BIBLIOTECA DIGITAL

terça-feira, 30 de setembro de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XLI)


141. São Gregório e São Tomás ensinam que se pode pecar de quatro maneiras diferentes por meio de atos de orgulho. A primeira é quando consideramos que possuímos algum bem, seja corporal ou espiritual, por nós mesmos, e nos gloriamos dele como se realmente nos pertencesse, sem pensar em Deus, que é o doador de todos os bens. Foi com esse orgulho que Arfaxad, rei dos medos, pecou quando se gloriou no poder de seu enorme exército; e o rei Nabucodonosor pecou da mesma forma quando se vangloriou da construção da Babilônia: 'Não é esta a grande Babilônia que eu construí com a força do meu poder?' [Dn 4,27]. Da mesma forma, o homem rico, mencionado em São Lucas, pecou quando se deleitou com suas riquezas e as considerou como sua própria substância, dizendo: 'Vou reunir todas as coisas e direi à minha alma: alma, você tem muitos bens guardados para muitos anos' [Lc 12,18-19].

E, portanto, podemos dizer que é por meio desse orgulho que todos pecam: aqueles que se lisonjeiam e se gastam em ostentação, glorificando-se por seus grandes talentos, ou por suas riquezas, ou por sua prudência, ou por sua eloquência, ou pela beleza de seu corpo, ou pelo custo de suas vestes, como se Deus não tivesse nada a ver com isso, e que, estimando-se imoderadamente, desejam também ser estimados pelos outros. Este é o verdadeiro orgulho, porque se Deus nos deu todas essas coisas boas para nosso uso, Ele reservou a glória delas para si mesmo: 'A Deus somente seja dada a glória e a honra' [1Tm 1,17] e quem usurpa essa glória é culpado de orgulho.

E, portanto, devemos observar com São Tomás que, para cometer um pecado de orgulho, não é necessário declarar positivamente que esses dons não vêm de Deus, pois isso seria um pecado de infidelidade, mas basta que nos gloriemos deles como se nos pertencessem, 'o que se relaciona com o orgulho' [2a 2æ, qu. clxii].

142. A segunda maneira pela qual podemos pecar em nossas ações por orgulho é quando, sabendo e admitindo que recebemos tal ou tal dom de Deus, atribuímos isso interiormente ao nosso próprio mérito e desejamos que os outros façam o mesmo, e em nosso comportamento exterior nos comportamos como se realmente merecêssemos receber esses dons. Foi assim que Lúcifer pecou por orgulho; pois, apaixonado por sua própria beleza e nobreza, e embora reconhecesse que Deus era o autor de tudo isso, ele teve a presunção de pensar que ele mesmo o merecia e era digno de sentar-se ao lado de Deus no mais alto dos céus: 'subirei ao céu' [Is 14,13].

E, por isso, São Bernardo o repreende, dizendo: 'Ó alma orgulhosa, que obra fizeste para merecer o teu descanso?' O que fizeste, ó ousado, para merecer tal honra? E é assim que pecaram por orgulho aqueles réprobos a quem se faz alusão -  em Lc 17,9 - que, como o fariseu, deram graças a Deus pelo bem que fizeram e pelo mal que deixaram de fazer: 'Ó Deus, eu te dou graças...', mas, ao mesmo tempo, tiveram a presunção de se considerarem de mérito singular, 'confiando em si mesmos'.

Assim, todos aqueles que pecam presumindo que mereceram qualquer bem de Deus são condenados por orgulho, porque, ao atestarem seu próprio mérito, tornam Deus devedor dessa graça, que não seria mais graça se a tivéssemos merecido. Podemos muito bem nos permitir, com Jó, dizer que, por nossos pecados, merecemos a ira de Deus e todo tipo de mal: 'Oh, que meus pecados, pelos quais mereci a ira, fossem pesados na balança' [Jó 6,2], mas não podemos dizer que merecemos a graça ou qualquer bem, como diz São Paulo: 'Se é por graça, não é agora por obras; caso contrário, a graça não é mais graça' (Rm 11,6].

E cada um de nós deve dizer com o mesmo humilde São Paulo: 'Pela graça de Deus sou o que sou' [1Cor 15,10]. Se sou rico, nobre, são ou possuo quaisquer outros dons, tudo isso vem de Deus, que me fez assim, não por meus próprios méritos, mas unicamente por sua própria misericórdia e bondade. Quer eu me abstenha do mal ou faça o bem, devo tudo isso não ao meu próprio mérito, mas à graça de Deus, que me assiste com a sua misericórdia: 'Pela graça de Deus sou o que sou'. E qualquer um que atribua o que é ou o que tem aos seus próprios méritos é culpado de orgulho e apropria-se do que deveria dar à misericórdia e à graça de Deus. Por isso, a Santa Igreja sabiamente termina suas orações com estas palavras: 'Por Jesus Cristo, nosso Senhor'... E com isso protestamos à Divina Majestade que pedimos as dádivas mencionadas nessas orações pelos méritos de Jesus Cristo e que, se nossas orações forem ouvidas, será somente pelos méritos de Jesus Cristo.

Este é um ponto que merece toda a atenção, para que não caiamos por inadvertência no mais terrível orgulho. E Santo Agostinho nos exorta a lembrar que não só todo o bem que temos vem de Deus, mas também que o temos somente por sua misericórdia e não por nossos próprios méritos. 'Quando o homem vê que todo o bem que tem vem da misericórdia de Deus e não de seus próprios méritos, ele deixa de ser orgulhoso' [Sl 84].

143. A terceira maneira pela qual podemos pecar por orgulho é quando atribuímos a nós mesmos algum bem - de qualquer tipo - que, na verdade, não possuímos, seja estimando-nos por esse bem imaginário que existe apenas em nossos pensamentos e desejando que os outros também nos estimem por isso, seja realmente possuindo-o, seja apenas desejando ter esse bem que não temos para poder nos vangloriar e nos gloriar nele, tudo isso é orgulho detestável.

Foi assim que o bispo de Laodicéia pecou, estimando-se rico em méritos quando era apenas desprezível; e, por isso, Deus lhe disse que o vomitaria da sua boca: 'Começarei a vomitar-te da minha boca, porque dizes: sou rico e não tenho necessidade de nada, e não sabes que és miserável e pobre' [Ap 3,16.17]. E é com esse tipo de orgulho que todos pecam, quer se considerem a si mesmos, quer procurem ser considerados pelos outros, em palavras ou ações, como mais ricos, mais sábios, mais importantes ou mais virtuosos do que realmente são.

