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sábado, 25 de junho de 2022

A FÉ EXPLICADA: A MORTE DE NOSSA SENHORA


O dogma da Assunção de Nossa Senhora, 'assunta em corpo e alma à glória do céu', foi proclamado pelo Papa Pio XII, por meio da Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, publicada em 1º de novembro de 1950, nos seguintes termos: 'com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem aventurados apóstolos Pedro e Paulo e com a nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que a Imaculada Mãe de Deus e sempre Virgem Maria, terminado o curso da sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória do céu'.

A premissa fundamental da chamada 'Assunção' de Nossa Senhora (festa litúrgica a 15 de agosto) pressupõe que a Mãe de Deus não poderia subir ao Céu por seu próprio poder antes de sua morte e ressurreição - salvo por um milagre da intervenção do próprio Deus. Jesus Cristo, ao contrário, poderia ascender ao Céu por seu próprio poder mesmo antes de sua morte e gloriosa ressurreição - o que caracteriza esta subida ao Céu como a 'Ascensão' do Senhor (festa litúrgica no Sétimo Domingo da Páscoa). Neste contexto, portanto, Nossa Senhora morreu e ressuscitou.

Mas sendo a morte uma consequência direta do pecado, como Aquela isenta de pecado poderia então morrer? A imortalidade de Maria derivaria assim, como um preceito lógico, do privilégio de sua imaculada conceição. Mas uma vez que Nossa Senhora foi a primeira e a mais fiel e perfeita discípula de Jesus e porque assumiu e encerra a maternidade espiritual de todos os homens, não seria óbvio que ela  participasse igualmente dos mistérios da morte e ressurreição? Se a encarnação a privilegia para garantir a origem divina do Redentor (por meio da sua Imaculada Conceição), sua participação na obra salvífica de Cristo a consubstancia em seu sofrimento e morte (por meio da sua própria morte), para assim exprimir a sua plena realização humana. 

Esta é a concepção aceita e assumida pela Tradição da Igreja em relação à morte de Maria, mesmo diante a falta de evidências dos textos sagrados e das manifestações algo reticentes dos Padres da Igreja sobre este assunto. Nossa Senhora experimentou a morte e a ressurreição a exemplo do seu filho Jesus. A sua morte, porém, foi tão suave e serena como a imersão aconchegante do corpo em um sono calmo e reparador, tão extraordinária que a Igreja concebeu simplesmente por chamá-la 'dormição' da Virgem Maria.

terça-feira, 15 de março de 2022

A FÉ EXPLICADA: PODEMOS FICAR ENTEDIADOS NA ETERNIDADE DO CÉU?


Não, uma alma eleita não pode, nem na mais remota circunstância, ficar 'entediada' das glórias celestes ou da Visão Beatífica. Isso é algo tão absurdo, mais absurdo do que pretender colocar as águas de todos os oceanos da terra em um único e simples copo. Porque Deus de Deus, Luz da Luz - a onipotência divina - não é passível de mensuração pelo tempo, pela percepção de sentidos exteriores, pela miserabilidade da natureza humana.

Deus não pode entediar as almas dos eleitos - porque é Deus. E, em Deus, não existe amplitude, existe plenitude. E, à falta dessa percepção e esmagados pelo furor da deusa razão, os homens mensuram Deus e as coisas de Deus, incluindo o conhecimento, o amor ou a onipotência, sob a ótica humana de um deus de finitude provável. Sob a tutela desse diapasão, constroem então uma ideia falsificada e infantil da eternidade como sendo um tempo sem fim. Eternidade não é um tempo sem fim.

A eternidade não é uma medida de tempo que passa. Se fosse isso, não seria eternidade e Deus não seria Deus. Eternidade é um atributo de Deus e, tal como Deus, não teve início e nunca terá fim. Este conceito, aplicado aos homens, assume um atributo humano adicional - de circunstância. A minha eternidade - ou a eternidade de qualquer homem - teve um início definido (o momento da incorporação de uma alma ao meu corpo nascituro) e jamais terá fim. 

Quando, pois, nos tornamos inseridos na eternidade de Deus, somos eternos de um Deus eterno, infinitamente imutável. Não há um tempo que passa, mas um atributo que não passa. A eternidade com Deus é o momento sublimado da graça - 'coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam' (I Cor 2,9) e infinitamente imutável - o perpétuo momento.

Não há no Céu 'momentos'; não há no Céu dias e noites, manhãs de inverno ou noites de verão. Não há nas moradas eternas um dia que a alma possa estar 'assim' e um outro dia em que ela possa estar 'não bem assim'. A plenitude divina não pressupõe 'mais' ou 'menos', nem 'pouco' ou muito': é tudo, sempre, sempre, sempre. A santidade plena aniquila por completo a necessidade ou a possibilidade de quaisquer estímulos exteriores ou de quaisquer manifestações do que seriam 'vontade' ou 'pensamento'. 

No perpétuo momento, a alma está saciada infinitamente de Deus e em Deus, em todas as suas aspirações, em todas as suas vontades, em todos os seus pensamentos, em todos os seus atributos, em todas as suas necessidades. No momento perpétuo, Deus está presente em plenitude na alma, preenchendo todas as suas dimensões, espaços, tempos e aspirações, em Verdade, Conhecimento, Justiça e Caridade. E também e principalmente em Amor, Amor de eternidade.

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

A FÉ EXPLICADA: O SUICÍDIO PODE SER PERDOADO?


O único pecado para o qual não existe perdão é o pecado contra o Espírito Santo. E em que consiste esse pecado? Consiste em fechar a mente e o coração à ação do Espírito Santo (Lc 12,10). E não é perdoado, porque por não permitir que a pessoa seja influenciada pelo Espírito Santo, ela não pode se arrepender e, sem arrependimento, não pode haver perdão. Na realidade, o pecado contra o Espírito Santo é a rejeição da graça de Deus e do arrependimento final: é a rejeição de Deus até o momento da morte.

O arrependimento ou contrição é essencial para receber o perdão de Deus. É assim que o Catecismo da Igreja Católica define a contrição: 'uma dor da alma e uma aversão ao pecado cometida com a resolução de não pecar novamente' (Catecismo da Igreja Católica: # 1451).

Existe a 'contrição perfeita', que é um dom do Espírito Santo e consiste em escolher Deus e rejeitar o pecado, porque preferimos Deus mais do que qualquer outra coisa. A 'contrição perfeita' brota, então, do amor de Deus acima de todas as coisas. Este tipo de arrependimento perdoa as faltas veniais e também obtém o perdão dos pecados mortais, desde que tenhamos a firme resolução de confessar esses pecados graves no Sacramento da Confissão o mais rápido possível (CIC: # 1452).

Existe ainda a 'contrição imperfeita' ou 'atrição', também impulso do Espírito Santo, pelo qual nos arrependemos de nossos pecados por medo da condenação eterna ou porque podemos apreciar a miséria do próprio pecado. Este tipo de arrependimento, embora imperfeito, é suficiente para obter o perdão dos pecados mortais ou veniais no Sacramento da Confissão (CIC: # 1453).

Por outro lado, o suicídio é gravemente contrário à justiça, à esperança e à caridade, sendo proibido pelo quinto mandamento. O suicídio contradiz a inclinação natural do ser humano a conservar e perpetuar a própria vida. Entretanto, ainda que gravíssimo, é um pecado também passível de acolhimento e perdão pela misericórdia divina, como explicitado pelo próprio Catecismo da Igreja: 'Não se deve desesperar pela salvação eterna das pessoas que se mataram. Deus pode ter providenciado a eles, de maneiras conhecidas apenas por Ele, a ocasião de arrependimento salvador. A Igreja reza pelas pessoas que atentaram contra a própria vida' (Catecismo da Igreja Católica: # 2283).

Somente Deus é o dono de cada vida humana. Não podemos dispor de nossa vida e de outras pessoas de acordo com nossos desejos e critérios. O mandamento 'não matar' se aplica à morte para si mesmo e à morte para quaisquer outras pessoas, incluindo bebês que ainda estão no ventre de sua mãe desde o primeiro momento de sua concepção; então o aborto, em qualquer momento durante a gravidez, também é um pecado grave. Outro pecado contra a vida é a eutanásia ou assassinato misericordioso, que consiste em acabar com a vida de um doente terminal. Ninguém tem o direito, nem o paciente nem os médicos, de decidir o momento da morte, por isso o chamado 'suicídio assistido' é também um pecado grave que cometem todos aqueles que colaboram para dar fim a uma vida humana.

Entretanto, por mais graves que sejam esses pecados contra a vida, todos são passíveis do perdão de Deus, se o devido arrependimento for cumprido e manifestado expressamente por meio do sacramento da confissão.

