunto na Confissão de Fé, usada até hoje pela Igreja da Escócia, e que foi ratificada e adotada pela Assembleia Geral no ano de 1647, como padrão da sua religião. 

Mas os seus antecessores no século anterior, quando a religião presbiteriana começou na Escócia, falam com igual clareza sobre o mesmo assunto; pois na sua Confissão de Fé, autorizada pelo Parlamento no ano de 1560, 'como uma doutrina fundamentada na Palavra infalível de Deus', eles dizem o seguinte, no Artigo xvi: 'Assim como acreditamos em um único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, também acreditamos firmemente que, desde o início, existiu, existe agora e existirá até o fim do mundo uma única Igreja, ou seja, uma única comunidade e multidão de homens, escolhidos por Deus, que o adoram e abraçam corretamente pela verdadeira fé em Jesus Cristo... Essa Igreja é católica, isto é, universal, porque contém os eleitos de todas as épocas e, fora dessa Igreja não há vida nem felicidade eterna; e, portanto, abominamos totalmente a blasfêmia daqueles que afirmam que os homens que vivem de acordo com a equidade e a justiça serão salvos, qualquer que seja a religião que professem'. Esta confissão da Igreja original da Escócia foi reimpressa e publicada em Glasgow no ano de 1771, de onde esta passagem foi retirada. O próprio Calvino confessa a mesma verdade, nestas palavras, falando da Igreja visível: 'Fora do seu seio' - diz ele - 'não se pode esperar remissão dos pecados, nem salvação, de acordo com Isaías, Joel e Ezequiel... de modo que é sempre altamente pernicioso afastar-se da Igreja' e isto ele afirma nas suas próprias instituições (B. iv. c. i 4).

Acrescentaremos mais um testemunho particularmente forte; é do Dr. Pearson, bispo da Igreja da Inglaterra, na sua exposição do Credo (edit. 1669), onde ele diz: 'A necessidade de acreditar na Igreja Católica apareceu, em primeiro lugar, no fato de Cristo a ter designado como o único caminho para a vida eterna. Lemos no início do Livro dos Atos (At 2,47), que o Senhor acrescentava diariamente à Igreja aqueles que deveriam ser salvos; e o que era feito diariamente naquela época tem sido feito continuamente desde então. Cristo nunca designou dois caminhos para o céu; nem construiu uma Igreja para salvar alguns e criou outra instituição para a salvação de outros homens (At 4,12). Não há outro nome dado aos homens sob o céu pelo qual devamos ser salvos, senão o nome de Jesus; e esse nome não é dado sob o céu senão na Igreja. 

Assim como ninguém foi salvo do dilúvio, exceto aqueles que estavam dentro da arca de Noé, construída para recebê-los por ordem de Deus; assim como nenhum dos primogênitos do Egito sobreviveu, exceto aqueles que estavam dentro das habitações cujas ombreiras das portas foram aspergidas com sangue, por designação de Deus, para sua preservação; assim como nenhum dos habitantes de Jericó pôde escapar do fogo ou da espada, exceto aqueles que estavam dentro da casa de Raab, para cuja proteção foi feita uma aliança; assim NINGUÉM escapará da ira eterna de Deus uma vez que não pertença à Igreja de Deus. 

Vede até que ponto a força da verdade prevaleceu entre os membros mais eminentes da Reforma antes que os princípios liberais se infiltrassem entre eles! Que reprovação deve ser esta perante o tribunal de Deus para aqueles membros da Igreja de Cristo que questionam ou procuram invalidar esta grande e fundamental verdade, a própria fronteira e barreira da verdadeira religião: que é tão repetidamente declarada por Deus nas suas Sagradas Escrituras, professada pela Igreja de Cristo em todas as épocas, atestada nos termos mais fortes pelas luzes mais eminentes do cristianismo e reconhecida com franqueza pelos escritores e teólogos mais célebres da Reforma! Não será que toda tentativa de enfraquecer a importância desta verdade divina será considerada pelo grande Deus como uma traição à sua causa e aos interesses da sua santa fé? E aqueles que assim o fizerem serão capazes de invocar a sua predileta e invencível ignorância em sua própria defesa perante Ele?