Pode ser um ato de virtude desejar essas coisas para algum fim honroso, por exemplo, desejar mais conhecimento para poder servir à Santa Igreja, desejar riquezas para poder dar mais esmolas; mas desejar essas coisas para não parecer inferior aos outros ou para adquirir mais estima é apenas orgulho, e como são poucos os que não estão infectados com esse orgulho! Um por uma coisa, outro por outra, quase todos os homens procuram ser estimados acima do que realmente são - e isso sem o menor escrúpulo.

Às vezes, pode ser que o pecado não seja tão grave, seja porque não se trata de um desejo deliberado, seja porque a natureza da ofensa é muito leve; mas, por outro lado, é em si mesmo sempre um pecado muito grave, porque, por meio desse orgulho, o homem não permanece mais sujeito à regra que lhe foi dada por Deus: contentar-se com o seu próprio estado. São Tomás diz: 'Isso é evidentemente da natureza do pecado mortal' [2a 2æ, qu. clxii, art. 5 et 6] e sua doutrina sobre esse ponto é que, quanto maior for o dom do qual nos gloriamos, embora não o possuamos, maior é o nosso orgulho. Portanto, é pior fingir ser santo do que fingir ser nobre ou rico, porque a santidade é um dom maior do que a posição social ou a riqueza. 

E o hábito de desculpar os pecados que cometemos também pertence a esse tipo de orgulho, porque quando nos desculpamos e dizemos que não somos culpados, afirmamos nossa inocência e nos atribuímos uma inocência que não possuímos. E quantas vezes pecamos assim por orgulho, sem nem mesmo saber! São Tomás também atribui ao orgulho o esforço de esconder os nossos pecados e, assim, desculpar e atenuar a maldade deles em nossas confissões [Ibid. art. 4].

144. A quarta maneira pela qual pecamos por orgulho é quando usamos qualquer dom que possamos ter para parecer distintos ou nos considerarmos melhores do que os outros, e para sermos mais estimados e honrados do que eles. Tudo o que temos de bom, seja no corpo ou na alma, na natureza, na fortuna ou na graça, é um dom de Deus, e usar esses dons para tentar ser mais visível do que os outros é orgulho.

É com esse orgulho que o fariseu no Templo considerava sua própria bondade e se colocava acima dos outros, especialmente do publicano: 'Eu não sou como os demais homens, desonestos, injustos, adúlteros, tal como este publicano' [Lc 18,11]. Ele se estimava acima de todos e era, na realidade, o mais orgulhoso de todos. Foi também com esse orgulho que os discípulos pecaram quando se glorificaram em seu dom singular de poder expulsar demônios: 'E eles voltaram com alegria, dizendo: Senhor, até os demônios nos estão submetidos' [Lc 10,17], e nosso abençoado Senhor lhes respondeu com toda a justiça: 'Eu vi Satanás cair do céu como um raio' - como se Ele quisesse dizer - 'Cuidem-se para não se exaltarem como o orgulhoso Lúcifer, para que não caiam como ele caiu'.

São Gregório, de fato, faz esta reflexão de que não há orgulho que se assemelhe tanto ao orgulho diabólico quanto este: 'Isso se aproxima muito de uma semelhança diabólica' [Lib. 23. Mor. cap. iv]. Quem quer que deseje exaltar-se acima dos outros imita Lúcifer, que desejava ser o primeiro entre os anjos e o mais próximo do trono de Deus. Este foi o pecado de Lúcifer quando se deteve em seu desejo de ser exaltado: 'E disseste em teu coração: Eu subirei sobre as nuvens mais altas!' [Is 14,14]. E aqueles que estão sempre tramando para seu próprio avanço e estão insatisfeitos com sua própria condição pecam assim como Lúcifer pecou: 'Subirei!' e devemos nos proteger contra esse pecado diabólico, como diz São Paulo: 'Para que, ensoberbecidos, não caiamos no julgamento do diabo' [1Tm 3,6].
 
E, além disso, devemos também observar o que o mesmo santo pontífice nos diz, que muitas vezes caímos neste pior tipo de orgulho: 'Neste quarto tipo de orgulho, a mente humana cai com muita frequência' e não há dúvida de que é realmente um pecado grave, pois com isso ofendemos tanto a Deus como ao nosso próximo. E quantos homens e mulheres existem, tanto religiosos como seculares, de todos os estados e condições, que cometem este pecado de orgulho com tanta frequência que se torna um hábito predominante neles.

Na prática, percebemos que todos os homens desejam se distinguir em sua arte particular, por mais inferior que seja, e todos buscam primeiro ser estimados tanto quanto os outros e, depois, se distinguir mais do que os outros - Eu subirei! - cada um em sua própria esfera e também fora dela. O homem rico se considera maior do que o homem culto por causa de suas riquezas; o homem culto se considera maior do que o homem rico por causa de seu conhecimento; o homem casto se considera melhor do que aquele que dá esmolas, e aquele que dá esmolas se considera superior ao homem casto. Quanto orgulho! E, no entanto, poucas pessoas estão dispostas a reconhecer que são realmente orgulhosas.

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

LADAINHA DE SÃO MIGUEL ARCANJO

Assim como Lúcifer é o chefe dos demônios, Miguel é o maior dentre os anjos, Príncipe das milícias celestes, protetor da Santa Igreja e da humanidade contra as forças do inferno. Assim, a designação de arcanjo (oitavo coro dos anjos) tem sentido genérico e nominativo, pois certamente São Miguel, sendo o primeiro dentre os Anjos, é o maior dos serafins.


LADAINHA DE SÃO MIGUEL ARCANJO

Senhor, tende piedade de nós.
Jesus Cristo, tende piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós.

Cristo, ouvi-nos.
Cristo, atendei-nos.

Pai celeste, que sois Deus, tende piedade de nós.
Filho redentor do mundo, que sois Deus, tende piedade de nós.
Espírito Santo, que sois Deus, tende piedade de nós.
Santíssima Trindade, que sois um só Deus, tende piedade de nós.