(adaptação de texto originalmente publicado em www.homilia.org)

segunda-feira, 23 de março de 2020

O SINAL DA CRUZ (VIII/Final)


In hoc Signo vinces - 'Por este Sinal vencerás'

VIII/Final

Resta-nos, pois, praticar com resolução, muitas vezes e bem, o Sinal da Cruz. Fazendo-o, temos atrás de nós, à nossa volta e conosco, todos os homens e os grandes homens de todos os séculos, do Oriente e do Ocidente, enfim toda a imortal nação católica, o apuro da humanidade. Não o fazendo, temos atrás de nós, à nossa volta e conosco, os hereges, os incrédulos, os ignorantes e os brutos... grandes e pequenos. Fazendo o Sinal da Cruz, nós nos cobrimos, e também às demais criaturas, com uma defesa invencível. Não o fazendo, nos desarmamos, e também às demais criaturas, e ficamos expostos aos maiores perigos.

O homem e o mundo vivem recebendo necessariamente influxos do espírito do bem ou do espírito do mal. Por isso, há dezoito séculos, nos gritam os chefes do eterno combate, que cubramos a nós e às demais criaturas com o Sinal da Cruz, escudo impenetrável às setas inflamadas do inimigo [scutum in quo ignitae diaboli extinguuntur sagittae]. Como soldados indóceis e infiéis, queremos nos despojar voluntariamente da nossa armadura? Queremos, assim, ficar a peito descoberto e expostos estupidamente aos golpes mortais do exército inimigo?

A profanação progressiva dos domingos e dias santificados, os desprezos às leis do jejum e da abstinência, o abandono dos sacramentos da confissão e da comunhão, não comprometem apenas a alma, mas a saúde do corpo lhes pagam tributo. A excitação dos negócios, a agitação da política, a febre dos prazeres (que conforma o caráter distintivo dessa época de materialismo), a tibieza dos costumes, o hábito anormalíssimo de se trocar a noite pelo dia, a preocupação pela sensualidade na alimentação, o consumo assustador de bebidas alcoólicas, os milhares de botequins e tabernas, quanta consequência perniciosa isso não traz à saúde pública? De onde procede a perda das forças das gerações modernas?

O mundo atual é hoje mais enfermo que outrora. Qual o mal que o persegue? É o enfraquecimento da vida. O Verbo Criador é a vida e toda a vida. A vida, portanto, deve crescer para os que dEle se aproximam e deve diminuir para os que se desviam dEle. No pensar da Igreja e ao longo de todos os séculos cristãos, o ato exterior mais universal e cotidiano que sempre serviu para colocar o homem em contato direto com o Autor da Vida foi e é o Sinal da Cruz. O mundo atual, ao desprezar a sabedoria divina, pensa que pode violar impunemente uma Lei respeitada desde o berço do Cristianismo e que era respeitada inclusive pelos pagãos, que diziam: é necessário orar para ter saúde física e mental [orandum est ut sit mens sana in corpore sano].

Moral e fisicamente, o homem está na alternativa inevitável de viver debaixo da salutar influência do espírito do bem ou da maléfica artimanha do espírito do mal. O Sinal da Cruz nos coloca nessa primeira condição e a falta dele, na segunda. Esta é a doutrina da Igreja. Olha em torno de ti e procura por frontes, lábios, corações e mentes onde se conservam a santidade, a dignidade e a sobriedade do homem e do cristão, as vidas mortificadas e puras, as vidas fortes contra as tentações, as vidas dedicadas à caridade e às virtudes, as vidas que podem sem nenhum acanhamento revelar-se aos amigos e aos inimigos, e tudo isso encontrarás sob a proteção do Sinal da Cruz.

Devemos fazer o Sinal da Cruz bem feito. Devemos fazer o Sinal da Cruz muitas vezes. Devemos fazer o Sinal da Cruz com respeito, com atenção, com confiança e com devoção. Ainda que fosse de pequeno valor o Sinal da Cruz, devemos lembrar o que nos disse o Verbo Encarnado: 'quem é fiel nas pequenas coisas, será fiel nas grandes e quem é injusto no pouco também será injusto no muito' (Lc 16, 10). Esta fidelidade cotidiana forma a nossa vida cristã e nos prepara para a felicidade eterna. Em termos de salvação, não é bastante o que é apenas suficiente. Quem não faz senão o necessário, não o faz por muito tempo. Em se fazendo cinquenta vezes ao dia o Sinal da Cruz, e em se fazendo bem feito, teremos cinquenta boas obras ao final do dia, cinquenta degraus de glória e de felicidade para a vida eterna. São cinquenta moedas a mais para pagar as nossas dívidas ou dos nossos irmãos na terra ou no purgatório. Mais cinquenta súplicas pela conversão dos pecadores e pela perseverança dos justos, para afastar do mundo e das criaturas as moléstias, os perigos e os flagelos.

Repetindo as palavras dos padres e doutores da Igreja, ousemos dizer: Salve, ó Sinal da Cruz! Estandarte do Grande Rei, troféu imortal do Senhor, sinal de vida, salvação e bênção. Terror de satanás e das legiões infernais, baluarte inexpugnável, armadura invencível! Escudo impenetrável, espada real, fronte de honra! És a esperança dos cristãos, o remédio contra todas as enfermidades, a ressurreição dos mortos, o guia dos cegos, o amparo dos fracos, a consolação dos pobres, o deleite dos bons, a ruína dos soberbos, o jugo dos ímpios, a liberdade dos vassalos, a glória dos mártires, a virtude dos santos, o fundamento da Igreja! In hoc Signo Vinces - Por este sinal vencerás! 

(Excertos adaptados da obra 'O Sinal da Cruz', do Monsenhor Gaume, 1862)

sábado, 7 de março de 2020

O SINAL DA CRUZ (VII)


In hoc Signo vinces - 'Por este Sinal vencerás'

VII

A quinta razão do Sinal da Cruz ter sido dado aos homens é a de nos conduzirmos ao Céu, pois é o guia seguro que nos conduz sãos e salvos. Tal como São Rafael Arcanjo ao jovem Tobias, o Sinal da Cruz se apresenta a ti, a mim e a todos para nos acompanhar, guiar e defender. Numa eloquência divina, o sublime Sinal da Cruz dissipa as trevas, aclara os caminhos, guia o homem e responde-lhe, com clareza pacificadora, as perguntas que lhe causam o pânico da incerteza. Eis o que ele diz ao homem: 'tu vieste de Deus e a Ele deves voltar', 'como imagem de Deus que é todo Amor, é pelo amor que deves a Ele regressar' e 'o amor abrange a lembrança e a imitação'.

O Sinal da Cruz é todo cheio de lembranças divinas. Ao se fazer o Sinal da Cruz, todas estas lembranças divinas, como se fosse um líquido vivificante, penetram profundamente em toda a minha existência. Fazendo o Sinal da Cruz, eu me lembro necessariamente de Deus Pai; lembro-me necessariamente de Deus Filho e lembro-me necessariamente de Deus Espírito Santo. Lembro-me do Pai Eterno, meu Criador, do Filho Unigênito, meu Redentor e do Divino Espírito Santo, meu Santificador.

Eu existo; e a Vós, ó Pai dos pais, devo eu a vida, que é a base de todos os bens naturais; a vida que Vós me haveis dado a mim, em preferência a tantos milhões de seres apenas possíveis, mas que não existem. Mais. Eu vos devo a conservação da vida. Cada pulsação de meu coração é um benefício; e Vós o renovais a cada segundo do dia e da noite; e Vós o continuais fazendo há longos anos apesar da minha ingratidão e do mau uso que dele tenho feito. A Vós eu devo tudo quanto conserva, consola e embeleza a vida. 

Graças ao Sinal da Cruz é que podemos ver, à nossa frente, a Santíssima Trindade para imitá-la. Duas palavras resumem o que hoje mais se necessita imitar: santidade e caridade. Santidade quer dizer unidade. É a isenção de toda a mistura. Deus é santo, porque é Uno. É três vezes santo, porque é três vezes uno. Uno em sabedoria infinita; uno em poder infinito e uno em amor infinito. Nada limita, nada pode alterar em Deus esta tríplice unidade. Deus é santo, completamente santo, perfeitamente santo. Em todas as suas obras, Deus é santo.

Eis a primeira lição que o Sinal da Cruz sempre me dá! Imagem santa do Santo Deus três vezes santo, inexoravelmente santo, também devo ser três vezes santo, inexoravelmente santo: na memória, no entendimento e na vontade. Santo na minha alma e no meu corpo; santo em mim mesmo e santo em minhas obras; sempre santo, em tudo e em toda parte, só ou acompanhado; na juventude ou na velhice — devo ser sempre santo!

