sábado, 5 de fevereiro de 2022

COMO A IGREJA CANONIZA OS SANTOS

Ninguém, por santo que seja, mesmo fazendo milagres, pode ser canonizado durante a vida, porque, sujeitos às fraquezas humanas, aqueles que hoje estão de pé, podem cair amanhã. São Paulo avisa-nos com muita razão que aquele que julgar estar de pé, tome cuidado para não cair (I Cor 10, 12).

É preciso, pois, morrer antes... porém, não é a morte que traz a santidade, mas sim a vida que deve dá-la. É durante a vida que o homem deve praticar as virtudes que fazem os santos. Morrendo uma pessoa, com reputação de virtude extraordinária, a Igreja, com uma prudência consumada, não permite que seja logo considerada, nem invocada como santa.

Ela exige que o santo demonstre, ele mesmo, do alto do Céu, a virtude da sua vida, fazendo milagres ou melhor, a Igreja espera que Deus manifeste a santidade de uma pessoa, comunicando-lhe o dom de milagres. 

E fazendo milagres, uma pessoa é canonizada, santa? Nada! É apenas a entrada, é o primeiro passo. Fora os casos excepcionais, nenhum santo é canonizado antes de 50 anos depois de morto; a Igreja quer provas, provas palpáveis e irrefutáveis.

E aqui começa o processo de canonização, processo longo, minucioso, rigoroso. Primeiro, a Igreja ordena ao bispo do lugar que organize um Tribunal Diocesano. Este tribunal recolhe todos os documentos deixados pelo finado, interroga os sobreviventes, examina os escritos, verifica os fatos e os milagres, examina a heroicidade das virtudes praticadas, e, após anos de indagações e de investigações, recolhe todos os documentos pró e contra, e remete-os a Roma.

Uma comissão de cardeais e teólogos é nomeada pelo Soberano Pontífice para examinar os escritos, as virtudes e os milagres do servo de Deus. Passam-se meses e anos. Tudo é examinado e discutido. Havendo fatos sólidos e virtudes extraordinárias, a comissão nomeia o advogado ou defensor da causa e o seu contraditor.

Ambos fazem um estudo sobre os três pontos em questão: Doutrina, Virtudes e Milagres; porém, fazem-no num sentido oposto. O Defensor procura provar a ortodoxia da doutrina do servo de Deus, as suas virtudes e o valor dos milagres feitos por ele, depois da morte. O Contraditor, sempre apoiado sobre os documentos, procura rebater as asserções do primeiro e mostrar o lado fraco da doutrina, das virtudes e dos milagres aduzidos.

Após várias reuniões, em presença de teólogos e outros sábios, a questão é resolvida favorável ou desfavoravelmente. Averiguando-se a absoluta ortodoxia da doutrina, a heroicidade das virtudes praticadas, o servo de Deus sai vencedor no primeiro exame.

Averiguando-se a certeza absoluta de um milagre, provado, autêntico, a Igreja proclama o servo de Deus como Venerável. Depois disso, espera-se mais uns anos. Havendo outros milagres, ficam submetidos ao exame e às discussões da comissão, e averiguado mais outro milagre, provado, autêntico, o venerável recebe o título de Bem Aventurado ou Beato.

Novamente demora-se alguns anos. Se o bem aventurado continuar a fazer milagres, a comissão examina-os de novo, com o mais extremo rigor, e sendo o terceiro milagre provado autenticamente, o Soberano Pontífice lavra o decreto definitivo de canonização.

Usando de seu privilégio de infalibilidade, pela assistência do Espírito Santo, ele proclama a absoluta retidão de doutrina, a heroicidade das virtudes e a autenticidade pelo menos de três milagres, dando ao bem aventurado o título glorioso de SANTO. Eis como a Igreja canoniza os santos*.

* não tem seguido esse rito rigoroso alguns processos de canonização feitos pela Igreja em períodos mais recentes.  