Santa Maria, Rainha dos Anjos, rogai por nós.
São Miguel, rogai por nós.
São Miguel, cheio da graça de Deus, rogai por nós.
São Miguel, perfeito adorador do Verbo Divino, rogai por nós.
São Miguel, coroado de honra e de glória, rogai por nós.
São Miguel, poderosíssimo príncipe dos exércitos do Senhor, rogai por nós.
São Miguel, porta-estandarte da Santíssima Trindade, rogai por nós.
São Miguel, guardião do Paraíso, rogai por nós.

São Miguel, guia e consolador do povo israelita, rogai por nós.
São Miguel, esplendor e fortaleza da Igreja militante, rogai por nós.
São Miguel, honra e alegria da Igreja triunfante, rogai por nós.
São Miguel, luz dos anjos, rogai por nós.
São Miguel, baluarte dos cristãos, rogai por nós.
São Miguel, força daqueles que combatem pelo estandarte da cruz, rogai por nós.
São Miguel, luz e confiança das almas no último momento da vida, rogai por nós.
São Miguel, socorro muito certo, rogai por nós.

São Miguel, nosso auxílio em todas as adversidades, rogai por nós.
São Miguel, arauto da sentença eterna, rogai por nós.

São Miguel, consolador das almas que estão no Purgatório, rogai por nós.
São Miguel, a quem o Senhor incumbiu de receber as almas depois da morte, rogai por nós.
São Miguel, nosso príncipe, rogai por nós.
São Miguel, nosso advogado, rogai por nós.

Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, perdoai-nos, Senhor.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, ouvi-nos, Senhor.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós.

Rogai por nós, ó glorioso São Miguel, príncipe da Igreja de Cristo,
para que sejamos dignos de suas promessas.

Oremos: Senhor Jesus, santificai-nos por uma bênção sempre nova e concedei-nos, pela intercessão de São Miguel, essa sabedoria que nos ensina a ajuntar riquezas do céu e a trocar os bens do tempo presente pelos da eternidade. Vós que viveis e reinais em todos os séculos dos séculos. Amém.

São Miguel, rogai por nós!
Intercedei a Deus por nós!

domingo, 28 de setembro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Bendize, minha alma, louva ao Senhor!' (Sl 145)

Primeira Leitura (Am 6,1a.4-7) - Segunda Leitura (1Tm 6,11-16) -  Evangelho (Lc 16,19-31)

  28/09/2025 - VIGÉSIMO SEXTO DOMINGO DO TEMPO COMUM

O HOMEM RICO E O POBRE LÁZARO


Na parábola de Jesus no evangelho deste domingo, confrontam-se os valores da riqueza e da pobreza, presentes no corpo e nos sentidos dos liames humanos, fontes diversas que forjam o abismo incomensurável dos destinos eternos da alma. De um lado, o homem rico, avarento e enfastiado pela opulência dos bens materiais; de outro, o mendigo, na pobreza de sua indigência completa, que almejava apenas 'matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico' (Lc 16,21). Duas pessoas tão próximas, tão juntas, como as bordas adjacentes de um abismo profundo moldado pelo paroxismo da indiferença humana.

E este abismo tende a se tornar definitivamente intransponível para ambos ao final de suas vidas mortais. Se há um momento em que todos os homens se tornam absolutamente iguais é a hora da morte. Se há um momento em que os homens se tornam absolutamente desiguais é no momento após a morte. Eis a grande lição do evangelho deste domingo: o céu e o inferno são realidades dogmáticas da fé cristã e o pecado mortal impõe ao condenado a definitiva separação de Deus e sua danação eterna no abismo dos abismos: 'há um grande abismo entre nós; por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para junto de vós, e nem os daí poderiam atravessar até nós’ (Lc 16,25).

Ricos e pobres, todos nós seremos julgados não pela medida do muito ou pouco que fizemos nesta vida, mas pela medida com que fizemos bem aquilo que era da santa vontade de Deus. Ao morrer impenitente, o rico passa a viver a miséria da sua perdição; o pobre, que era apenas um nome neste mundo, torna-se o Lázaro na côrte eterna de Abraão. E, em contraposição à mendicância e às súplicas nunca ouvidas às suas portas, o rico irá suplicar três vezes pela clemência de Lázaro em seu favor e ao de seus irmãos: 'manda Lázaro molhar a ponta dos dedos... manda Lázaro à casa do meu pai ... se um dos mortos for até eles...' (Lc 16,24.27.30).

A resposta de Abraão não estabelece concessão alguma: 'Se não escutam a Moisés, nem aos Profetas, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos' (Lc 16,31). É uma sentença definitiva sob o primado da verdade eterna. Com efeito, Jesus ressuscitou, mas quantos o escutam? Escutar Moisés e os Profetas é ouvir a Palavra de Deus, seguir Jesus pelas passagens do Evangelho, combater o bom combate da fé, carregar a cruz de todos os dias com Cristo, por Cristo e em Cristo para que um dia, transposta a morte que nos torna homens todos iguais, sejamos os Lázaros da vida eterna.

sábado, 27 de setembro de 2025

SOBRE AS ÚLTIMAS QUATRO COISAS (III)

  

PARTE I - SOBRE A MORTE

III. Sobre a Aparição dos Espíritos das Trevas

Além do que já foi mencionado, a terrível aparência dos espíritos malignos torna a morte ainda mais assustadora para nós. É opinião de muitos dos Padres que todos, ao expirar, veem o inimigo maligno, pelo menos no momento de dar o último suspiro, se não antes. Quão assustadora é essa visão e com que terror ela deve inspirar os moribundos, excede o poder das palavras para descrever. 

Conta-se que certo dia, quando o irmão Giles estava rezando em sua cela, o diabo apareceu para ele com uma aparência tão assustadora que o irmão perdeu a capacidade de falar e pensou que sua última hora havia chegado. Como seus lábios não conseguiam emitir nenhum som, ele elevou seu coração em humilde súplica a Deus, e a aparição desapareceu. Depois, ao relatar o que lhe havia acontecido aos seus irmãos monges, ele tremia da cabeça aos pés ao descrever a aparência hedionda do adversário da humanidade. Então, indo até São Francisco, ele lhe fez esta pergunta: 'Padre, você já viu alguma coisa neste mundo cuja visão fosse tão horrível cuja contemplação fosse o bastante para matá-lo'? E o santo respondeu: 'Eu realmente vi tal coisa; não é outra coisa senão o diabo, cuja aparência é tão repugnante que ninguém poderia olhar para ele, mesmo que por um breve momento, e sobreviver, a menos que Deus lhe concedesse essa capacidade especial'.

