terça-feira, 12 de agosto de 2025

O DOGMA DO PURGATÓRIO (CVI/Final)

Capítulo CVI

Meios de se Evitar o Purgatório - A Santa Aceitação da Morte - O Exemplo do Padre Aquitanus - A Prudência de se Informar o Paciente de sua Condição Crítica - Resignação ou Não à Vontade Divina Diante da Morte: Exemplos Diversos - São João da Cruz e a Doce Morte da Alma que Ama a Deus 

O sexto meio de se evitar o Purgatório é a aceitação humilde e submissa da morte como expiação dos nossos pecados: é um ato generoso, pelo qual oferecemos nossa vida a Deus, em união com o sacrifício de Jesus Cristo na Cruz.

Deseja um exemplo dessa santa resignação da vida nas mãos do Criador? Em 2 de dezembro de 1638, morreu em Brisach, na margem direita do Reno, o Padre Jorge Aquitanus, da Companhia de Jesus. Duas vezes ele havia dedicado sua vida ao serviço dos atingidos pela peste. Aconteceu que, em duas ocasiões diferentes, a peste se alastrou com tal fúria que era quase impossível aproximar-se dos doentes sem ser contaminado. Todos fugiram, abandonando os moribundos à sua infeliz sorte. Mas o Padre Aquitanus, entregando sua vida nas mãos de Deus, fez-se servo e apóstolo dos doentes; ocupava-se exclusivamente em aliviar seus sofrimentos e administrar-lhes os sacramentos.

Deus o preservou durante a primeira onda da peste; mas quando ela voltou com violência redobrada, e o homem de Deus foi chamado pela segunda vez a dedicar-se aos enfermos, Deus desta vez aceitou seu sacrifício. Quando, vítima de sua caridade, ele jazia em seu leito de morte, perguntaram-lhe se oferecia de bom grado sua vida a Deus. 'Oh!' - respondeu, cheio de alegria - 'se eu tivesse um milhão de vidas para oferecer a Ele, Ele sabe com que prontidão eu as daria'. Tal ato, como se pode compreender, é muito meritório aos olhos de Deus. Não se assemelha ele ao supremo ato de caridade realizado pelos mártires que morreram por Jesus Cristo e que, como o batismo, apaga todos os pecados e cancela todas as dívidas? 'Ninguém tem maior amor do que este: dar a vida por seus amigos' (Jo 15,13), disse Nosso Senhor.

Para fazer esse ato durante uma enfermidade, é útil - senão necessário - que o paciente compreenda sua condição e saiba que o fim se aproxima. Por isso, é um grande erro esconder-lhe essa verdade por uma falsa delicadeza. 'Devemos' - diz Santo Afonso - 'com prudência informar o doente sobre o perigo que corre'. Se o paciente tenta se enganar com ilusões ou se, em vez de se resignar nas mãos de Deus, pensa apenas na cura, mesmo que receba todos os sacramentos, comete um grave erro.

Lemos na vida da Venerável Madre Francisca do Santíssimo Sacramento, religiosa de Pamplona, que uma alma foi condenada a um longo purgatório por não ter tido verdadeira submissão à Vontade Divina em seu leito de morte. Era uma jovem muito piedosa, mas quando a mão gelada da morte a tocou na flor da juventude, a natureza recuou, e ela não teve coragem de se entregar às mãos sempre amorosas de seu Pai Celeste – não queria morrer ainda. Morreu, contudo, e a Venerável Madre Francisca, que recebia visitas frequentes das almas do purgatório, soube que essa alma teria de expiar, com longos sofrimentos, sua falta de submissão aos decretos do Criador.

A vida do Venerável Padre Caraffa nos oferece um exemplo mais consolador. O Padre Vicente Caraffa, Geral da Companhia de Jesus, foi chamado para preparar para a morte um jovem nobre que havia sido condenado à execução e que acreditava ter sido condenado injustamente. Morrer na flor da idade, sendo rico, feliz, e quando o futuro sorri para nós, é algo difícil, devemos reconhecer; no entanto, um criminoso que é atormentado pelo remorso de consciência pode se resignar e aceitar a morte como um castigo expiatório por seu crime. Mas o que dizer de uma pessoa inocente?