(Pe. Júlio Maria de Lombaerde na obra 'O Cristo, o Papa e a Igreja', de 1940)

PRIMEIRO SÁBADO DO MÊS

  

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Nem todas as lágrimas são um sinal de falta de fé ou de fraqueza. Uma coisa é a dor natural, outra a tristeza que resulta da descrença. A dor não é a única a manifestar-se com lágrimas; também a alegria tem as suas lágrimas, também o afeto suscita lágrimas, a palavra rega o solo com lágrimas, e a oração, segundo as palavras do profeta, banha de lágrimas o nosso leito (Sl 6,7). Quando os patriarcas eram sepultados, o seu povo também chorava muito. As lágrimas são, pois, um sinal de afeto e não incitações à dor. Chorei, confesso-o, mas também o Senhor chorou (Jo 11,35); Ele chorou uma pessoa que não era da sua família, eu choro um irmão. Ele, num só homem, chorou todos os homens; e eu chorar-te-ei, meu irmão, em todos os homens'.

Santo Ambrósio (doutor da Igreja), na perda do seu irmão

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS

 

DEVOÇÃO DAS NOVE PRIMEIRAS SEXTAS - FEIRAS 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

O EDIFÍCIO ESPIRITUAL

O edifício espiritual da alma é a prática das virtudes levada à perfeição. Uma casa grande e formosa não pode ser edificada senão pouco a pouco e à força de muitos trabalhos; é necessário que haja ordem e variedade; é necessário empregar nela diversos instrumentos e materiais diversos; assim também constrói-se, por meio de diversas virtudes, exigindo-se trabalhos largos e gloriosos, uma constância invencível e outras virtudes.

A longanimidade pode representar a longitude do edifício; a caridade, a sua largura; a esperança, a sua altura. Os quatro muros são as quatro virtudes cardeais: a prudência, a justiça, a fortaleza, a temperança. A humildade e a fé são seu fundamento e base; a paciência seu teto; os bons desejos as suas vantagens; a observação dos mandamentos é a sua porta e o temor de Deus, o porteiro; os anjos são seus guardiões; a contemplação é a sua sacada; a oração forma suas muralhas e o cão que está de vigia noite e dia é a vigilância; a alma é a sua dona e todas as virtudes são os seus quartos e salas. O esposo é a vontade, a esposa é a modéstia; a família compõe-se das boas obras; os serventes são os sentidos que obedecem à alma; a mesa é a Sagrada Escritura; o pão, a Eucaristia; o fogo, o Espírito Santo; o ar, o bom exemplo; o óleo, a misericórdia e a mansidão; o leito, a tranquilidade da consciência; os remédios, os sacramentos; os médicos, os sacerdotes; os hóspedes, o Pai, o Filho, o Espírito Santo, a Virgem Santíssima e os Anjos da Guarda.

O sábio edifica sobre um terreno sólido. Jesus Cristo é a pedra angular, o cimento do edifico espiritual; é sua base inquebrantável. O homem prudente, disse Jesus Cristo, fundou a sua casa sobre a pedra, e caíram as chuvas, e transbordaram os rios, e sopraram os ventos, e deram com ímpeto contra aquela casa; mas ela não foi destruída, porque estava cimentada sobre a rocha: Et descendit pluvial, et venerunt flumina, et flaverunt venti, et irruerunt in domun illam; et non cecedit, fundata enim erat superpetram (Mt 7, 25).

Sobre a pedra construiu-se também a Igreja de Jesus Cristo; e, por isso, as portas do Inferno não prevalecerão jamais contra ela: Super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam; et portae inferi non prevalebunt adversus eam (Mt 16, 18). É inquebrantável como o seu divino alicerce. O insensato, diz Jesus Cristo, fabricou a sua casa sobre a areia; caíram chuvas, e os rios saíram do leito, e sopraram os ventos, e deram com ímpeto sobre aquela casa, que veio a colapsar-se, e sua ruína foi grande: Et descendit pluvial, et venerunt flumina, et flaverunt venti, et irruerunt in domum illam, et cecidit, et fuit ruina illius magna (Mt 7, 27). Tal é o terreno que elegem para edificar os hereges, os cismáticos e todos os pecadores cegos e endurecidos.