São Cirilo também, escrevendo a Santo Agostinho, diz que um dos três homens que foram ressuscitados dos mortos lhe disse: 'Quando a hora da minha partida se aproximava, uma multidão de demônios, incontáveis em número, veio e ficou ao meu redor. Suas formas eram mais horríveis do que qualquer coisa que a imaginação possa conceber. Era preferível ser queimado no fogo do que ser obrigado a olhar para eles. Esses demônios se colocaram ao meu redor e me repreenderam por todos os erros que eu havia cometido, pensando em me levar ao desespero. E, de fato, eu teria cedido diante deles, se Deus, em sua misericórdia, não tivesse vindo em meu socorro'.

Aqui temos o testemunho de alguém que realmente aprendeu por experiência própria como é assustadora a aparência do inimigo maligno e que declara que nada pode ser mais horrível do que a forma que o demônio assume. 

PETIÇÃO

Ó meu Deus! Quão avassaladores são os terrores que se apoderam do infeliz indivíduo que se encontra à beira da morte quando o dragão infernal aparece, cheio de raiva, ameaçando engoli-lo em suas mandíbulas de fogo. Nesta hora de suprema angústia, eu vos peço, ó meu Deus, envia-me o meu Anjo da Guarda para que ele afaste o inimigo maligno pois, caso contrário, cairei infalivelmente no desespero e perderei toda a esperança da minha salvação. Ó Virgem Maria bendita, que esmagaste a cabeça da serpente, fica comigo na hora da minha morte e não permitas que a presença do cruel adversário cause a minha perdição eterna.

(Excertos da obra 'The Four Last Things - Death, Judgment, Hell and Heaven', do Pe. Martin Von Cochem, 1899; tradução do autor do blog)

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

VERSUS: AS DORES FINAIS DA PAIXÃO DE JESUS


Tudo está consumado!
Maria, o discípulo amado, Maria Madalena e as santas mulheres recolheram, em seus braços, o corpo de Jesus descido da cruz. 
Nicodemos e José de Arimateia envolvem o corpo de Cristo em um longo tecido de linho branco e o untam com um perfume precioso, composto de mirra e aloés.
O corpo de Jesus é levado até um um sepulcro novo, talhado na rocha, que ainda não tinha sido utilizado.
A entrada do túmulo é fechada por uma pedra, ficando sob a guarda de soldados romanos.

Quando o corpo de nosso senhor chega até nós na sagrada comunhão, devemos também envolvê-lo com o perfume das santas intenções, com o perfume das boas obras, com a apresentação de um coração puro da inocência, figurada naquele linho sem mancha; com uma rígida determinação de fazer o bem tal qual a pedra do sepulcro; uma consciência inteiramente renovada pela penitência; e, depois da comunhão, devemos cerrar as portas do nosso coração com a pedra e o selo do nosso recolhimento, frente a modéstia, mesuras e atenção com nós mesmos, como guardas vigilantes para impedir que nos arrebatem o tesouro precioso que acabamos de receber.

(Santo Afonso de Ligório)



O discípulo amado leva pela mão a Mãe do Senhor, sua mãe desde a Cruz. 
A Virgem, submersa na sua dor sem fim, carrega nas mãos a coroa de espinhos. 
Nicodemos e José de Arimatéia saem consternados do jardim do sepulcro.
E duas outras Marias choram prostradas à entrada do túmulo. 
As trevas da Sexta-feira Santa se retiram, para dar luz a um princípio de céu claro de primavera.

Ó Maria, ó Mãe, a mais aflita entre todas as mães, compadeço-me de vosso coração, especialmente quando vistes vosso Jesus inclinar a cabeça, abrir a boca e expirar. Por amor deste vosso Filho, morto por minha salvação, recomendai-lhe a minha alma. E vós, meu Jesus, pelos merecimentos das dores de Maria, tende piedade de mim e concedei-me a graça de morrer por vós, como morrestes por mim. Com São Francisco de Assis, vos direi: 'Morra eu, Senhor, por amor de vós que, por amor de meu amor, vos dignastes morrer'.

(Santo Afonso de Ligório)

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

FRASES DE SENDARIUM (LXI)

 

'A virtude da pobreza não consiste em ser pobre,
mas em amar a pobreza'

(São Bernardo)

Pratique, com insistência generosa, atos de caridade, particularmente com teus irmãos que não esperam mais gestos de fraternidade de ninguém; quanto mais pobres de atenção e mais abandonados forem aqueles que recebam de ti uma palavra de conforto ou um gesto de carinho, menos humano e mais divino torna-se o teu coração, transformado em uma nova manjedoura, bela e simples, para o renascimento de Cristo entre os homens! 

OS PAPAS DA IGREJA (XL/FINAL)


'E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus'

(Mt 16, 18-19)

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

GLÓRIAS DE MARIA: NOSSA SENHORA DAS MERCÊS

  


Na coroa de glórias dadas à Nossa Senhora, a Virgem das Mercês é celebrada em 24 de setembro. Mercês significa 'graças', 'favores', 'bênçãos' mas, acima de tudo, 'misericórdia'. A devoção teve origem na Espanha, durante a dura perseguição e prisão imposta aos cristãos numa Europa então invadida pelos mouros.

Na noite de primeiro para 2 de agosto de 1218, Nossa Senhora se manifestou em sonho para São Pedro Nolasco, para São Raimundo de Peñaforte,  seu confessor, e para o rei Dom Jaime I de Aragão, dando-se a conhecer com o título de Mercês, e pedindo a fundação de uma ordem religiosa para o resgate dos cristãos cativos dos mouros. A ordem religiosa dos Mercedários foi, então, fundada em 10 de agosto de 1218, em Barcelona, na Espanha, tendo São Pedro Nolasco como primeiro diretor geral. A devoção logo se difundiu por toda a Europa e chegou ao Brasil, pelas mãos dos frades mercedários, dando origem a várias confrarias no país. Em 1696, o Papa Inocêncio XII estendeu a festa de Nossa Senhora das Mercês para toda a Igreja estabelecendo a data de 24 de setembro para a sua celebração.