O Sinal da Cruz faz mais: santifica tudo quanto toca e a todas as criaturas. Pela imitação da santidade e caridade divinas, o Sinal da Cruz, guia eloquente e seguro, sustenta-nos no caminho de nosso único e verdadeiro destino: Deus, de quem somos filhos e de quem devemos ser a imagem, pela caridade. Toda a caridade nasce do coração. E Deus é todo Coração. Conheces talvez, meu caro, uma outra expressão mais deliciosa do que esta? Pois bem: sempre que fazemos o Sinal da Cruz, ele nos leva a repetir: Deus charitas est —  Deus é Caridade. Ser a imagem de Deus é o nosso dever — sermos semelhantes a Ele. Para isto precisamos ser caridade. Caridade em nós mesmos e também presente em todas as nossas obras.

(Excertos adaptados da obra 'O Sinal da Cruz', do Monsenhor Gaume, 1862)

sábado, 15 de fevereiro de 2020

O SINAL DA CRUZ (VI)


In hoc Signo vinces - 'Por este Sinal vencerás'

VI

A quarta razão do Sinal da Cruz ter sido dado aos homens é a de nos protegermos, pois é uma arma especial, uma arma de precisão, contra satanás e todas as potências do mal. Temos que acreditar na bondade do Sinal da Cruz e na força desta arma divina contra os nossos inimigos, como nos recomenda São João Crisóstomo: 'O Sinal da Cruz é a armadura invencível dos cristãos. Que esta armadura nunca te falte, ó soldado de Cristo, nem de dia nem de noite, e nem um só instante, seja qual for o lugar em que te encontrares'.

Santo Agostinho dizia aos catecúmenos: 'É com o Credo e com o Sinal da Cruz que se faz necessário correr o inimigo. Revestido destas armas, o cristão sem dificuldade triunfará do antigo e soberbo tirano. A Cruz basta para desfazer todas as maquinações do espírito das trevas'. Seu ilustre contemporâneo, São Jerônimo, complementa: 'O Sinal da Cruz é um escudo que nos protege das flechas inflamadas do demônio'. Santo Atanásio é ainda mais preciso: 'O Sinal da Cruz torna impotentes todos os artifícios da magia, ineficazes todos os encantos e relega ao abandono todos os ídolos. Por meio dele, é moderado, abatido e extinto o fogo da voluptuosidade mais brutal e a alma, então curvada para a terra, levanta-se para o Céu'.

O poder do Sinal da Cruz é bem mais extenso que o de satanás, pois não apenas impede que os demônios falem como obriga-os a fugir dos lugares que habitam e os expulsa dos possessos. A prova disto está nos exorcismos da Igreja, que remontam ao berço do Cristianismo. Onde quer que exista um missionário católico e uma criatura humana a ser subtraída ao domínio de satanás, ainda que seja na região mais distante e selvagem, é assim a prática corrente da Igreja. Os demônios, porém, não estão somente nos templos pagãos e nas estátuas dos ídolos onde se fazem adorar, ou no corpo dos desgraçados que atormentam. Estão por toda a parte e o ar está cheio deles. Infatigáveis inimigos nossos, constantemente nos atacam; ora por si próprios, ora por intermédio de outras criaturas. Mas, sejam diretos ou indiretos, francos ou traiçoeiros, diante do Sinal da Cruz, os ataques deles falham sempre.

Aos ataques diretos e palpáveis, juntam os demônios ataques indiretos e traiçoeiros. Estes, não menos perigosos que aqueles, são mais frequentes e podem ser de duas espécies: uns são interiores e outros, exteriores. Os primeiros são as tentações propriamente ditas. Não há criatura livre da influência maligna de satanás; a todas as criaturas, faz ele instrumento de seu ódio implacável contra o Homem. E qual arma Deus nos deu para nos defendermos dos ataques e preservarmos nosso corpo e nossa alma deste que é chamado, e com razão, o grande homicida  — homicida ab initio? Todas as gerações católicas surgem de seus túmulos para exclamar: 'A arma que Deus nos deu é o Sinal da Cruz'.

Escudo impenetrável, torre inconquistável, arma especial contra o demônio; arma universal cuja força é sempre superior aos inimigos visíveis e invisíveis; arma fácil para os fracos, gratuita para os pobres. Todo o gênero humano admite junto com a Igreja que (i) todas as criaturas estão sujeitas às ações do demônio; (ii) todas as criaturas servem de instrumento para as suas influências malignas; (iii) todo homem está à mercê do maligno a cada instante e a cada ação. Portanto, nada mais racional que o emprego constante de uma arma sempre necessária. Cientes de que o ataque do demônio é universal e incessante, há que se entender que a defesa necessária deva ser também universal e incessante. 

Os primeiros cristãos faziam o Sinal da Cruz sobre cada um dos seus sentidos. Porque os sentidos são as portas da alma e servem de comunicação entre ela e as outras criaturas. Mais ainda: faziam o Sinal da Cruz sobre todos os seus objetos de uso e quanto lhes era possível, sobre todas as partes da criação. Casas, portas, móveis, fontes, limites dos campos, colunas de edifícios, navios, pontes, medalhas, bandeiras, capacetes, escudos, anéis — tudo era assinalado e marcado com o Sinal adorável. Pára-raio e monumento! Pára-raio divino para desviar as malícias dos demônios dos ares. Monumento de vitória que atesta o triunfo alcançado pelo Verbo Encarnado sobre o príncipe das trevas, o Sinal da Cruz é como as colunas que, levantadas pelo vencedor no campo da batalha, atestam a derrota do inimigo.

Dois espíritos opostos disputam entre si o império do mundo: o Espírito do Bem e o espírito do mal; tudo o aqui se faz procede da inspiração divina ou da inspiração diabólica. O estabelecimento do Sinal da Cruz, o uso incessante que dele se faz, a confiança que nele se deposita, a virtude onipotente que se lhe atribui, tudo há de ser ou de inspiração divina ou de inspiração satânica: uma das duas! Mas... se o Sinal da Cruz — praticado, repetido, estimado, considerado como arma invencível, universal, permanente e necessária à humanidade contra satanás, suas tentações e seus anjos — é uma inspiração divina, que juízo queres que eu faça de um mundo que não compreende o Sinal da Cruz? De um mundo que o não faz, que o despreza, que dele se envergonha?

A sociedade moderna é uma cidade desmantelada que se acha cercada de inumeráveis inimigos, impacientes por arruiná-la, ansiosos de passá-la ao gume das armas de sua guarnição. Arruiná-la? E não está ela já arruinada? Ruína de crenças, ruína de costumes, ruína de autoridade! Ruína da tradição, ruína do temor de Deus, ruína da consciência! Ruína da probidade, da mortificação, da obediência! Ruína do espirito de sacrifício; da resignação e da esperança. Por toda a parte só se vê ruínas começadas e ruínas consumadas. Que resta hoje de pé na vida pública e na vida particular, nas cidades e nas aldeias, nos governantes e noa governados? Na ordem das ideias e no domínio dos fatos, das pessoas e das coisas que ontem eram completamente católicas, hoje o que resta ainda de pé? E tudo por que? Porque não fazem mais o Sinal da Cruz! Eis tudo explicado.

Diminuindo no mundo o Sinal da Cruz, satanás nele se agita. O Sinal da Cruz é o pára-raio do mundo. Fazei-o desaparecer e o raio cairá operando desordens com suas loucuras. O Sinal da Cruz é um brilhante troféu que atesta a dominação do Vencedor Divino! Despedaçá-lo é dar gosto ao antigo tirano da humanidade; é preparar-lhe sua volta para uma tirania mais terrível. Como nos assevera o grande mártir Santo Antônio de Antioquia: 'O príncipe deste mundo regozija-se quando vê alguém renegar a Cruz, pois apenas vê-la o faz horrorizar... A Cruz é o princípio da condenação de satanás, a causa de sua ruína, a origem de sua morte e de sua derrota final'. Sem o Sinal da Cruz, a presença do mal torna-se tão inevitável quanto é impossível se obstar que, ao por do sol, as trevas sucedam à luz. O mundo atual é disto a prova mais sensível.

(Excertos adaptados da obra 'O Sinal da Cruz', do Monsenhor Gaume, 1862)

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

O SINAL DA CRUZ (V)


In hoc Signo vinces - 'Por este Sinal vencerás'

V

A terceira razão do Sinal da Cruz ter sido dado aos homens é a de nos tirarmos da pobreza, pois é um tesouro inesgotável que nos enriquece. E nos enriquece porque é uma excelente súplica. O Sinal da Cruz é uma súplica poderosa; uma súplica universal. E o que é um homem suplicando? É um indivíduo que, diante de Deus, confessa sua indigência: indigência intelectual, indigência moral, indigência material. Assim, suplicou por nós sobre a Cruz o adorável Mendigo do Calvário. E o que faz o homem formando o Sinal da Cruz, quer com a mão, quer estendendo os braços? Imprime em si mesmo a imagem do Divino Mendigo. Identifica-se com Ele como Jacó cobrindo-se das vestes de Esaú, para obter a bênção paterna. 

