O mal é uma aberração da graça divina, sua negação explícita, o aviltamento da verdade. É tão chulo e tão demoníaco, que quase nunca se expõe por inteiro ou toma a forma concreta da iniquidade. Tal medida seria um desastre e o inferno estaria quase vazio. Mas o inferno não está nem um pouco vazio. E isso se deve intrinsecamente não ao mal em si, mas à banalidade do mal.
A banalidade do mal é a iniquidade vestida de miragens, a fronte diabólica escondida atrás da máscara de algo bom. Se o fedor da carniça pudesse ser sentido ao primeiro encontro, não existiria o esgoto da miséria humana. Ninguém seria presa fácil da armadilha se pudesse reconhecer de pronto a cara, as trevas e o mal cheiro abjeto do mal reinante. Não é assim que funciona a maligna trama.
É preciso enganar o homem com um discurso tentador, com ações e palavras incertas e certeiras. A premissa fundamental é que 'nada é realmente como o que foi ensinado ou aprendido', as palavras têm sentidos e ressignificados, a tolerância sem limites é o limite maior de todas as virtudes, posições firmes e contundentes são refugos de uma mentalidade patriarcal, conservadora e deprimente. Aplique-se esses princípios, em todos os níveis e todo o tempo, em todos os elementos da norma moral, social e cultural de uma sociedade e ter-se-á uma contextualização real e concreta do que consiste o aniquilamento completo de uma civilização.
Neste labirinto de estratagemas, ouro vira barro e lama reluz como ouro. As palavras têm substâncias diferentes e já não vale o sentido literal das mesmas. O que era pecado ou infâmia torna-se louvável e valioso. O bem é desconstruído em todos os seus alicerces e o mal aflora como novidade e inovação. O homem é mergulhado num redemoinho de tentações por todos os vícios, prazeres e direitos sem fim, que começam no próprio corpo e que terminam na insanidade dos sentidos.
Nada é sim ou não, e tudo é possível. Pode ser na ideologia de gêneros, na questão do aborto, na relação entre a igreja e o estado, no clima da Terra, no livre pensamento, na arte e nos costumes, na sexualidade humana ou no direito dos animais. Essa metralhadora giratória não tem limites angulares, mas abarca tudo e a todos. Constrói falácias e as vendem como 'verdades científicas' e distorce dogmas e preceitos religiosos com um ecumenismo chulo e vadio.
É uma guerra atroz e sem armas. Armas no sentido de armas. É uma guerra mortal em que se matam primeiro as palavras. Com palavras mortas, frases e discursos perdem o contexto e a força da linguagem. Palavras vazias não enchem corações e nem movem moinhos. Resultam apenas na efusão da barbárie e do caos generalizado: o bem e o mal ficam submersos nas mesmas águas poluídas. Não existe a verdade e, sim, meias-verdades; nem mocinhos e nem bandidos; apenas os que são os detentores das mais-verdades e os 'outros'.
Talvez o inferno seja, no rigor das palavras eternas que não mudam, o destino final dos que quiseram matar a Deus matando as palavras dos homens ou comprando simplesmente o silêncio do bons, o que seria, a rigor, apenas uma segunda morte de palavras mortas.