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

quarta-feira, 4 de junho de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XVI)

P. 35 - O que devemos dizer sobre os membros da Igreja de Cristo que abandonam a sua religião e renunciam à sua fé?

Como o próprio Deus deu uma resposta completa e clara a esta pergunta em três passagens diferentes das suas Sagradas Escrituras, seria presunção responder com outras palavras que não as suas. Primeiro, Ele diz, pela boca do seu santo apóstolo São Paulo: 'É impossível que aqueles que uma vez foram iluminados, provaram também o dom celestial e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram, além disso, a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e aindaa ssim se afastaram, sejam renovados novamente em penitência, crucificando novamente para si mesmos o Filho de Deus e zombando dele. Porque a terra que bebe a chuva que frequentemente cai sobre ela e produz ervas úteis para aqueles que a cultivam, recebe bênção de Deus; mas aquela que produz espinhos e sarças é rejeitada e está muito perto de uma maldição, cujo fim é ser queimada' (Hb 6,4). 

Sobre essa passagem, o falecido erudito e piedoso editor do Novo Testamento de Reims diz, na nota, 'que é impossível para aqueles que caíram após o batismo serem batizados novamente; e muito difícil para aqueles que apostataram da fé, depois de terem recebido muitas graças, retornarem novamente ao estado feliz do qual caíram'. Mais uma vez, 'se pecarmos voluntariamente', diz o mesmo santo apóstolo, 'depois de termos recebido o conhecimento da verdade, não resta nenhum sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectativa terrível de julgamento e a fúria de um fogo que consumirá os adversários' (Hb 10,26). Sobre o que o mesmo autor erudito diz: 'Ele fala do pecado da apostasia voluntária da verdade conhecida; depois disso, como não podemos ser batizados novamente, não podemos esperar ter aquela remissão abundante dos pecados, que Cristo comprou com a sua morte, aplicada às nossas almas de maneira tão ampla como no batismo; mas temos, antes, todos os motivos para esperar um julgamento terrível; tanto mais porque os apóstatas da verdade conhecida raramente ou nunca têm a graça de voltar a ela'. 

Por fim, pela boca do santo apóstolo São Pedro, Deus declara assim o estado dessas pessoas: 'Pois, se, fugindo das contaminações do mundo, pelo conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, eles se envolvem novamente nelas e são vencidos, o seu estado posterior torna-se pior do que o anterior. Pois teria sido melhor para eles nunca terem conhecido o caminho da justiça do que, depois de o terem conhecido, se afastarem do santo mandamento que lhes foi entregue. Pois o verdadeiro provérbio aconteceu-lhes: O cão voltou ao seu vômito, e a porca lavada voltou a revolver-se na lama' (2Pd 2,20-22).

P. 36 - O senhor disse acima que só recentemente essa maneira descuidada de pensar e falar sobre a necessidade da verdadeira fé e de estar em comunhão com a Igreja de Cristo, que temos examinado, surgiu entre os membros da Igreja; essa mesma linguagem não era usada pelos cristãos em todas as épocas anteriores?

Longe disso; e esse é um dos maiores motivos para sua condenação. É uma novidade, é uma nova doutrina; era algo inédito desde o início; aliás, é diretamente oposto à doutrina uniforme de todas as grandes luzes da Igreja em todas as épocas anteriores. Esses homens grandes e santos, as testemunhas mais irrepreensíveis da fé cristã em seus dias, não conheciam outra linguagem sobre esse assunto além daquela que viram ser falada diante deles por Cristo e seus apóstolos; eles sabiam que seu Mestre Divino havia declarado: 'Aquele que não crer será condenado'; ouviram o seu apóstolo proclamar um terrível anátema contra qualquer um, mesmo que fosse um anjo do céu, que ousasse alterar o Evangelho que Ele havia pregado (cf Gl 1,8); ouviram-no afirmar em termos expressos que 'sem fé é impossível agradar a Deus' e mantiveram constantemente a mesma linguagem. E como não viam na Escritura o menor fundamento para pensar que aqueles que estavam fora da Igreja poderiam ser salvos por ignorância invencível, essa cogitação enganosa não aparece nem uma única vez em todos os seus escritos.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

segunda-feira, 26 de maio de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XV)

