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TESOURO DE EXEMPLOS II (PARTE I)

 

01. FOI AVISADO DE QUE MORRERIA

Rapazes, até quando continuareis zombando da autoridade de Deus? Até quando desprezareis o seu preceito de ir à missa aos domingos, à confissão, à comunhão? Tendes saúde, sois fortes, alegres, adulados, amados de vossos pais, estimados por  vossoss colegas, bem sucedidos nos estudos, ricos e afortunados... Mas uma coisa eu vos digo: de Deus não se zomba. Se nao fazeis caso da religião, se não cumpris vossos deveres morais e religiosos, se continuais na libertinagem, nao duvideis que o castigo virá. Como? De que maneira? Quando? A estas perguntas nao podemos responder: sao mistérios de Deus. O certo, porém, é que Ele anunciou temerosos castigos contra os profanadores dos dias santos. E esses castigos, nesta ou na outra vida, virão infalivelmente. 

Escutem o que nos diz o grande doutor da Igreja Santo Afonso de Ligório. Era - diz ele - o dia 24 de novembro de 1668. Dois amigos passeavam juntos nos jardins de Palermo. Um deles, chamado  César, era ator dramático. 
➖ César - disse-lhe o amigo - você está triste!
➖ Muito. 
➖ Por que não conversas?
➖ Não posso. 
➖ Tens alguma preocupação?
➖ Sim; e muito grande. 
➖ Podes contar o que é?
➖ Sim; como és um bom amigo, vou abrir-te o meu coração...

Já sabes que minha mãe era uma pessoa muito boa. Educou-me na piedade. Mais tarde, porém, abandonei tudo e tornei-me um libertino. Dediquei-me ao teatro; tenho tido muitos sucessos, mas, também, tenho dado muitos escândalos. Um dia, estando eu em Nápoles, passei por uma praça abarrotada de povo. Parei. Era um missionário que estava pregando. Ouvi-lhe o sermão sobre o inferno e tive medo. Converti-me, confessei-me com ele e, ao terminar, ele me disse: 'Não voltes ao vômito do pecado, porque, se voltares (digo-te da parte de Deus), só terás mais doze anos de vida'. 
➖ Isso te disse o padre?
➖ Exatamente.
➖ E por que hoje te lembras disso?
➖ Porque hoje, exatamente, vai fazer doze anos...
➖ Qual nada! Não  te vejo com cara de moribundo!
➖ Sim; hoje estou melhor do que nunca.
➖ Então; deixa-te de tolices. Eu te profetizo, sem ser missionário, que esta noite terás um dos maiores sucessos de tua vida. E viverás ainda muito, até caires de velhice.
➖ Deus te ouça, meu amigo; mas asseguro-te que tenho medo, muito medo. 

Chegou a noite. Começou a peça de teatro. César atuava no palco e todos o aplaudiam em delírio. De repente, cambaleou e caiu. Acercaram-se dele e tentaram erguê-lo... mas estava morto! Realizava-se, assim, a tremenda profecia do missionário. 

Nao sou eu, mas o próprio Deus, quem vos diz: Rapazes, frequentai a missa! Porque, se não observais a minha lei e se  profanais as minhas festas, contra vós enviarei terríveis castigos quer nesta, quer na outra vida.

02. QUEM QUER DISCUTIR RELIGIÃO?

Viajava num trem um douto e modesto frade. Ele lia o seu Breviário e nao prestava atenção ao que os vizinhos conversavam, embora tivesse percebido que andavam a gracejar sobre a religião. Uma senhora, mais petulante que os outros, intrigada com o silêncio do frade, voltou-se para ele e disse:
➖ Saiba, padre, que eu sou incrédula!
➖ Então a senhora não admite a revelação divina?
➖ Ah! não; isso de revelação divina não passa de fábula. 
➖ A senhora já estudou algumas provas da revelação?
➖ Não, senhor.
➖ Terá lido alguma obra de São Tomás ou de Balines?
➖ Também não.
➖ E não passou a vista por alguma obra de apologética fundamental, a de Hilaire, por exemplo?
➖ Não, senhor. 
➖ Pois então, minha senhora, permita-me que lhe diga a verdade: a senhora não é incrédula, a senhora é analfabeta!

É por aí mesmo. Certos 'incrédulos' posam como tal, dizendo ou escrevendo disparates contra a religião e, no entanto, não passam de pobres analfabetos em assuntos religiosos. Que lhes aproveite, pois, esta lição!

03. AH! ESSAS MODAS...

Regressava das missões da África um missionário de barba longa e veneranda. Todos no navio o tratavam com respeito. Durante o dia, enquanto os passageiros se divertiam, ele permanecia no convés, rezando e contemplando o belo céu. Comparava a sua paz com aquele torvelinho, cada dia mais se alegrava de ter escolhido a melhor parte, ou seja, o sacerdócio. 