Quando o homem, ameaçado por um perigo, assaltado pela dúvida, perseguido por uma tentação, dominado pelo sofrimento ou pela doença, ao pronunciar estas palavras de solene autoridade: 'Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo" — e, ao pronunciá-las, faz o Sinal redentor do mundo, o Sinal vencedor do inferno, como poderás admitir a menor resistência por parte do mal? Não satisfez o homem todas as condições necessárias ao resultado? E não está Deus em posição de intervir e de glorificar o seu Nome e o poder de Seu Cristo? 

A piedade de quem faz o Sinal da Cruz, muito contribui para a sua eficácia. O Sinal da é uma invocação tácita a Jesus Crucificado; é pois, tento mais eficaz quanto maior for o fervor com que é feito. Seja ela de coração ou de boca, a invocação é tanto mais apta a produzir efeito quanto mais o fiel é virtuoso e mais do agrado do Senhor. é uma súplica universal e, de certo modo, com ele pode-se dizer como o próprio Salvador: 'foi-me dado todo o poder do Céu e da terra'. 

Se o Sinal da Cruz presidisse todas as lições que hoje se dão, todos os livros que se imprimem, acreditas tu que haveríamos de estar, assim, inundados como estamos de erros, de sofismas, de ideias falsas e de sistemas incoerentes cujo resultado incontestável é fazer baixar a olhos vistos o mundo moderno às trevas intelectuais de onde o Cristianismo já o havia tirado?

Vinte vezes ao dia sedutores objetos se oferecem aos nossos olhos; maus pensamentos nos importunam o espírito; e, revoltados, os sentidos solicitam-nos o coração a traições covardes. Ó de quanta força carece o homem! E onde a encontrará? No Sinal da Cruz. O testemunho dos séculos, a experiência dos veteranos e o exemplo dos conscritos na virtude, atestam hoje como ontem o poder soberano que o Sinal Divino tem para dissipar os encantos sedutores, afugentar os maus pensamentos e reprimir os movimentos da concupiscência.

Vês este doente cercado de dores, abandonado de todos ou rodeado de parentes e amigos sem forças para lhes valer? Detrás dele, há o tempo que foge e, à sua frente, a eternidade que avança. Sim; a eternidade em que ele vai cair sem que nenhuma força humana possa retardar-lhe o momento da partida ou adoçar as angústias da. viagem! Este doente, meu caro amigo, és tu, sou eu, é todo o homem, rico ou pobre, súdito ou monarca. Se durante os combates da vida carecemos de luz, de força de consolação e de esperança, não teremos nós de tudo isto uma necessidade mil vezes maior nas lutas decisivas da morte? Pois bem, o Sinal da Cruz é tudo isto para todos nós. À maneira dos mártires que, ao caminhar ao último combate, não deixavam de se fortalecer pelo Sinal da Cruz, os verdadeiros cristãos dos séculos passados recorriam sempre ao Divino Sinal para adoçar as dores e santificar suas mortes.

Mendigo na ordem espiritual, o homem não é menos indigente na ordem temporal. Nosso corpo e nossa alma vivem senão de esmolas. Entre os bens necessários ao corpo, há dois em particular que gostaria de mencionar — a saúde e a segurança. Um e outro, o Sinal da Cruz no-los alcança. Quantos e quão numerosos são os testemunhos que o  Sinal adorável dAqueIe que veio ao mundo para curar todas as moléstias, não tem deixado nunca de dar vista aos cegos, ouvido aos surdos, fala aos mudos, saúde aos doentes e vida aos mortos. O Sinal da Cruz protege não só a nossa vida, mas tudo quanto nos pertença, e daí o hábito católico de se benzer, com o Sinal libertador, também as nossas casas, animais e todas as coisas de nosso uso particular. 

(Excertos adaptados da obra 'O Sinal da Cruz', do Monsenhor Gaume, 1862)

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

O SINAL DA CRUZ (IV)


In hoc Signo vinces - 'Por este Sinal vencerás'

IV

A segunda razão do Sinal da Cruz ter sido dado aos homens é a de nos tirarmos da ignorância, pois é um livro sagrado que nos instrui. Todas as ciências, teologia, filosofia, sociologia, política, história, estão reduzidas nestas três palavras: 'criação, redenção, glorificação' — de modo insubstituível, são para o gênero humano mais necessárias que o pão para nutrir-se e mais que o ar para respirar. Só elas bastam para orientar a vida inteira. Orientam as alegrias, as tristezas, os pensamentos, as palavras, as ações, os sentimentos. Sendo assim, a simples razão diz que Deus devia estabelecer um meio fácil, permanente e universal que desse a todos este conhecimento fundamental. Não devia, porém, dá-lo de uma só vez e de passagem; devia renová-lo constantemente, assim como se renova a cada instante o ar que respiramos. 

Que sábio se encarregaria deste ensino indispensável? São Paulo, Santo Agostinho, São Tomás? Ou outro gênio qualquer do Oriente ou do Ocidente? Não. Estes morreram; e seria necessário algo que não morresse. Estes habitaram um lugar determinado e seria necessário algo que estivesse em toda a parte. Estes falaram línguas que nem todos compreendem e seria necessário algo que falasse uma língua inteligível a todos. O que seria pois este algo? É o Sinal da Cruz. Ele e só ele satisfaz a todas as condições exigidas: não morre: está em toda a parte e é por todos entendido. Um instante lhe basta para dar uma lição, como lhe basta um instante para todos o compreenderem.

Mas seria verdade que o Sinal da Cruz repete e ensina como convém as três grandes palavras: 'criação, redenção, glorificação'? Sim. E não só as repete e ensina, mas explica-as com uma autoridade, profundidade e lucidez que só a ele pertencem. Repete-as com autoridade porque, sendo divino em sua origem, vem do próprio Deus. Repete-as com profundidade e lucidez porque se explica nos termos seguintes:

Quando levas a mão à tua fronte, dizendo — 'Em Nome' — o Sinal da Cruz te ensina a indivisível Unidade da Essência Divina. Dizendo — 'do Pai' — novo e imenso raio de luz penetra na tua inteligência. O Sinal da Cruz te diz que há um Ser, Pai de todos os Pais, princípio eterno da existência de todas as criaturas, celestes e terrestres, visíveis e invisíveis. Dizendo  — 'e do Filho' — o Sinal te diz que o Pai dos Pais tem um Filho semelhante a Ele. Fazendo-te levar a mão ao peito, quando assim o pronuncias, ele te diz que este Filho eterno de Deus se fez Homem no seio de uma Virgem para resgatar a humanidade. 'E do Espírito Santo' — esta palavra completa o ensino do Sinal da Cruz. Tu sabes agora que há um Deus, Uno na essência e Trino em Pessoas. Se a Primeira Pessoa necessariamente é Poder, a segunda é necessariamente a Sabedoria e a terceira é necessariamente o Amor. Este amor, completando a obra do Pai Criador e do Filho Redentor, santifica o homem e o conduz à glória. Pronunciando o nome do Espírito Santo, tens formada a Cruz e não só conheces o Redentor, mas também o instrumento da Redenção. 

Será possível ensinar com tão poucas palavras, com mais eloquência e em linguagem mais inteligível, os três grandes dogmas: — 'criação, redenção, glorificação' — eixos do mundo moral e princípios geradores da inteligência humana? Ser criado, ser remido, ser destinado à glória eterna, eis o princípio e todo o futuro do homem. Graças ao uso tão frequente do Sinal da Cruz em todas as classes da sociedade, tanto nas cidades e como nas aldeias, o mundo católico dos primeiros séculos e da Idade Média conservou, em grau até então desconhecido, o conhecimento da Ciência Divina, mãe de todas as ciências e mestra da vida.

O mundo moderno abandonou o Sinal da Cruz e, desde esse tempo, não mais teve a seu lado um Monitor que lhe avivasse, a cada instante, os três grandes dogmas indispensáveis à vida moral. Por isso, ao olvidar o Sinal da Cruz, 'criação, redenção, glorificação', essas três Verdades fundamentais são para ele como se não existissem. O mundo de hoje só conhece e adora o deus-eu, o deus-comércio, o deus-dinheiro, o deus-ventre, o deus-prazer ou a deusa-indústria, a deusa-política e a deusa-volúpia. Por serem meios de satisfazer a todos os seus maus desejos, ele conhece e adora as ciências da matéria: — a química, a física, a mecânica, a dinâmica, os sulfatos, os nitratos e os carbonatos. Eis aqui as divindades destes séculos e o seu culto.

Eis aqui a teologia, a filosofia, a política, a moral, a vida do mundo moderno, com seus egoísmos e vícios! Progredindo assim, breve estará bem a par dos contemporâneos de Noé, destinados a morrer nas águas do dilúvio. Para aqueles também consistia-lhes toda a ciência em conhecer e adorar os deuses do mundo moderno: comer, beber, edificar, comprar, vender e casar cada um, a si e aos outros, animados de todas estas más tendências que não faltam ao mundo atual! 