O homem fiel, unido por amor a Jesus Cristo e às suas Leis, é inquebrantável. Os golpes das perseguições, as ondas das paixões, o vento das lisonjas, das promessas e ameaças, as nuvens de calúnias, o trovão e os raios dos demônios ou dos malvados, as provas que chegam como tempestades, não o podem derrubar. É como um rochedo no meio dos mares, tal como os Apóstolos e os Mártires.

O bom cristão é a árvore de que nos fala a parábola que refloresce na medida em que é cortada e podada, e resiste às feridas do ferro, e desenvolve-se com mais vigor quando é ferida mais profundamente, e nunca é tão formosa quanto no dia em que a arrancam por completo. 

(Cornélio à Lápide)

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: A SERENIDADE DA ALMA


As sucessivas purificações estabeleceram na alma interior um estado de faculdades puras no sentido de conhecer, amar, querer e imaginar. Nada se mantém das formas naturais, pois tudo se desvaneceu. O fogo do amor a tudo consumiu. Mesmo os hábitos de pensar ou querer foram abortados, ainda que com grande sofrimento. Mas as faculdades não foram sufocadas por este arrebatamento íntimo da alma; pelo contrário, tornaram-se mais intensas, mais fortes, mais aptas para o bem do que nunca. Assemelham-se às faculdades dotadas pelo primeiro homem que saiu das mãos do Criador. Quer se trate do mundo natural ou do mundo sobrenatural, da ação ou da contemplação, as faculdades, perfeitamente livres, perfeitamente dóceis nas mãos de Deus, operam com igual desenvoltura. Estão absolutamente à vontade entre estes dois mundos.

Elas se transmutam entre ambos com perfeita segurança e tranquilidade, graças ao conhecimento que a alma dispõe das relações que os associam. Não é Deus o supremo autor dessas duas dimensões? E, como consequência de sua íntima união com Deus, a alma não vê as coisas de um certo modo como Deus as vê, e não as quer tal como Deus as escolheu? Quanto mais puras são as faculdades da alma, tanto mais divinas também são, e tanto mais e melhor se harmonizam com as obras de Deus. Daí aquela serenidade perfeita com que a alma interior passa da contemplação à ação e da ação à contemplação.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

'EU MORREREI!'


Eu morrerei!

Deixarei tudo, sem exceção; deixarei meus pais, meus amigos, minha família; e eu lhes direi um adeus eterno. Deixarei minha casa, meus móveis, minha terra, tudo o que me pertence. Deixarei absolutamente tudo. E essas coisas das quais eu gosto mais? Eu as deixarei como todo o resto. Que abandono universal isso será enfim.

Ai de mim! Que loucura se apegar àquilo que se deve em breve deixar! Eu tive muito trabalho para adquirir ou conservar o que possuo; e tudo isso irá acabar! Por que não me separar de antemão para um completo despojamento?

Minha alma deixará meu corpo; e, portanto, o corpo será um objeto inoportuno, do qual meus próprios pais e meus amigos não procurarão senão de livrar, um cadáver infecto, capaz de tudo envenenar se não for enterrado no solo; e o enterrarão, então, e o que será desse corpo de que me ocupei tanto? O que será destes pés, destas mãos, desta cabeça? Que insensato sou, portanto, de embelezar e adornar aquilo que em breve não será mais do que podridão e cinzas! Que insensato eu sou de por em risco, por causa deste corpo e seus prazeres, a minha alma, a minha eternidade!

Então, pensarão muito em mim, entre os homens? Ai de mim! Nós pensamos tão pouco nos mortos! Quem se lembra agora de tal e tal pessoa que eu conhecia, que eu vi morrer! Oh! A estima dos homens é pouca coisa!

Eu morrerei!

Minha alma irá comparecer diante do tribunal de Deus! Ó momento temível! Encontrar-me sozinho na presença de Deus e responder por toda a minha vida diante de um Deus soberanamente justo, soberanamente iluminado, soberanamente inimigo do pecado!

Para escapar desse julgamento, eu não tenho senão um único caminho: julgar a mim mesmo severamente aqui nesta terra, e então eu não serei julgado [severamente].

(Pe. André-Jean-Marie Hamon  - 1795 / 1874)