Oração a Nossa Senhora das Mercês

Virgem Maria, Mãe das Mercês,
com humildade acorremos a Vós,
certos de que não nos abandonais
por causa de nossas limitações e faltas.
Animados pelo vosso amor de Mãe,
oferecemo-vos nosso corpo para que o purifiqueis,
nossa alma para que a santifiqueis,
o que somos e o que temos, consagrando tudo a Vós.
Amparai, protegei, bendizei e guardai
sob a vossa maternal bondade a todos
e a cada um dos membros desta família
que se consagra totalmente a Vós.
Ó Maria, Mãe e Senhora nossa das Mercês,
apresentai-nos ao vosso Filho Jesus,
para que, por vosso intermédio
alcancemos, na terra, a sua Graça
e depois a vida eterna.
Amém!

terça-feira, 23 de setembro de 2025

23 DE SETEMBRO - SÃO PIO DE PIETRELCINA

   


Francesco Forgione nasceu em Pietrelcina (Itália) no dia 25 de maio de 1887 e faleceu santamente como Padre Pio, em San Giovanni Rotondo (Itália), em 23 de setembro de 1968. Ordenado sacerdote em 10 de agosto de 1910, dedicou toda a sua vida ao ministério da confissão e à salvação das almas. Possuía dons extraordinários na forma de estigmas (feridas nas mãos, nos pés e no peito, como as recebidas por Nosso Senhor Jesus Cristo na crucifixão), de milagres diversos e o dom da bilocação (estar em dois lugares ao mesmo tempo). 

(Vídeo com imagens de Padre Pio, filmado no Convento de Nossa Senhora das Graças dos Capuchinhos, em San Giovanni Rotondo. Mostra cenas do cotidiano dos frades, Padre Pio no refeitório, na igreja e celebrando a Santa Missa em latim; os frades lidando com as centenas de cartas enviadas ao Padre Pio. No final, provocam-no jovialmente com a câmera e ele bate no cinegrafista com seu cinto).

A santidade do Padre Pio é uma expressão da santidade de Deus, não apenas pelos seus tantos carismas particulares, mas pelas inúmeras perseguições que, desde que ele recebeu os estigmas, o acompanharam sempre até a morte (impedimentos e proibições de toda espécie, segregação e injúrias), aceitas com absoluta resignação: “Aceitar as provações que o Senhor permite ou suscita, para nos santificarmos e nos identificarmos com as injúrias sofridas por Cristo em toda sua vida, e particularmente na sua Paixão e Morte na Cruz, para salvar os homens até o fim dos séculos”. Pouco antes de morrer, ao lhe ser solicitado uma última orientação espiritual, assim o fez: "Amate la Madonna. Fatela amare. Recitate la Coronna. Recitatela bene” (Amai a Nossa Senhora. Fazei-a amar. Rezai o Rosário. Rezai-o bem). 

Foi canonizado em 16 de junho de 2002 pelo Papa João Paulo II, na praça de São Pedro. Em 28 de fevereiro de 2008, seu corpo foi exumado – sendo encontrado incorrupto – e colocado numa urna de cristal, onde se encontra atualmente para exposição pública e veneração dos fiéis.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

TESOURO DE EXEMPLOS II (39/42)

 

39. COMO FAZ BEM A HUMILHAÇÃO

Bem poucos conhecem, mesmo de nome, São Telmo. Chamava-se, antes, Pedro González. Era muito moço, mas seu tio, o bispo de Palência, o fez cônego daquela catedral. Era o jovem cônego muito vaidoso e gostava demais das honras e dignidades. Sua vida contrastava com a de seus colegas que andavam escandalizados com a sua conduta. 

Apesar disso, seu tio conseguiu que ele fosse eleito deão do cabido. A posse foi marcada para o dia de Natal. Chegado o dia, González vestiu um elegante traje cortesão e, montando um ginete magnificamente adornado, atravessou as ruas da cidade, com grande escândalo para o povo. Entretanto Deus, em seus insondáveis desígnios, queria servir-se da vaidade de González para impor-lhe uma profunda humilhação. Queria por esse meio levá-lo a melhores sentimentos, fazendo-o sentir quão frívolas e efêmeras são as honras deste mundo.

Chegando à grande praça de Palência, quis fazer seu cavalo corcovear graciosamente, a fim de provocar admiração do público e arrancar-lhe aplausos. Largou o cavalo a toda brida mas, no meio da carreira, o animal empacou de repente, deu um pinote e lançou o cavaleiro no meio da lama. A multidão acolheu a queda com uma estrondosa gargalhada. A vaia foi tremenda. O vaidoso deão, coberto de lama até aos olhos, não ousava levantar-se do chão. Muito salutar foi, todavia, tamanha confusão. Erguendo os olhos ao céu, exclamou: 'Como este mundo, a quem eu desejava agradar, zomba de mim? Pois bem, eu me rirei dele, vou virar-lhe as costas e mudarei de vida'. Abandonou tudo, fez-se dominicano e, com o nome de Frei Telmo, viveu e morreu como santo.

40.  A RELIGIÃO MAIS ANTIGA 

Na Inglaterra, encontraram-se certa vez um protestante e um católico. Conversa vai, conversa vem, eis que o protestante, para mexer com o outro, perguntou: 
➖ O senhor não ficaria triste de ver, depois da sua morte, suas cinzas misturadas na sepultura com as desses homens que o senhor considera hereges?
➖ Não, senhor - respondeu o católico - sabe por que? No meu testamento ordenarei que cavem a minha sepultura um pouco mais funda e, assim, minhas cinzas ficarão misturadas com as de outros católicos.

41. QUANTO VALE A ALMA

Vós, os que vendeis vossa alma por um nada (por um prazer momentâneo, pelas riquezas perecíveis, pelo fumo de uma honra vã, etc), quereis saber o que ela vale? Não vo-lo direi eu; dir-vos-á um pobre índio que viveu nas florestas, mas teve a sorte de conhecer e abraçar a verdade católica. 

Morrera então o Padre Smedt; morrera, como São Francisco Xavier, com o braço cansado de batizar pagãos e rodeado de uma coroa gloriosa de novos cristãos. Após a sua morte, penetraram nas selvas, carregados de ouro e de mulheres, uns quantos missionários protestantes. Um deles, metodista, procurou conquistar para a sua seita o chefe da tribo dos yacamas, que havia sido batizado pelo venerável Smedt.

Entre o pastor e o índio entabulou-se então este diálogo:
➖ Quanto você quer para passares para a nossa religião protestante?
➖ Muito dinheiro - respondeu o pele-vermelha.
➖ Quanto? Duzentos dólares?
➖ Muito mais.
➖ Quanto, então? 500.000 dólares?
➖ Muito mais ainda.
➖ Fala, dize a soma que queres e eu a darei.