O Sinal da Cruz é um livro que nos educa e nos eleva. Sob tal ponto de vista, podes agora julgar se era sem razão que nossos pais constantemente faziam o Sinal da Cruz. E se deve à ignorância, uma ignorância muito deplorável do mundo atual, o abandono do Sinal da Cruz. Qual é esta ignorância? A chamada 'indigência do espírito', que procede da fraqueza em praticar a virtude e repelir o mal. E por que existe tal fraqueza? Porque o homem atual despreza os meios de obter a graça e de torná-la eficaz. O primeiro, o mais pronto, o mais comum e o mais fácil destes meios é a oração. E, de todas as orações, a mais fácil, a mais pronta, a mais comum e talvez, a mais poderosa, é o Sinal da Cruz.

(Excertos adaptados da obra 'O Sinal da Cruz', do Monsenhor Gaume, 1862)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

O SINAL DA CRUZ (III)


In hoc Signo vinces - 'Por este Sinal vencerás'

III

A primeira razão do Sinal da Cruz ter sido dado aos homens é a de nos tirarmos do pó, pois é um sinal divino que nos enobrece. Mas por que tirados do pó? Dize-me: quem é que entra chorando no mundo? Que sempre vive sujeito a todas as enfermidades? E que durante largo tempo é incapaz de prover as suas próprias necessidades? Todavia, este ser é a Imagem de Deus e do Rei da Criação e é necessário que ele não se degrade. Mas eis que Deus, tocando-o, imprime na sua fronte um Sinal Divino que o enobrece e este título de nobreza, este Sinal Divino, é o Sinal da Cruz. Sinal divino, porque vem do Céu e não da terra. Percorre todos os países e todos os séculos; não encontrarás em parte alguma o homem que imaginou o Sinal da Cruz, o santo que o inventou ou o Concilio que o impôs.

Quem é, pois, o autor e o instituidor do Sinal da Cruz? Para o encontrar, é necessário transpor todos os séculos, todas as criaturas visíveis, todas as hierarquias angélicas; é necessário subir até ao Verbo Eterno que é — a Verdade em Pessoa. Escuta uma testemunha nas melhores condições de saber o que se refere. Seu testemunho é tanto mais irrecusável, quanto é certo tê-lo valorizado com o timbre do próprio sangue. É’ o grande Bispo de Cartago, São Cipriano, que exclama: 'Senhor, Vós que sois o Sacerdote Santo, nos legastes três coisas imorredouras: o Cálice do Vosso Sangue, o Sinal da Cruz e o Exemplo das Vossas Dores'. E Santo Agostinho acrescenta: 'Ó Senhor Jesus Cristo, Vós quisestes que este sinal ficasse impresso sempre em nossa fronte'.

O brasão do católico é o Sinal da Cruz. Sou católico; portanto, o Sinal da Cruz fala da minha origem e fala a todos da nobreza da minha gente. Uma gente a que pertencem legiões inteiras de Doutores, de Virgens, de Mártires, de poetas, de oradores, de filósofos, de artistas, de grandes legisladores, de reis, beneméritos, guerreiros ilustres, qual é? Esta gente chama-se — a grande População Católica — a qual temos a graça de pertencer. E o Sinal da Cruz é o brasão desse grande povo.

O primeiro sentimento que o Sinal da Cruz desenvolve em nós enobrecendo-nos aos nossos olhos é o respeito por  nós mesmos. O respeito dos outros para conosco mede-se por aquele respeito que temos por nós mesmos. A crueldade, a hipocrisia, a devassidão e o vício só podem inspirar temor. Os homens da atualidade, velhos ou moços — homens todos que nunca fazem o Sinal da Cruz — eles se respeitam? 

Façamos um ensaio de análise... a parte mais nobre do homem é a alma. E da alma, a faculdade mais nobre é a inteligência, dada pelas mãos do próprio Deus para receber a verdade e só a verdade — mas a inteligência é hoje conspurcada e profanada pela mentira e pelo erro. Porventura, o homem de hoje respeita a própria inteligência? E' para satisfazer os nobres anseios da inteligência que hoje ele procura a verdade? Não. Nem gosto mais tem ele pelas fontes puras de onde jorra a verdade, pois os oráculos divinos, os sermões ou os livros ascéticos ou de filosofia cristã causam-lhe náusea. Se porventura pudésseis penetrar o íntimo de uma inteligência batizada, parecerias estar num depósito de trastes ou loja de peças velhas! Encontrarias ali em  misturada confusão — ignorância, contos vãos, frivolidades, preconceitos, mentiras, erros, dúvidas, objeções estultas, impiedades, tolices, negações e inutilidades — triste espetáculo!

Se tua mão não toca em tua fronte para fazeres o Sinal Divino, tocará a miúdo o que nunca deveria tocar. Se não queres armar, com o sinal protetor, os teus olhos, nem os teus lábios, nem o teu peito; então teus olhos mancham-se olhando o que nunca deveriam ver; teus lábios, como mudos faladores, não dizem o que deviam dizer, para dizerem o que para sempre deviam calar; e o teu peito, altar profanado, arde em chamas cujo nome, só em si, já é uma vergonha. Eis então a tua história íntima.

O homem que nunca faz o Sinal da Cruz perde a estima da própria vida. Ele a vilipendia e a desperdiça, porque não a leva a sério: da noite faz dia para o dia lhe ser noite e não recusa nada às tendências e ao gosto, consumindo o seu tempo sem relação com a eternidade. Tudo isso é como tecer teias de aranha, caçar moscas e construir castelos de papelão. Levar a vida a sério é bem aproveitá-la como o exige o seu Único Proprietário — Aquele que dispõe de tudo; Aquele que um dia nos pedirá contas, não apenas do conjunto, mas de tudo; não só dos anos, mas dos minutos. Fatigado, enfim, no caminho das bagatelas e das iniquidades, o que pode esperar então o homem desprezador do Sinal Divino? 

(Excertos adaptados da obra 'O Sinal da Cruz', do Monsenhor Gaume, 1862)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

O SINAL DA CRUZ (II)


In hoc Signo vinces - 'Por este Sinal vencerás'

II

Os cristãos primitivos da Igreja faziam o Sinal da Cruz, faziam-no bem e o faziam muitas vezes. No Oriente como no Ocidente, em Jerusalém, em Atenas, em Roma, os homens e as mulheres, os mancebos e os velhos, os ricos e os pobres, os padres e os simples fieis, todas as classes da sociedade, observavam religiosamente este uso tradicional.

A história não oferece fato que seja mais certo. Todos os Padres da. Igreja, como testemunhas ocuIares, o dizem e todos os historiadores o certificam. Em nome de todos, escuta agora só um — Tertuliano: ' A cada movimento e a cada passo, ao vestir e ao calçar, ao entrar e ao sair de casa, ao lavar, ao assentar-se à mesa, ao acender as luzes, ao deitar e ao levantar, qualquer que seja o ato que  pratiquemos ou o lugar onde vamos, sempre marcamos nossa fronte com o Sinal da Cruz'. Eis o que está bem claro e é muito certo: nossos avós, de um lado ou de outro, a cada instante faziam o Sinal da Cruz. 

Sim. Não só eles o faziam sobre a fronte, mas, a cada passo, também na boca, sobra os olhos e no peito [Santo Efrém, Sermão sobre a Cruz]. Daqui resulta que, se os primeiros cristãos reaparecendo hoje nos lugares públicos ou em nossas casas, fizessem o que faziam há dezoito séculos, seriam tomados por loucos. E', pois, muito verdade que, a respeito do Sinal da Cruz, os cristãos modernos estão sendo uns antípodas dos primeiros cristãos.

A Verdade é uma só; e a razão só pode estar de um lado: ou a razão está com os cristãos de agora ou há de estar com os primitivos cristãos. Se a razão estiver com os de agora, então os antigos não se justificam e por isso não passaram de uns néscios. Se os primeiros cristãos tinham razão e motivos bastantes para se justificar, os cristãos modernos é que estão errados. Não há meio termo. A razão estará com quem? Questão grave; muito grave.

Os primeiros cristãos viram os Apóstolos e os Homens Apostólicos; trataram e ouviram com eles. Deles receberam a Fé e por eles foram batizados. Foi, portanto, nas fontes da Verdade que eles  beberam. Da Doutrina Apostólica, a quem tudo deviam, é que nutriam o Espírito; dela faziam a regra das próprias ações e com inviolável fidelidade a observavam: perseverantes in doctrina apostolorum. Nunca ninguém esteve em melhores condições do que eles para conhecer o pensamento dos Apóstolos sobre a Doutrina de Nosso Senhor. Se, pois, os primeiros cristãos faziam o Sinal da Cruz a cada instante, é forçoso concluir que eles obedeciam a uma recomendação apostólica. 