P. 33 - Quais são esses argumentos sofísticos com os quais eles são tão enganados?

Nós os vimos acima e os refutamos completamente, um por um. Mas o grande erro deles surge de suas idéias errôneas de ignorância invencível e das condições requeridas para ser um membro da Igreja de Cristo. Pois como eles devem ou negar sua própria fé ou permitir essa proposição geral, que 'sem fé é impossível agradar a Deus', enquanto eles admitem a verdade disso, eles pretendem que, como a ignorância invencível desculpará um homem diante de Deus em todos os outros casos, então ela deve desculpá-lo nisso também. E que, portanto, embora um homem não tenha a verdadeira fé, 'a ignorância invencível o salvará', não advertindo para os dois sentidos que essas palavras contêm, um dos quais é certamente verdadeiro, e o outro não menos certamente falso. A ignorância invencível de fato o salvará da culpa de ter uma fé falsa e de não ter a fé verdadeira: isso é certamente verdade. Mas dizer que a ignorância invencível o salvará, isto é, o levará à salvação, é certamente falso, como tudo o que vimos acima prova plenamente.

Novamente, enquanto eles admitem essa outra proposição geral, que 'fora da verdadeira Igreja de Cristo não há salvação', que eles devem reconhecer ou desistir de sua própria religião, eles supõem que um homem pode ser um membro da verdadeira Igreja aos olhos de Deus, embora não esteja unido a ela em comunhão, como todas as crianças batizadas são, embora nascidas em heresia, pelo menos até que cheguem à idade de julgar por si mesmas. O erro deles está em não refletir que todos os adultos em uma religião falsa podem ser membros da Igreja à vista de Deus em nenhum outro sentido além daqueles de quem nosso Salvador diz: 'Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco'. Mas como Ele declarou expressamente que era necessário trazer até mesmo esses à comunhão da sua Igreja, isso evidentemente mostra que eles e todos os outros não são membros da Igreja de tal forma que possam ser salvos em seu estado atual sem serem unidos a esta comunhão.

P. 34 - Mas não é louvável e digno de louvor mostrar toda a indulgência e condescendência para com aqueles que estão fora da Igreja e se comportar em relação a eles com toda a clemência e brandura?

Sem dúvida: não é apenas louvável, mas um dever estrito, até onde a verdade pode chegar. Mas trair a verdade com essa visão constitui um crime grave e altamente prejudicial para ambas as partes. A experiência, de fato, mostra que a maneira solta de pensar e falar, que alguns membros da verdadeira Igreja têm adotado ultimamente, produz as piores consequências, tanto para eles mesmos quanto para aqueles a quem desejam favorecer.

(i) Aqueles que estão separados da Igreja de Cristo bem sabem que ela professa constantemente, como um artigo de seu credo, que sem a verdadeira fé e fora da sua comunhão, não há salvação. Quando, portanto, eles veem os membros dessa Igreja falando duvidosamente sobre esse ponto, parecendo questionar a verdade da doutrina e até mesmo alegando pretextos e desculpas para explicá-la, o que eles podem pensar? Que efeito isso deve ter em suas mentes? Será que isso não tende a extinguir qualquer desejo de investigar a verdade que Deus possa ter lhes dado e a fechar seus corações contra qualquer pensamento positivo? O amor-próprio nunca deixa de se apoderar avidamente de tudo o que favorece seus desejos; e se uma vez encontrarem essa verdade questionada, mesmo por aqueles que professam acreditar nela, eles a considerarão como uma mera disputa retórica e não pensarão mais no assunto.