O índio fitou-o fixamente nos olhos, atirou às costas a sua manta de couro de búfalo e, levantando a mão ao céu, segredou-lhe ao ouvido:
➖ Dai-me o que vale a minha alma!

42. O MATERIALISMO HODIERNO

A geração atual, desprezando os valores do espírito, nenhum interesse mostra pela civilização ou pela cultura. O culto exagerado do corpo manifesta por demais os eczemas da alma. O resultado é o seguinte:
A geração hodierna vê que os jornais dedicam páginas inteiras aos esportes e algumas linhas aos progressos científicos e aos assuntos religiosos. Por esses jornais (e são eles os culpados!), vê-se como um jogador, um campeão de boxe, um astro ou estrela de cinema absorvem por completo a atenção mundial. 

Há sábios trabalhando no silêncio de seus gabinetes e ninguém por eles se interessa. Perguntai aos rapazes de hoje onde fica Atenas ou Sidney, Dublin ou Granada, e responderão com indiferença: não sei! Perguntai-lhes, porém, onde está Hollywood e seus olhos brilharão de entusiasmo. Perguntai a um ginasiano quem foi Michelangelo, Pasteur ou Marconi, e ele não saberá; perguntai-lhe quem foi Greta Garbo, Pola Negri ou Rodolfo Valentino e saberão até o dia em que morreram esses tais. 

Não sabem a distância que percorre a luz num segundo, mas sabem tudo sobre o recorde de natação da última Olimpíada. Não sabem nem aproximadamente a posição ou a altura do Everest, mas sabem com exatidão os recordes dos saltadores. Não saberão dizer quantos presidentes governaram o Brasil, mas dirão os nomes e a cor dos craques, do Palmeiras ou do Flamengo. 

Deixemos, por enquanto, a apreciação dos conhecimentos religiosos desta geração que cresce, porque o ensino religioso nas escolas está mesmo em embrião. O que será, meu Deus, desta geração materializada e sem ideal superior algum?

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos' - Volume II, do Pe. Francisco Alves, 1960; com adaptações)

domingo, 21 de setembro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Louvai o Senhor que eleva os pobres!' (Sl 112)
 
Primeira Leitura (Am 8,4-7) - Segunda Leitura (1Tm 2,1-8) -  Evangelho (Lc 16,1-13)

  21/09/2025 - VIGÉSIMO QUINTO DOMINGO DO TEMPO COMUM

O ADMINISTRADOR FIEL 


Eis a parábola que fala da necessidade imperiosa dos Filhos de Deus viverem a sábia prudência que nasce e se alimenta da verdadeira fidelidade. A prudência dissociada da fidelidade é vanglória humana; a santidade pressupõe a adoção conjunta e harmônica destas duas virtudes, na convivência diária e nas relações humanas, no exercício das atividades do mundo, na utilização criteriosa dos recursos materiais à nossa disposição - inclusive o dinheiro, com foco único e centrado na salvação eterna de nossas almas.

Qual o uso que se dá ao que nos foi dado por Deus? O fruto de nossa herança eterna é a forma com que lidamos com os bens materiais e espirituais que a Divina Providência semeou no campo fértil da sua vinha: saúde, bens, poderes, riquezas, talentos, habilidades - tudo nos é dado como dotes mutáveis e transitórios para serem compartilhados com o próximo e produzir frutos perenes de vida eterna em terras alheias. Por que, tal como no caso do administrador infiel da parábola do Evangelho deste domingo, todos seremos igualmente cobrados pelo Senhor da Vinha: 'Presta contas da tua administração, pois já não podes mais administrar meus bens’ (Lc 16, 2).

No Julgamento Particular de cada um de nós, já não haverá mais tempo para se administrar o bem que não se fez, a partilha não realizada, a herança não distribuída. Assim, Jesus nos alerta sobre a nossa condição de administradores temporários de bens e graças nesta vida, dos quais teremos de prestar conta de tudo. E cita o exemplo da esperteza do administrador infiel, que usou da sagacidade e de uma falsa e interesseira prudência para obter vantagens e benesses para a sua subsistência futura, porque, 'os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz' (Lc 16, 8).

Com sábia prudência, os filhos da luz deveriam agir como administradores fieis dos bens e riquezas do mundo, coisas boas em si, desde que adquiridas com trabalho honesto e tratadas como meios para glória de Deus e não como fins para ganância e soberba dos homens: 'Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro' (Lc 16, 13). Eis aí a nossa herança como administradores bons e fieis: a eterna recompensa nas moradas eternas do Senhor da Vida.

sábado, 20 de setembro de 2025

O MISTÉRIO DA INIQUIDADE E A GRANDE REVOLUÇÃO


Há na Revolução um mistério, um mistério de iniquidade que os revolucionários não podem compreender, pois somente a Fé, que eles não possuem, pode dar a chave. Para compreender a Revolução, é preciso remontar até ao pai de toda revolta, que primeiro ousou dizer e ousa repetir até o final dos séculos: Non serviam - não servirei.

Satanás é o pai da Revolução. A Revolução é sua obra, começa no Céu e se perpetua pela humanidade a cada era. O pecado original, pelo qual Adão, nosso primeiro pai, igualmente se revoltou contra Deus, introduziu na Terra, não ainda a Revolução, mas o espírito de orgulho que é o seu princípio; e desde então o mal cresceu sem parar, até a aparição do Cristianismo, que o combateu e o fez recuar.

A Renascença pagã, depois Lutero e Calvino, Voltaire e Rousseau, fizeram despertar o poder maldito de Satanás, seu pai; e, favorecido pelos excessos do cesarismo, este poder recebeu, no início da Revolução Francesa, uma espécie de consagração, uma constituição que ela não tinha tido até então e que faz dizer com justiça que a Revolução nasceu na França em 1789. 'A Revolução Francesa' - dizia em 1793 o feroz Babeuf - 'não é senão a precursora de uma revolução bem maior, bem mais solene, e que será a última'. Esta revolução suprema e universal, que já cobre o mundo, é a Revolução. Pela primeira vez, desde há seis mil anos, ela ousou designar-se perante o Céu e a Terra por seu nome verdadeiro e satânico: a Revolução, quer dizer, a grande revolta.