Não só os primeiros cristãos eram muito instruídos na Doutrina dos Apóstolos; mas, também muito fieis em praticá-la. Disto é prova serem muitos os santos daquele tempo. Não há verdade melhor estabelecida do que a seguinte: a santidade era o caráter comum dos primeiros cristãos. Eles preferiam perder tudo — a liberdade, os bens, o bom nome e a própria vida, em meio dos piores suplícios, antes de que ofender a Deus. Foi um heroísmo que durou tento como as perseguições: três séculos. Eram muito caridosos. O Céu e a terra se uniram para elogiar-lhes o mútuo amor verdadeiro que os unia, único nos anais do mundo. Constituíam um só coração e uma só alma: Cor unum et anima una — diz deles o próprio Deus nas Escrituras. 

Eram ternos e respeitosos para com os Apóstolos, aos quais obedeciam com submissão filial. São Paulo, que não era adulador, escreve aos cristãos de Roma: 'É célebre no mundo inteiro a vossa Fé'. A meu ver, essa santidade constitui a mais poderosa circunstância a favor do Sinal da Cruz. Quando homens daquele caráter, diante da morte, mostram-se invariavelmente fieis a um dado uso, é necessário crer que tal uso é um pouco mais importante do que julgam os cristãos de agora. 

Muito cedo, tanto no Oriente como no Ocidente, se formaram comunidades religiosas de homens e de mulheres, que perpetuaram, com a maior fidelidade, o verdadeiro espírito do Evangelho e a pura tradição do ensino apostólico. Entre os antigos usos, conservados com zelo e cuidado, figura o Sinal da Cruz. Todos os grandes homens que, durante mais de quinhentos anos, se sucederam no Oriente e no Ocidente, aqueles gênios incomparáveis que se chamam os Pais da Igreja — Tertuliano, Cipriano, Atanásio, Gregório, Basílio, Agostinho, Crisóstomo, Jerônimo, Ambrósio e tantos outros, cuja lista espantosa com o seu peso esmaga o orgulho dos séculos — todas estas elevadas inteligências faziam muito assiduamente o Sinal da Cruz e o recomendavam com insistência a todos os cristãos que o fizessem em qualquer ocasião.

(Excertos adaptados da obra 'O Sinal da Cruz', do Monsenhor Gaume, 1862)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

O SINAL DA CRUZ (I)


In hoc Signo vinces - 'Por este Sinal vencerás'

I

'Apenas quinze dias são passados que os jornais anunciaram o naufrágio do navio comandado pelo Capitão Walker. A notícia que lemos nos foi dolorosa pela morte de passageiros conhecidos nossos. Tinha o navio batido contra um escolho, o que deu origem a um largo rombo no casco. Apesar dos esforços da tripulação, foi impossível repará-lo. Em menos de uma hora o porão estava inundado; e o navio descia a olhos vistos abaixo da linha de flutuação. 

Diante do perigo, alijaram ao mar as mercadorias; além das mercadorias, as provisões de guerra; depois os móveis e uma parte dos aparelhos. Por fim, lá se foram as provisões de alimentos, excetuando-se duas ou três pipas de água e alguns sacos de bolacha. Tudo inútil. O navio continuava a afundar e o naufrágio tornava-se iminente. Como último recurso, o Capitão Walker mandou lançar fora as lanchas e, muito à pressa, entrou numa. Infelizmente a maior parte dos passageiros, em vez de nelas encontrarem salvamento, encontrou a morte. Com pequenas variantes, esta é a história dos grandes naufrágios. Em transes tais, os que comandam o navio e as demais pessoas que o ocupam estão prontos para alijar tudo quanto podem: a vida primeiro que tudo. 

O mundo atual (este mundo que ainda se diz cristão) oferece mais de um ponto de semelhança com um navio avariado e prestes a perder-se. As furiosas tempestades que, desde longo tempo, não têm cessado de bater contra a nau da Igreja, nela têm aberto largos rombos. Em grandes ondas, foram entrando doutrinas, costumes, usos e tendências anti-cristãs. E' necessário um abrigo seguro; não para o Navio que é imperecível. mas para os passageiros que não o são. O que se tem feito? Não é ao mundo abertamente pagão que me refiro; nele já o naufrágio está consumado. Falo é deste mundo que ainda pretende ser cristão. 

Que fez ele? O que faz, a cada dia, às provisões de guerra e de alimentação, às mercadorias, aos móveis e aos aparelhos de que a Igreja tinha provido a Nau, a fim de assegurar a sua segurança contra o ímpeto dos ventos e contra os escolhos, e o bom resultado da navegação até ao porto da eternidade? Tudo ou quase tudo foi lançado ao mar. Que é feito da oração em comum no seio das famílias? No mar. Onde andam os estudos da doutrina e as leituras piedosas e a meditação? No mar. Onde ficaram a assistência habitual ao Santo Sacrifício da Missa, o Escapulário e as contas do Rosário? No mar. Onde está aquela santificação séria do domingo, dia reservado unicamente para assistir à Santa Missa inteira e para escutar as pregações da Palavra de Deus e os Oficios Divinos; para a visita aos pobres, aos aflitos e aos doentes? No mar. Onde foi parar a prática frequente e regular dos sacramentos da Confissão e da Comunhão, a observância ao jejum e à abstinência? No mar. Onde está aquele espírito de simplicidade, de modéstia e de mortificação no vestuário, nos divertimentos, nas habitações, no mobiliário, na alimentação? No mar. Onde está o Crucifixo? O que é feito das imagens santas? E o uso da água benta? No mar. Tudo lançado ao mar...

E a Nau continua sendo invadida pelas ondas! Diminui-se o espírito cristão e o espírito mundano cresce a olhos vistos. Entram os viajantes nos barcos, isto é, nas religiões que eles próprios criam segundo as suas verdades, as suas posições, os seus temperamentos, os seus gostos. Aos domingos, vai-se à Igreja o mais tarde possível, assiste-se um pedaço da Missa apressadamente e sabe-se Deus com qual intenção! Missa cantada nem pensar. Ir à explicação da doutrina e às Vésperas [onde elas ainda são rezadas?*], nunca. O cristão de agora frequenta os espetáculos e as danças, lê tudo o que se apresenta, pratica tudo o que quer; só não pratica aquilo que deve. Eis os frágeis batéis [barcos pequenos] aos quais o homem, que se diz católico, hoje confia a própria salvação. 

Porventura poderá ele admirar-se de tantos naufrágios? E a gente nova que assim se vai criando? Entre os usos católicos imprudentemente abandonados pelo mundo atual, um há, entre todos relevantes, que do naufrágio eu bem quisera a todo o custo salvar. E' o Sinal da Cruz [a imagem incluída na postagem corresponde à da primeira tradução em português da obra (1950)]. É tempo de curar a conservação dele. Se não, daqui a alguns anos terá seguido o caminho de tantas outras práticas tradicionais que devemos à ternura maternal da Igreja e à piedade esclarecida dos séculos cristãos [o texto original de 1862 é profético para a crise atual da Igreja; na sequência imediata da edição da obra, o Papa Pio IX instituiu, em 1863, indulgência parcial (ver abaixo)** à prática do Sinal da Cruz].

Queres saber o triste paradeiro do Sinal da Cruz no mundo cristão de hoje? Coloca-te um domingo qualquer à porta de uma igreja. Observa bem a multidão, que entra na Casa de Deus. Um grande número entra com altivez ou loucamente; entram sem nem olhar para a pia de água benta [em quantas igrejas se dispõe ainda de uma pia de água benta à entrada?] e não fazem o Sinal da Cruz. Outros, em menor número, apenas fazem um gesto exterior do Sinal da Cruz. Outros tantos, pelo modo com que fazem o Sinal da Cruz, melhor seria que o não fizessem. Estou certo de que o mais hábil decifrador de hieróglifos diante daquilo ficaria em dificuldades. 

Um tal movimento de mão - irrefletido, apressado, truncado, mecânico - ao qual é impossível designar forma ou dar uma significação, se é que ligam a menor importância ao que fazem, eis deles o Sinal da Cruz de domingo. Nesta multidão toda de gente batizada, quantas pessoas encontrarás que façam, séria, regular e religiosamente, o Sinal santo da salvação eterna? Ora, se em público e em circunstâncias solenes, a maior parte não faz ou faz mal o Sinal da Cruz, tenho dificuldade em me persuadir que o façam e o façam bem, em outras ocasiões onde há, na aparência, menos motivos para o fazer e de o fazer bem. E' pois um fato: os cristãos de hoje não fazem, fazem raras vezes ou fazem mal feito o Sinal da Cruz'. 