(ii) Essa maneira de pensar e falar tende naturalmente a extinguir todo zelo pela salvação das almas nos corações daqueles que a adotam; pois enquanto eles se persuadem de que há uma possibilidade de salvação para aqueles que morrem em uma falsa fé e fora da Igreja de Cristo, o amor próprio facilmente os inclinará a não se preocuparem com sua conversão. Às vezes, chega-se ao ponto de fazer com que alguns pensem que é mais aconselhável não se esforçar para desiludi-los, para que isso não mude sua atual ignorância desculpável, como eles a chamam, em uma obstinação culpável; não refletindo que, por seus esforços piedosos e zelosos, eles podem ser levados ao conhecimento da verdade e salvar suas almas, enquanto que, por sua negligência sem caridade, podem ser privados de tão grande felicidade. Ai do mundo, de fato, se os primeiros pregadores do cristianismo tivessem sido reféns de sentimentos tão pouco cristãos!

(iii) Não é menos prejudicial para os próprios membros da Igreja adotar tais maneiras de pensar; pois isso não pode deixar de esfriar seu zelo e estima pela religião, torná-los mais descuidados em preservar sua fé, prontos para, por motivos mundanos, expô-la ao perigo e, em tempos de tentação, abandoná-la inteiramente. De fato, se um homem estiver completamente persuadido da verdade de sua santa religião e da necessidade de ser membro da Igreja de Cristo, como é possível que ele se exponha a qualquer ocasião de perder um tesouro tão grande, ou que, por qualquer medo ou favor mundano, o abandone? Uma vez que a experiência mostra que muitos, por alguma vantagem mundana insignificante, se expõem a tal perigo, indo a lugares onde não podem praticar sua religião, mas encontram todos os incentivos para abandoná-la, ou, ao se envolverem em empregos inconsistentes com seu dever, expõem seus filhos às mesmas ocasiões perigosas, isso só pode surgir da falta de uma ideia justa da importância de sua religião; e, após um exame rigoroso, sempre se descobre que algum grau ou outro dos sentimentos de tolerância ou de indiferentismo expostos acima é a causa radical.

(iv) Além disso, se uma pessoa começa a hesitar sobre a importância de sua religião, que estima ou consideração ela pode ter pelas leis, regras ou práticas dela? O amor-próprio, sempre atento à sua própria satisfação, logo lhe dirá que, se não for absolutamente necessário ser dessa religião, muito menos necessário será submeter-se a todos os seus regulamentos; portanto, liberdades são tomadas na prática, os mandamentos da Igreja são desprezados, os exercícios de devoção são negligenciados e uma sombra de religião é introduzida sob a aparência de sentimentos liberais, numa dissipação completa de toda virtude e de uma piedade sólida.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

sexta-feira, 16 de maio de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XIV)

P. 31 - Isto é muito forte, de fato. Mas como este é um caso em que muitos pretendem dar grande ênfase, de onde vem o peso que parece ter para estes em favor daqueles que até mesmo morrem em uma religião falsa?

O erro deles decorre da ideia que formam para si mesmos das chamadas boas obras e de não observarem a grande diferença que existe entre as boas ações morais naturais e as boas obras cristãs sobrenaturais, que por si só levarão o homem ao céu. Por mais corrompida que seja a nossa natureza pelo pecado, ainda assim há poucos ou nenhum da semente de Adão que não tenha certas boas disposições naturais, sendo alguns mais inclinados a uma virtude, outros a outra. Assim, alguns têm uma disposição humana e benevolente; alguns têm um coração terno e compassivo para com os outros em dificuldades; alguns são justos e retos em seus negócios; alguns são temperantes e sóbrios; alguns são brandos e pacientes; alguns também têm sentimentos naturais de devoção e reverência pelo Ser Supremo. Ora, todas essas boas disposições naturais, por si mesmas, estão longe de ser virtudes cristãs, e são totalmente incapazes de levar um homem ao céu. De fato, elas tornam aquele que as possui agradável aos homens e obtêm estima e consideração daqueles com quem vive, mas não têm qualquer utilidade perante Deus no que diz respeito à eternidade. Para nos convencermos disso, basta observar que boas disposições naturais desse tipo são encontradas em muçulmanos, judeus e pagãos, bem como entre os cristãos; no entanto, nenhum cristão pode supor que um muçulmano, judeu ou pagão, que morre nesse estado, obterá o reino dos céus por meio dessas virtudes.