Uma tarde desceu para a refeição e modestamente ocupou o seu lugar à mesa. Em frente dele, sentou-se uma senhora vestida muito à moda, isto é, quase como Eva no paraíso. O missionário lançou-lhe um olhar sério e guardou silêncio. Durante toda a refeição, manteve-se constrangido. Compreendia a obrigação que tinha de advertir aquela senhora, mas queria fazê-lo de forma caridosa e polida para que sua repreensão fosse mais eficaz. 

Ainda estava indeciso, quando chegou a sobremesa. A senhora tomou delicadamente uma maçã da bandeja e a ofereceu ao padre.
➖ Desculpe-me, senhora - disse ele - mas preferiria que a senhora mesmo a comesse. 
➖ Não não, faça-me o favor...
➖ De modo nenhum, pois é à senhora que compete comer essa maçã.
➖ Mas por que, padre?
➖ Para que se repita o caso descrito na Sagrada Escritura, lembra-se?: Eva tomou uma maçã, levou-a à boca e deu-lhe uma dentada e, então, abriram-se-lhe os olhos e compreendeu que estava desnuda!

04. A MULHER MODERNA

Viviam aquelas pombas irrequietas e felizes na doce paz do seu pombal. Todas as manhãs voavam ao campo, com o pescoço irisado pelo sol e bicavam os grãos que haviam caído ao golpe da foice do ceifeiro. À noite, o pombal dava-lhes abrigo e calor e, ali no ninho escondido na parede, ouviam alegremente o piado dos seus filhotes. Nao careciam de nada; tinham tudo, viviam ditosas e morriam tranquilas. 

Mas, eis que um dia apareceu no pombal uma pomba revolucionária. Vinha de outras terras, onde as pombas sacrificavam a felicidade à liberdade, e falou-lhes desta maneira: 'Companheiras, viveis dois séculos atrasadas com respeito às pombas de outros países. Basta de clássicas submissões, de vida aborrecida e estéril. Por que havemos de ser inferiores às patas? Elas podem ir à esterqueira e nós temos medo de nos mancharmos; elas podem banhar-se até na água suja e nós nã temos coragem de meter-nos no rio. Para que defender tanto a nossa alvura, a nossa pureza? Isso sao preconceitos da Idade Média! Cada uma fala o que bem entender, pois para isso é dona de seu corpo e de sua vida. Chega! Vamos à esterqueira! Ao charco!' Todas as pombas incautas aplaudiram a estrangeira agitando as asas. Dirigidas pela revolucionária, voaram para um pântano infecto que se via à distância. Enlambuzaram-se, revolveram-se no lodo com grande algazarra e... não vos direi como saíram dali as pombas! 

Assim, caros leitores, viviam em nossa terra ditosas e tranquilas mulheres. No ninho do seu lar viviam em paz a vida do trabalho e do amor. Mas a civilização revolucionária começou a cantar o seu canto de sereia assim: 'Como! Ficareis toda a vida fechadas em casa? E escravas dos homens? Basta, basta já de submissões! Nao vedes como se chegou, em outros países, à emancipação da mulher? Abandonai os vossos preconceitos medievais! A mulher é dona do seu corpo e de sua vida. Por que sacrificar à alvura da pureza todas as alegrías do prazer? Ao charco! Ao pântano! E as mulheres modernas lançaram-se e revolveram-se no charco da vida... e não vos direi eu como saem dele as mulheres de hoje!

05. O REMORSO DE CONSCIÊNCIA

Em 1859, uma aldeia da Morávia, chamada Leibnitz, foi devastada por um pavoroso incêndio. A princípio, ninguém suspeitou que o fogo tivesse sido obra de urna terrível vinganga. O que chamou a atenção foi que, desde o dia do incêndio, um dos habitantes se afastava cautelosamente dos demais e passava seus dias em casa, sempre sozinho, com as portas cerradas. Era o incendiário que, depois do seu crime, via continuamente os espectros das vítimas que pereceram no fogo. 

Estas bailavam diante dos seus olhos e, apontando para uma árvore do quintal, pareciam dizer-lhe: 'Ali serás enforcado!' O infeliz então cortou a árvore. Em vão. Os moradores do povoado viam-no rezar todos os dias ajoelhado e erguendo as mãos aos céus. Nem assim teve sossego. Por fim, ele mesmo foi apresentar-se às autoridades, dizendo: 'Eu sou o culpado, eu sou o autor do incêndio!' 

Ah! É inútil. Pretendem alguns abafar a voz da consciência, entregando-se aos prazeres e folguedos; mas é inútil. Por algum tempo, talvez, a consciência ficará calada; mas chega um dia em que, dentro de nós, ela começa a gritar com a severidade de um juiz: 'Tu és o incendiário! Tu és o assassino! Tu és o pecador!' 