* observações adicionadas pelo autor do blog

(Excertos adaptados da obra 'O Sinal da Cruz', do Monsenhor Gaume, 1862)


**Excertos da Indulgência Parcial da Igreja associada à Prática do Sinal da Cruz 

(introduzida pelo Papa Pio IX, em 28 de julho de 1863)

... Julgamos a propósito despertar a piedade dos fieis para com o Sinal salutar de nossa Redenção, abrindo os Celestes Tesouros das Indulgências, a fim de que, imitando os belos exemplos dos primeiros cristãos, se não envergonhem hoje os católicos de pública e abertamente, munir-se com frequência do Sinal da Cruz, que é o Estandarte da Milícia Cristã.

Eis porque Nós, confiando na misericórdia de Deus Onipotente e na autoridade de seus bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, concedemos, pela forma habitual da Igreja, a todos e a cada um dos fieis de ambos os sexos que fizerem o Sinal da Cruz, contritos ao menos de coração e invocada a Santíssima Trindade, cinquenta dias de Indulgência, pelas penitências que lhes forem impostas ou que por outro motivo tivessem de cumprir. Concedemos além disto, pela misericórdia do Senhor, que estas Indulgências possam ser aplicadas por modo de sufrágio às Almas dos Fieis que morreram em graça.

quinta-feira, 28 de março de 2019

PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A QUARESMA

Quais são as razões para se velar os altares das igrejas durante o Tempo da Quaresma? 

O costume de se cobrir as imagens e crucifixos dos altares das igrejas, durante o período quaresmal, com véus roxos (o chamado velatio), tem essencialmente duas razões principais:

(i) sinal de antecipação do luto da Igreja pelos eventos da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, em memória do recolhimento e do isolamento do Senhor no Horto das Oliveiras;

(ii) centralização da devoção cristã nos eventos do Mistério Pascal de Cristo, em relação a quaisquer outros anelos de devoção aos santos ou mesmo a Nossa Senhora.

As cruzes devem permanecer veladas até ao término da celebração da Paixão do Senhor na Sexta-feira Santa, e as imagens até o início da Vigília Pascal.

Quais orações da Missa devem ser omitidas durante o Tempo da Quaresma? 

Nas missas do Tempo Quaresmal, não são pronunciadas nem o Glória e nem o Canto de Aleluia. O primeiro pode e deve ser enunciado por ocasião de uma festa ou solenidade particular inserida no Tempo Pascal (por exemplo, como acontece com a Festa de São José, em 19 de março). Nos dias de Quaresma, nunca é enunciado, nem mesmo no Quarto Domingo da Quaresma (Domingo Lautere ou da Alegria). O Canto de Aleluia não deve ser enunciado em tempo algum durante o período pascal.

Quais são os eventos da Igreja, durante o Tempo da Quaresma, que aprofundam ainda mais a memória da Paixão do Senhor?

À medida que avança o tempo pascal, a Igreja como que submerge com o sofrimento, paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. É como se a Igreja morresse junto com Cristo. Assim, depois do luto e velamento dos altares, a renúncia aos cantos de louvor, em meio a mortificações, jejum e penitências, a submersão aos mistérios da paixão torna-se ainda mais e mais profunda. Depois da Missa da Quinta-Feira Santa, o próprio Santíssimo é removido do altar principal que se desnuda. Os sinos são substituídos pelas matracas de madeira. Na Sexta-Feira Santa, não há nem Missa e, no início da Vigília Pascal, abre-se mão até de luz! Esta extraordinária sequência de eventos é memória viva de como o Cristo se esvaziou completamente de sua glória para nos remir e salvar dos nossos pecados.

Como devemos viver a Quaresma segundo o espírito da Igreja? 

(i) praticar correntemente o jejum e mortificar-nos não só nas coisas ilícitas, mas também em coisas lícitas, num sentido de proposição de penitências pessoais;
(ii) intensificar os momentos de oração e de todas as práticas de caridade cristã para com o próximo;
(iii) ouvir com profunda devoção a Palavra de Deus, com o firme propósito de praticá-la na nossa vida diária;
(iv) preparar-nos com grande zelo para a recepção dos sacramentos da confissão e da comunhão pascal 

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

OS SEIS PECADOS CONTRA O ESPÍRITO SANTO

1. Desesperar da salvação: quando a pessoa perde as esperanças na salvação, achando que sua vida já está perdida e que ela se encontra condenada antes mesmo do Juízo. Julga que a misericórdia divina é pequena. Não crê no poder e na justiça de Deus.

2. Presunção de salvação: ou seja, a pessoa cultiva em sua alma uma ideia de perfeição que implica num sentimento de orgulho. Ela se considera salva, pelo que já fez. Somente Deus sabe se aquilo que fizemos merece o prêmio da salvação ou não. A nossa salvação pode ser perdida, até o último momento da nossa vida, e Deus é o nosso Juiz Eterno. Devemos crer na misericórdia divina, mas não podemos usurpar o atributo divino inalienável do Juízo.

3. Negar as verdades da Fé: quando a pessoa não aceita as verdades de fé (dogmas de fé), mesmo após exaustiva explicação doutrinária, como acontece no caso dos hereges. Nestes termos, considera o seu entendimento pessoal superior ao da Igreja e ao ensinamento do Espírito Santo que auxilia o sagrado magistério.

4. Inveja da graça que Deus dá aos outros: a inveja é um sentimento que consiste em irritar-se porque o outro conseguiu algo de bom; é o ato de não querer o bem do semelhante. Se eu invejo a graça que Deus dá a alguém, estou dizendo que aquela pessoa não merece tal graça, me tornando assim o juiz do mundo. Estou me voltando contra a vontade divina imposta no governo do mundo. Estou me voltando contra a Lei do Amor ao próximo. 

5. A obstinação no pecado: vontade firme de permanecer no erro mesmo após a ação de convencimento do Espírito Santo. Não se aceita a ética cristã, mas se cria um próprio critério de julgamento ético ou então simplesmente não se adota ética nenhuma e assim se aparta da vontade de Deus e se rejeita a Salvação.

6. A impenitência final: é o resultado de toda uma vida de rejeição a Deus; o indivíduo persiste no erro até o final, recusando arrepender-se e penitenciar-se, recusa a salvação até o fim. Nem mesmo na hora da morte, tenta se aproximar do Pai, manifestando humildade e compaixão. 

(Do catecismo Maior de São Pio X)

sábado, 22 de dezembro de 2018

A FÉ EXPLICADA (XIX): FORA DA IGREJA NÃO HÁ SALVAÇÃO?

O princípio geral de que fora da Santa Igreja não existe salvação constitui um dogma da fé católica. E, assim, é preciso entender isso com muita ponderação e, particularmente, sob a ótica da infinita misericórdia de Deus. Nosso Senhor, na sua Paixão e Morte de Cruz, não remiu os pecados de alguns povos ou de uma parcela dos homens, mas, sim, de toda a humanidade. 

A salvação, entretanto, está inserida no contexto de que os homens, para serem salvos, devem estar necessariamente inseridos no plano de salvação advindo do Cristo, ou seja, como membros efetivos do seu Corpo Místico, que é a Santa Igreja Católica. A salvação vem por meio do Cristo, Cabeça da Igreja, que constitui o seu Corpo (conforme prescrito pelo Catecismo da Igreja Católica). Esta inserção na Igreja se dá por meio do sacramento do batismo e pode ser perdida pelo advento dos pecados mortais, e passível de ser recomposta por meio do sacramento da Confissão.

Neste contexto, seria dogmático afirmar que a salvação só é possível para aqueles que são membros da Santa Igreja Católica? A resposta é, evidentemente, sim e, é por isso, que constitui um dogma da fé católica. Não existe e nunca existiu a possibilidade de salvação fora da realidade mística da Santa Igreja. Esta verdade é dogmática.

E aí surge, entretanto, a seguinte questão: como se deu a salvação para os homens anteriores à Santa Igreja e à Vinda do Salvador? A verdade dogmática não poderia ser aplicada a eles? Ora, a Verdade de Deus não muda e a salvação da humanidade veio por Cristo. E, assim, evidentemente, os méritos da salvação por Cristo foram aplicados aos homens de todos os tempos, antes, durante e depois do nascimento de Jesus, como herança da humanidade de todos os tempos dos homens, desde as eras mais remotas até o final dos tempos e dos homens.

Compreende-se, então, que a Igreja constitui, como realidade espiritual, o Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo e, como realidade material, uma instituição hierárquica assente sobre o primado de Pedro. Estas duas dimensões não foram sempre únicas, evidentemente, e a salvação de muitos homens se deu pela inserção destes homens na dimensão única e espiritual do Corpo Místico de Cristo. Logo, a salvação ocorreu, por óbvio, para homens que não estavam inseridos materialmente na Santa Igreja.