Ela tem por lema, como o do demônio, a famosa frase: Non serviam. Ela é satânica na sua essência e, ao derrubar todas as autoridades, tem por fim último a destruição total do Reino de Cristo sobre a Terra. A Revolução, não esqueçamos, é antes de tudo um mistério de ordem religiosa; é o anticristianismo. É isto que constatou, na sua encíclica de 8 de Dezembro de 1849, o Soberano Pontífice Pio IX: 'A Revolução é inspirada pelo próprio Satanás. A sua meta é destruir de alto-a-baixo o edifício do Cristianismo e de reconstruir sobre as suas ruínas a ordem social do paganismo'. 

Admoestação solene confirmada à risca pelos próprios fiéis da Revolução: 'A nossa meta final - diz a instrução secreta da Alta Venda* - é aquela de Voltaire e da Revolução Francesa, a aniquilação definitiva do Catolicismo e até mesmo da ideia cristã'.

(Mons. Louis-Gaston de Ségur, 1861).

* A Instrução Permanente da Alta Venda consiste em um documento secreto que descreve um plano de subversão da Igreja Católica, redigido no início do século XIX. A chamada Alta Venda correspondia então ao núcleo regente da maçonaria europeia e constituía a mais importante loja dos Carbonários (que atuaram principalmente na Itália e na França), uma sociedade secreta italiana também ligada à maçonaria e que, juntamente com ela, foi condenada pela Igreja Católica.

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

OS SETE AIS DE LA SALETTE

Em 19 de setembro de 1846, às três horas da tarde, em La Salette, um lugarejo dos Alpes Franceses, Nossa Senhora descreveu, em uma única aparição a duas ciranças Mélanie Calvat (então com 15 anos) e Maximin Giraud (então com 11 anos), a síntese tremenda dos tempos finais da Igreja e da humanidade, contendo sete previsões terríveis (os sete ais de La Salette), destacadas a seguir.


I. 'Ai dos sacerdotes e das pessoas consagradas a Deus, que pela sua infidelidade e má vida crucificam de novo meu Filho! Os pecados das pessoas consagradas a Deus bradam ao Céu e clamam por vingança'.

II. 'Ai dos habitantes da Terra! Deus vai esgotar a sua cólera, e ninguém se poderá esquivar de tantos males reunidos'.

III. 'A sociedade está às vésperas dos mais terríveis flagelos e dos maiores acontecimentos. Deve-se esperar ser governado por uma vara de ferro e beber o cálice da cólera de Deus'.

IV. 'Estando esquecida a santa fé em Deus, cada indivíduo quererá guiar-se por si próprio e ser superior a seus semelhantes. Abolir-se-ão os poderes civis e eclesiásticos; toda ordem e toda justiça serão calcadas aos pés; não se verá outra coisa senão homicídio, ódio, inveja, mentira e discórdia, sem amor da pátria nem da família'.

V. 'Tremei, terra, e vós que fizestes profissão de servir a Jesus Cristo, e que no vosso íntimo adorais a vós mesmos, tremei; pois Deus vai abandonar-vos ao seu inimigo, porque os lugares santos estão na corrupção'.

VI. 'Desgraçados dos habitantes da Terra! Haverá guerras sangrentas e fome, peste e doenças contagiosas. Haverá granizo de terríveis animais, trovões que abalarão as cidades, terremotos que tragarão países. Ouvir-se-ão vozes nos ares. Os homens baterão a cabeça contra os muros; chamarão a morte, e por outro lado ela será o seu suplício. O sangue correrá de todos os lados'.

VII. 'Todo o universo será ferido de terror, e muitos se deixarão seduzir, porque não adoraram o verdadeiro Cristo que vive entre eles. Chegou o tempo. O sol se escurece; somente a fé viverá'.

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

ORAÇÃO DE AÇÃO DE GRAÇAS APÓS A COMUNHÃO


Dou-vos graças, Senhor santo, Pai onipotente, Deus eterno, a vós que, sem merecimento algum da minha parte, mas como fruto da vossa misericórdia, vos dignastes saciar-me, sendo eu pecador e vosso indigno servo, com o sagrado corpo e com o precioso sangue do vosso Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo.

Eu vos peço que esta comunhão não seja para mim mais uma falta digna de castigo, mas uma súplica eficaz para alcançar o meu perdão; que seja a armadura da minha fé e o escudo da minha boa vontade; que me livre dos meus vícios e apague os meus maus desejos; mortifique a minha concupiscência; aumente em mim a caridade e a paciência, a humildade, a obediência e todas as virtudes. Que seja a minha firme defesa contra as ciladas de todos os meus inimigos, tanto visíveis como invisíveis; serene e regule perfeitamente todos os meus impulsos, da carne e do meu espírito; una-me firmemente a vós, que sois o único e verdadeiro Deus e que seja enfim a feliz consumação do meu destino.

Dignai-vos, Senhor, eu vos suplico, conduzir-me, a mim pecador, ao inefável banquete onde Vós, com o vosso Filho e o Espírito Santo, sois para os vossos santos luz verdadeira, plenitude de graças e alegria eterna, cúmulo de delícias e bem aventuranças e felicidade perpétua. Por Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém.

(São Tomás de Aquino)

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XL)

Doutrina Moral

Sobre o Vício do Orgulho - Exame Prático 

136. São Tomás [2a 2æ, qu. clxii, art. 1] define o orgulho como uma afeição desordenada contra a razão correta, pela qual o homem se estima a si mesmo e deseja ser estimado pelos outros acima do que realmente é; e como essa afeição se opõe ao raciocínio correto, é certamente um pecado que participa da gravidade de um pecado mortal, porque está em oposição direta à virtude da humildade. São Paulo coloca os orgulhosos na mesma categoria daqueles que 'Deus entregou aos sentimentos depravados e considerou dignos de morte' [Rm 1,28.32], embora às vezes seja apenas um pecado venial, quando a razão não está suficientemente esclarecida ou não há pleno consentimento da vontade [D. Th., loc. cit., art 5].

137. O orgulho está entre os pecados mortais porque é dele que derivam tantos outros pecados, e é por isso que São Paulo, vendo as inúmeras maldades do mundo, chamou a atenção de seu discípulo Timóteo, dizendo: 'Vê quantos são arrogantes, orgulhosos, blasfemos, desobedientes aos pais' [2Tm 3,2], sem amor pelo próximo ou por Deus. De onde você acha que todos esses vícios têm origem? Esta é a fonte: o amor desordenado que todos têm por si mesmos: 'Os homens são amantes de si mesmos', eis a explicação que São Paulo dá para isso e, como observa Santo Agostinho, 'Todos esses males fluem da fonte que ele menciona primeiro: o amor próprio' [Tr. 123 em Jo. lib. iv, De Civ. Dei, c. xiii] e, como diz o mesmo santo, 'esse excesso de amor próprio é apenas orgulho'.