Os fariseus, entre o povo de Deus, eram notáveis por muitas dessas virtudes: tinham grande veneração pela lei de Deus; faziam profissão aberta de piedade e devoção; davam grandes esmolas aos pobres; jejuavam e oravam muito; eram assíduos em todas as observâncias públicas da religião; eram notáveis por sua estrita observância do sábado e tinham aversão a toda profanação do santo nome de Deus; contudo, o próprio Jesus Cristo declara expressamente: 'Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus' (Mt 5,20). Dizem-nos que um deles subiu ao templo para orar e que era, aos olhos do mundo, um homem muito bom, levava uma vida inocente, livre dos crimes mais grosseiros que são tão comuns entre os homens, jejuava duas vezes por semana e dava o dízimo de tudo o que possuía; no entanto, o próprio Cristo nos assegura que ele foi condenado aos olhos de Deus. Tudo issonos prova que nenhuma das boas disposições da natureza acima mencionadas é capaz, por si só, de levar qualquer homem ao céu. E a razão é que 'não há outro nome dado aos homens debaixo do céu pelo qual possamos ser salvos, a não ser o nome de Jesus' (At 4,12) e, portanto, nenhuma boa obra, qualquer que seja ela, realizada apenas pelas boas disposições da natureza, pode jamais ser coroada por Deus com a felicidade eterna. 

Para obter essa gloriosa recompensa, nossas boas obras devem ser santificadas pelo sangue de Jesus e se tornarem virtudes cristãs. Ora, se examinarmos as Sagradas Escrituras, encontraremos duas condições absolutamente necessárias para tornar nossas boas obras agradáveis a Deus e conducentes à nossa salvação. Primeiro, que estejamos unidos a Jesus Cristo pela verdadeira fé, que é a raiz e o fundamento de todas as virtudes cristãs; pois São Paulo diz expressamente: 'Sem fé é impossível agradar a Deus' (Hb 11,6). Observe-se a palavra impossível; ele não diz que é difícil, mas que é impossível. Portanto, mesmo que um homem tenha tantas boas disposições naturais e seja tão caridoso, devoto e mortificado quanto os fariseus, se ele não tiver verdadeira fé em Jesus Cristo, não poderá entrar no reino dos céus. Recusaram-se a crer nele e, portanto, todas as suas obras de nada valeram para a sua salvação e, a menos que a nossa justiça exceda a deles neste ponto, como o próprio Cristo nos assegura, nunca entraremos no seu reino celestial. 

Mas mesmo a fé verdadeira, por mais necessária que seja, não basta por si só para tornar as nossas boas obras disponíveis para a salvação; pois é necessário, em segundo lugar, que estejamos em caridade com Deus, na sua amizade e graça, sem o que mesmo a fé verdadeira nunca nos salvará. Para nos convencermos disso, basta ouvirmos São Paulo, que diz: 'Ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de remover montanhas, ainda que distribuísse todos os meus bens para alimentar os pobres, ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, isso de nada me aproveitaria' (ICor 13,2). Assim, se um homem for pacífico, regular, inofensivo e religioso em seu caminho, caridoso para com os pobres, e o que mais lhe aprouver, ainda assim, se ele não tiver a verdadeira fé de Jesus Cristo e não estiver em caridade com Deus, todas as suas virtudes aparentes não servem para nada; é impossível para ele agradar a Deus por meio delas e se ele viver e morrer nesse estado, elas não lhe aproveitarão em nada. Por isso,  é manifesto que aqueles que morrem numa religião falsa, por mais inaceitável que seja sua conduta moral aos olhos dos homens, ainda assim, como eles não têm a verdadeira fé de Cristo, e não estão em caridade com Ele, eles não estão no caminho da salvação; pois nada pode nos valer em Cristo, senão 'a fé que opera pela caridade' (Gl 5,6).