O padre, portanto, tinha uma tarefa difícil a cumprir. Contudo, assistido pela graça divina, soube lidar com sabedoria com aquele infeliz jovem. Falou com tal unção sobre as faltas de sua vida passada e sobre a necessidade de satisfazer à Justiça Divina, fez-lhe compreender tão profundamente como Deus permitia aquele castigo temporal para o seu bem, que domou a natureza rebelde e transformou completamente os sentimentos de seu coração. O jovem passou a ver sua sentença como uma expiação que lhe obteria o perdão de Deus e subiu ao cadafalso não apenas com resignação, mas com verdadeira alegria cristã. Até o último momento, mesmo sob o machado do carrasco, bendizia a Deus e implorava por sua misericórdia, para grande edificação de todos os que assistiam à sua execução.

No momento em que sua cabeça caiu, o Padre Caraffa viu a sua alma subir triunfante ao Céu. Imediatamente foi até a mãe do jovem para consolá-la, relatando o que havia presenciado. Estava tão tomado de alegria que, ao retornar à sua cela, não cessava de exclamar: 'Ó homem feliz! Ó homem feliz!'  A família desejava mandar celebrar grande número de missas pelo repouso de sua alma. 'É supérfluo' - respondeu o padre - 'devemos antes agradecer a Deus e alegrar-nos, pois declaro-lhes que sua alma nem sequer passou pelo Purgatório'. Outro dia, enquanto trabalhava, ele parou de repente, seu semblante mudou, e ele olhou para o Céu; então foi ouvido exclamando: 'Ó sorte feliz! Ó sorte feliz!' E quando um companheiro lhe pediu explicação sobre essas palavras, respondeu: 'Ah! meu caro padre, era a alma daquele condenado que me apareceu em glória. Ó como foi proveitosa para ele sua resignação!'

A Irmã Maria de São José, uma das quatro primeiras carmelitas que abraçaram a reforma de Santa Teresa, foi uma religiosa de grande virtude. O fim de sua carreira se aproximava, e Nosso Senhor, desejando que a sua esposa fosse recebida no Céu em triunfo ao exalar seu último suspiro, purificou e embelezou sua alma pelos sofrimentos que marcaram o fim de sua vida. Durante os últimos quatro dias que passou na terra, perdeu a fala e os sentidos; foi atormentada por uma agonia terrível e as religiosas ficaram profundamente comovidas ao vê-la naquele estado. A Madre Isabel de São Domingos, priora do convento, aproximou-se da religiosa enferma e sugeriu-lhe que fizesse muitos atos de resignação e total abandono nas mãos de Deus. A Irmã Maria de São José ouviu-a e fez esses atos interiormente, embora não pudesse manifestar nenhum sinal exterior disso.

Morreu nessas santas disposições e, no próprio dia de sua morte, enquanto a Madre Isabel ouvia missa e rezava pelo repouso de sua alma, Nosso Senhor mostrou-lhe a alma de sua fiel esposa coroada de glória, e disse: 'Ela pertence ao número daqueles que seguem o Cordeiro'. A Irmã Maria de São José, por sua vez, agradeceu à Madre Isabel por todo o bem que lhe havia feito na hora da morte. Acrescentou que os atos de resignação que lhe havia sugerido lhe haviam merecido grande glória no Paraíso e a haviam isentado das penas do Purgatório.

Que felicidade é deixar esta vida miserável para entrar na única vida verdadeira e bem-aventurada! Todos nós podemos alcançar essa felicidade, se usarmos os meios que Jesus Cristo nos deu para satisfazer nesta vida e preparar nossas almas perfeitamente para comparecer diante dEle. A alma assim preparada é tomada, na última hora, pela mais doce confiança; ela tem, por assim dizer, um antegosto do Céu - experiências estas descritas por São João da Cruz na sua obra Chama Viva de Amor, ao falar da morte de um santo.

'O amor perfeito de Deus' - diz ele - 'torna a morte agradável, fazendo a alma experimentar a maior doçura naquele momento. A alma que ama é inundada por um torrente de delícias na aproximação daquele instante em que está prestes a entrar na posse plena de seu Amado. À beira de ser libertada desta prisão do corpo, ela já parece contemplar as glórias do Paraíso, e tudo dentro dela se transforma em amor'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.