06. SE NÃO HOUVESSE INFERNO... 

Nos terríveis dias da Revolução Francesa, um pároco de Lyon foi barbaramente arrastado aos tribunais.
➖ Crês que há um inferno? - perguntou-lhe cinicamente um dos juízes revolucionários. 
➖ Claro que sim - respondeu o pároco; e se não cresse, vendo agora os vossos crimes, não teria dúvida em crer; porque, se de fato não existisse o inferno, seria mister inventá-lo para vos castigar!


07. SÓ MESMO O SOFRIMENTO

Urna senhora da alta classe social foi urna vez queixar-se a um diretor espiritual, homem experimentado:
➖Padre, sou frívola, o mundo me encanta e a vida moderna me entusiasma. Já fiz o possível para corrigir-me (confissões, novenas, retiros) e nao consigo. Será que posso salvar-me? O que me pode valer-me? 
O velho sacerdote respondeu-lhe: 
➖ O que é que pode salvá-la? Somente uma coisa, minha senhora... 
➖ E o que seria? 
➖ Só mesmo um grande sofrimento!

08. SE CRISTO VOLTASSE... 

Algumas vezes fico a pensar: que impressão teria Cristo se voltasse hoje a este mundo? Vejamos. É um dia festivo. A grande praça da cidade está regurgitando de gente. Uns passeiam no jardim; outros estão sentados nos bares e cafés; estes discutem política, aqueles fazem fila à entrada do cinema...

E se, de repente, Cristo surgisse com a cruz às costas, coroado de espinhos e amarrado com cordas como passou outrora pelas ruas de Jerusalém, a caminho do Calvário. Um bando de meninos insolentes segueriam os seus passos a gritar e assobiar. A gente correria para vê-lo. Alguns operários ergueriam os punhos ameaçadores; muitos curiosos comentariam com desdém o raro espetáculo; jovens dissolutos contemplariam a sua figura com olhos maliciosos; sábios incrédulos sorririam com desprezo; alguns sentiriam compaixão daquele homem carregando a cruz, mas, medrosos, esconder-se-iam atrás de alguma porta... quantos realmente tomariam a decisão de acompanhá-lo e de confortá-lo naquela hora de amargura? 

Pouquíssimos! Alguns jovens decididos, algumas mulheres piedosas, como no caminho do Calvário. E tu, o que farias? Terias coragem de o seguir, ou serias daquele número dos que o desprezariam, escarneceriam ou se ocultariamm para que não o vejam chorar? Oxalá fosses dos valentes que o aju- dariam a carregar a cruz, dos destemidos que correriamm às praçaas e apregoariam a sua glória! 

09. A GANA DE SER RICO

Já ouvistes a história de João Wilde? Dizem que na ilha de Bergen há uma multidão de anõezinhos habitando um palácio de cristal, no interior da montanha. De vez em quando, saem do seu palácio encantado para bailar pelos campos. Mas, se numa dessas excursões, algum anãozinho perder um de seus sapatinhos de vidro, tem que voltar e procurá-lo, até o encontrar, custe o que custar. 

Um lavrador, chamado João Wilde, que sabia desse segredo, resolveu apanhar um desses sapatinhos e fazer fortuna. Saiu, pois, à meia-noite, deitou-se ao pé da montanha e fingiu que dormia. Apareceram os anõezinhos e, vendo-o dormir., bailaram tranquilos e alegres à luz do luar. João Wilde espreitava-os e vendo que um deles deixou cair o sapatinho, de um salto apoderou-se do precioso tesouro. No dia seguinte, o anãozinho, disfarçado de viajante, dirigiu-se à casa do lavrador. Este negou-se a devolver-lhe o sapatinho e o anãozinho, em desespero, ofereceu-lhe pelo sapatinho tudo o que quisesse. 
➖ Quero - disse João - que daqui em diante, a cada golpe do meu enxadão, apareça uma moeda de ouro. 

Firmou-se então um contrato entre os dois. O lavrador, com mão trêmula, tomou o enxadão e o mergulhou na terra e - ó boa sorte! - apareceu uma moeda de ouro reluzente e novinha. Todo o dia, de sol a sol, esteve cavando e todo o dia esteve recolhendo moedas. Voltou no dia seguinte, e também no outro e, como achava curto o dia, comecou a passar a noite desenterrando moedas de ouro. Sem descanso e sem sossego, cavou, suou, mourejou. Nem um momento de repouso, tamanha era a ânsia de amontoar puro, ouro e mais ouro... 

Um dia, porém, encontraram-no estendido no campo ao lado do seu enxadão: morrera de fadiga sobre um montão de moedas de ouro. O anão dera-lhe o ouro por castigo. Já disseste ou pensaste  talvez: faço sempre a vontade de Deus e, no entanto, vivo na pobreza; outros, vivem a ofendê-lo e gozam de abundância... Não te queixes, meu irmão; a tua pobreza, suportada com resignação, é uma mina de méritos para o céu. A riqueza mal adquirida ou mal empregada será causa de grandes castigos na vida futura.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos' - Volume II, do Pe. Francisco Alves, 1960; com adaptações)