P. 32 -  Mas sendo tudo isto tão evidente, como é que hoje em dia alguns, que se professam membros da Igreja de Cristo, parecem por em causa esta verdade, advogando continuamente a favor daqueles que não são da sua comunhão, propondo desculpas para eles e usando todos os seus esforços para provar uma possibilidade de salvação para aqueles que vivem e morrem numa falsa religião?

Este é um daqueles artifícios de que o inimigo das almas faz uso nestes tempos infelizes para promover sua própria causa e que há motivos para temer que tenha, por várias razões, encontrado seu caminho até mesmo entre aqueles que pertencem ao rebanho de Cristo, pelas seguintes razões:

(i) como eles vivem entre aqueles que praticam falsas religiões e muitas vezes têm as conexões mais íntimas com eles, eles naturalmente e muito louvavelmente contraem um amor e afeição por eles. Isso faz com que, a princípio, não queiram pensar que seus amigos deveriam estar fora do caminho da salvação. Depois, passam a desejar e esperar que não seja assim. Daí chegam a questionar o fato de ser assim e, a partir daí, é fácil agarrarem-se a qualquer pretexto para se persuadirem disso; 

(ii) princípios fundamentais podem ser encontrados em todos os lugares nestes nossos dias; uma misericórdia não pactuada, por assim dizer, é encontrada em Deus para muçulmanos, judeus e infiéis, que nunca foi ouvida entre os cristãos. Isso é revestido com o caráter ilusório de uma maneira liberal de pensar e sentimentos generosos e tornou-se moda pensar e falar dessa maneira. Ora, a moda é um persuasivo muito poderoso, contra o qual mesmo as pessoas de bem nem sempre estão à prova; e quando alguém ouve esses sentimentos todos os dias ressoando em seus ouvidos e qualquer coisa que pareça contrária a eles ser ridicularizada e condenada, ele naturalmente cede à ilusão e desvia sua mente de querer examinar a força desses sentimentos, por medo de descobrir sua falsidade. Quando, por medo de sermos desprezados, desejamos que qualquer coisa seja verdadeira, é muito fácil acreditar que ela seja verdadeira e, sem um exame mais aprofundado, qualquer demonstração sofística da razão a seu favor é adotada como conclusiva;

(iii) o interesse mundano também muitas vezes concorre com sua influência dominante para produzir o mesmo fim. Um membro da Igreja de Cristo vê seu amigo separado dela mas com poder e crédito no mundo, capaz de ser de grande interesse para ele, e sabe que, se ele abraçasse a verdadeira fé, perderia toda a sua influência e se tornaria incapaz de servi-lo. Isso o faz esfriar em desejar seu amigo ser realmente um homem de fé. Isso faz com que ele não tenha um real desejo pela sua conversão; mas o pensamento de que seu amigo não está no caminho da salvação o aflige e o sujeito então começa a desejar que ele possa ser salvo como ele se encontra em sua própria religião. Por isso, começa a esperar por isso e adota de bom grado qualquer prova que o faça pensar que sim. É verdade, de fato, que todas estas razões teriam pouca influência sobre um membro sincero da Igreja de Cristo, que compreende a sua religião e tem um sentido justo do que ela lhe ensina a este respeito; 

(iv) o grande infortúnio de muitos que adotam essas maneiras frouxas de pensar e falar é que são ignorantes dos fundamentos de sua religião e não examinam o assunto minuciosamente e, uma vez infectados pelo espírito dos tempos, eles nem estão dispostos a examinar e até mesmo consideram impróprio se qualquer amigo zeloso tentar desiludi-los; agarrando-se a esses sofismas miseráveis que são alegados em favor de sua maneira frouxa de pensar, recusam-se a abrir os olhos para a verdade ou mesmo a considerar as próprias razões que a legitimam.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

quarta-feira, 7 de maio de 2025

COMEÇA O CONCLAVE!


O conclave para eleger o próximo pontífice começa hoje no Vaticano. Ao todo, 133 cardeais participam da votação secreta que escolherá o novo líder da Igreja Católica. Que, sob a luz do Espírito Santo, escolham um papa santo para a Santa Igreja!