Seria possível, então, essa inserção parcial nos ditames da salvação católica para os homens nascidos depois de Cristo? Tomemos, por exemplo, uma pessoa que não teve possibilidade efetiva de ser batizada sacramentalmente e tenha vivido, por absoluto desconhecimento, à margem do conhecimento dos Evangelhos. Não seria o caso de que a Santa Igreja, por meio das missões, não teria possibilitado a tal pessoa o cumprimento integral do preceito enfático do Senhor dirigido a ela: 'Pregai o Evangelho a toda criatura' (Mc 16,15)? Da mesma forma que a Igreja não teria falhado, seria uma aberração dizer que tal culpa seria da pessoa por não ter sido acessada pelas missões da Igreja. Essa conjunção de fatos não implicaria a perda automática de sua salvação pela premissa de que 'fora da Igreja não há salvação', pois tal argumento não se justificaria minimamente diante dos mistérios da Infinita Misericórdia de Deus. Quantos exemplos ou situações similares poderiam ser igualmente relatados?

Assim, embora seja impossível alguém se salvar fora da Santa Igreja enquanto Corpo Místico de Cristo, no contexto da Misericórdia Divina, também não se pode afirmar categoricamente que alguém não possa ser salvo por não estar materialmente inserido na Santa Igreja. Em seu Infinito Amor e Misericórdia, Nosso Senhor Jesus Cristo abriu o caminho da salvação a todos os homens e, sob tais desígnios, há de salvar a muitos ainda que materialmente fora da Santa Igreja.

sábado, 26 de novembro de 2016

QUESTÕES SOBRE AS TENTAÇÕES E O PECADO (III)


Questão 25: Pode Deus nos tentar?

'Que ninguém, ao ser tentado, diga: ‘É Deus quem me tenta’, porque Deus não pode ser tentado para o mal, nem tentar ninguém' (Tg 1, 13).  Este versículo nos ensina duas coisas: a primeira é que Deus não pode ser tentado. Por que o que pode oferecer a tentação a Deus que Ele já não tenha? Que benefício, que prazer ou satisfação que se pode oferecer que Ele já não possua? Em Deus, a tentação é metafisicamente impossível, pois esta não tem nada a oferecer. A segunda coisa que o versículo nos ensina é que Deus não tenta a ninguém. Deus é bom e, por isso, não pode nunca tentar para o mal. Deus só pode conduzir ao bem, nunca nos apresentando o mal como bem ou nos induzindo ao erro. Se Deus não pode ser tentado, por que o diabo tentou Jesus? Porque foi Deus feito homem que podia ser tentado. Assim como também é impossível para Deus sofrer, ainda que Deus encarnado pudesse sofrer.

Questão 26: Por que Deus permite a tentação?

Se Deus não nos tenta, por que permite a tentação? Encontramos a resposta no seguinte versículo: 'Considerai que é suma alegria, meus irmãos, quando passais por diversas provações, sabendo que a prova da vossa fé produz a paciência' (Tg 1, 2-3) Sem a tentação, não existiria essa constância na virtude que resiste uma e outra vez contra toda a tentação sedutora. Em outras palavras, há determinados tipos de virtudes que jamais poderiam existir sem uma resistência às tentações. E mais, quanto mais dura for a prova, maior a luz da virtude ao superar a tentação.

Isto nos leva a pensar no seguinte: Deus poderia ter confrontado os demônios de modo que eles nunca pudessem interferir na história humana. Porém, Deus sabia que os demônios, se de um lado seriam causas de males, por outro lado ofereceriam ocasiões de bens muito maiores e da manifestação de virtudes muito mais valiosas. De certo modo, poderíamos dizer que Deus aceitou a possibilidade da escuridão no mundo pois isso permitia a manifestação de uma luz muito mais pura e brilhante. Do contrário, bastaria uma simples ordem de Deus para que nem sequer um demônio pudesse ter entrado em contato com um ser humano. Assim, se Deus permitiu tal contato, é porque sabia que disso resultaria bens muito maiores.

Questão 27: O que é a morte eterna? 

Um espírito (assim como uma alma) é indestrutível, não se deteriora, não se desgasta, não se subdivide. O espírito não pode morrer. Cometa os pecados que cometer, seguirá existindo e, por mais que queira morrer, a vida não o abandonará. O que se quer dizer com as expressões 'pecado mortal', 'morte eterna' e similares, é que a vida sobrenatural de um espírito ou de uma alma não pode morrer. O pecado mortal acaba com a vida sobrenatural. O espírito continua existindo, porém com uma vida meramente natural. A vontade e a inteligência, com todas as suas potências, continuam operando, mas sem a vida da graça.

O espírito desprovido da graça é como um cadáver. Esta expressão pode parecer algo exagerada, mas é precisa. O espírito que peca mortalmente é como um cadáver inanimado, sem a graça santificante. Passa a viver então apenas para a natureza e por sua natureza, uma vez privado da graça sobrenatural. E desde o momento em que a graça tenha deixado de vivificar um espírito, ocorre com ele o mesmo que com um corpo que não está mais animado por uma alma, ou seja, começa a sua deterioração.

Assim como um corpo começa a se decompor, assim um espírito começa a se corromper à medida que sua vontade vai cedendo. São muitos os homens que vivem apenas para a natureza do seu ser, esquecendo completamente a vida sobrenatural que Deus lhes concederia com prazer. O nível de deterioração varia muito conforme a pessoa. Mas, se pudéssemos acessar a alguns destes espíritos, veríamos que se tratam de verdadeiros cadáveres que exalam um mau odor exatamente como o de um cadáver em decomposição há muito tempo.

Questão 28: Como é o processo que leva à morte eterna? 

'Cada um é tentado pela sua própria paixão, pela qual é atraído e seduzido. A paixão, depois de conceber, dá à luz ao pecado e o pecado, quando consumado, gera a morte' (Tg 1, 14 -15).  O apóstolo São Tiago, em dois versículos descreve, com uma incrível profundidade, do princípio ao fim o processo que leva à morte da alma. O pecado não se produz por si mesmo e nem por um golpe repentino que se abate subitamente diante de nós sem que tenhamos culpa; há todo um processo, tal como descrito pelo apóstolo. A tradução do grego desses dois versículos deve ser muito cuidadosa para não se perder as nuances presentes nos verbos. O processo descrito é o seguinte:


A imagem de uma mulher gestando uma criança em seu ventre durante meses é a imagem da pessoa que gesta a iniquidade em seu interior. Certamente o pecado se manifesta em um determinado momento; um segundo antes não havia pecado e, um segundo depois, sim. Uma vez ocorrido o pecado, dá-se à luz ao pecado, porque antes terá havido uma gestação dele. E tal como no mundo animal, quanto maior for a gestação, maior será o rebento que se dá à luz. Assim também no mundo espiritual, quanto maior o pecado, maior o período necessário de sua gestação para que se manifeste. Aqui está a resposta à pergunta que tantos se fazem de como é possível que tal pessoa possa ter sido capaz de cometer tal ou qual barbaridade. Nenhuma barbárie moral aparece sem um processo prévio, que ocorre oculto aos olhos dos demais, mas que vai se desenvolvendo livremente no interior de tal pessoa. 

O apóstolo usa esta expressão 'dar à luz' porque verdadeiramente o pecado experimentara antes da 'gestação' uma 'concepção'. A sedução e a vontade atuam como  o espermatozoide e o óvulo. A paixão trata de abrir caminho e penetrar na vontade. Se esta se contrapõe, a sedução prostra-se estéril sem produzir nada. Uma vez cerrada a vontade, nem milhares ou milhões de espermatozoides lograrão penetrar no íntimo da vontade. Mas, se a vontade acolher a sedução, ocorre a concepção do pecado. Ainda assim, o pecado pode ser ainda eliminado. Não sendo eliminado, põe-se a reproduzir.


O pecado dá origem a novos pecados, se reproduz, aumentando em quantidade e transmutando-se qualitativamente em faltas piores. Se o primeiro pecado incorpora um processo prévio, o pecado gestado que permanece inicia também um novo processo, processo que leva à morte: a morte da alma. E a morte da alma resulta na morte eterna. A alma invadida pelo pecado é como uma alma morta, pois não possui nenhuma vida sobrenatural dentro de si. E se a alma morta decide permanecer neste estado de corrupção até o fim, isso implica a morte eterna e a condenação.


Conhecer tudo isso nos leva a dar mais valor à ação sobrenatural da graça divina que, em qualquer momento deste processo (desde que não tenha conduzido à morte eterna), pode vivificar a alma. O perdão de Deus não é somente perdão, mas vivificação. E se isso vale para o pecado e para as paixões, vale também, só que ao contrário, para a graça e para as virtudes. A vida em Cristo é um processo, uma vida que está sempre em gestação.

(Excertos da obra 'Summa Daemoniaca', do Pe. Jose Antonio Fortea, tradução do autor do blog)