Portanto, podemos concluir disso que quem vence o orgulho vence toda uma série de pecados; de acordo com a explicação dada por São Gregório [Lib. 31, Mor. c. xvii] deste texto de Jó: 'De longe fareja a batalha, a voz troante dos chefes e o alarido dos guerreiros' [Jó 39,25].

138. O orgulho ocupa o primeiro lugar entre os pecados capitais e São Tomás não apenas o coloca entre os pecados capitais, mas acima deles, como transcendendo todos eles, o rei dos vícios que inclui em seu cortejo todos os outros vícios, por isso é chamado na Sagrada Escritura: 'a raiz de todo o mal' [1Tm 6,10] e 'o princípio de todo o pecado' [Eclo 10, 15], porque, assim como a raiz da árvore está escondida sob a terra e envia toda a sua força para os galhos, o orgulho permanece escondido no coração e influencia secretamente todos os pecados por meio de sua ação. Portanto, sempre que cometemos um pecado mortal, estamos na realidade nos opondo e dirigindo nossa própria vontade contra a vontade de Deus.

Jó fala assim do pecador: 'Ele se fortaleceu contra o Todo-Poderoso' [Jó 15,25] e, nesse sentido, também se pode dizer do orgulho que é o maior de todos os pecados, porque os orgulhosos se rebelam contra Deus, colocando-se em oposição a Ele, e não se importam em desagradá-lo para agradar a si mesmos, deixando o Todo Poderoso para se apegar à sua própria insignificância, como diz Santo Agostinho: 'Abandonando Deus, ele busca sua própria vontade e, ao fazê-lo, aproxima-se da insignificância; por isso, os orgulhosos, segundo as Escrituras, são chamados de praticantes de sua própria vontade' [Lib. IV, De Civ. Dei, cap. xiv], o que equivale a dizer, como São Paulo: 'amantes de si mesmos'. E o mesmo santo padre faz esta reflexão: mesmo os pecados veniais cometidos mais por fraqueza do que por malícia podem se tornar mortais se forem agravados pelo orgulho: 'Os pecados se insinuam pela fraqueza humana e, embora pequenos, tornam-se grandes e pesados se o orgulho aumenta o seu peso e a sua medida' [Lib. de Sancta Virginit. cap. ii].

Mas, como Deus jurou detestar esse vício: 'O Senhor Deus jurou por sua própria Alma: Eu detesto o orgulho de Jacó' [Am 6,8], pode ser surpresa que Ele o castigue mais do que todos os outros vícios? Santo Agostinho observa com singular força que, entre todos os pecados pelos quais os pecadores caem, nenhum é tão grande, tão ruinoso ou tão grave quanto o orgulho: 'Entre todas as quedas dos pecadores, nenhuma é tão grande quanto a dos orgulhosos' [Sl 35,12-13].

139. Consideremos agora onde reside o terrível perigo desse vício: 

(i) Porque, enquanto todos os outros vícios destroem apenas as virtudes opostas, como a devassidão destrói a castidade, a ganância destrói a temperança e a ira destrói a mansidão, etc., o orgulho destrói todas as virtudes e, segundo São Gregório, é como um câncer que não apenas corrói um membro, mas ataca todo o corpo: 'como uma doença pestilenta generalizada' [lib. xxxiv, Mor., cap. 18].

(ii) Porque os outros vícios só devem ser temidos quando estamos dispostos ao mal; mas o orgulho, diz Santo Agostinho, insinua-se mesmo quando estamos tentando fazer o bem: 'outros vícios devem ser temidos nos pecados, o orgulho deve ser temido mesmo nas boas ações' [Epist. cxviii] E Santo Isidoro diz: 'O orgulho é pior do que todos os outros vícios, pois brota até mesmo da virtude e sua culpa é menos sentida' [Lib. de Summ. Bono].

(iii Porque, depois de termos lutado contra os outros vícios e os termos vencido, podemos justamente regozijar-nos, mas assim que começamos a regozijar-nos por termos triunfado sobre o orgulho, ele triunfa sobre nós e vence-nos precisamente naquele ato pelo qual nos louvamos por tê-lo vencido. Santo Agostinho diz: 'Quando um homem se alegra por ter vencido o orgulho, este levanta a cabeça de alegria e diz: eis que eu triunfo assim porque tu triunfas' [Aug., Lib. de Nat. et Gr. cap. xxvii].

(iv) Porque se os outros vícios crescem rapidamente, também podemos nos livrar deles rapidamente; mas o orgulho é o primeiro vício que aprendemos e também o último a nos abandonar, como diz Santo Agostinho: 'Para aqueles que estão retornando a Deus, o orgulho é a última coisa a ser vencida, pois foi a primeira causa de seu afastamento de Deus' [Enarr. 2 in Ps. cxviii].

(v) Porque, assim como precisamos de alguma graça especial de Deus para nos capacitar a realizar qualquer uma das boas obras que dizem respeito à nossa salvação eterna, não há vício que impeça tanto o influxo da graça quanto o orgulho; porque 'Deus resiste aos orgulhosos' [Tg 4,6].

(vi) Porque o orgulho é o sinal característico e mais significativo dos réprobos, como diz São Gregório: 'O orgulho é o sinal mais manifesto dos perdidos' [Lib. 34. Mor. cxviii].

(vii) Porque os outros vícios são facilmente reconhecíveis e, portanto, é fácil odiá-los e corrigi-los; mas o orgulho é um vício que não é tão facilmente conhecido, porque se mascara e se disfarça de muitas formas, chegando mesmo a assumir a aparência da virtude e da humildade; sendo assim um vício oculto, é menos fácil escapar dele, como ensina a máxima de Santo Ambrósio: 'As coisas ocultas são mais difíceis de evitar do que as coisas conhecidas' [Epístola 82].

140. Este último perigo é para nós o maior de todos, e ainda mais porque nós mesmos parecemos cooperar para não reconhecer esse vício, inventando subterfúgios e artifícios para esconder sua feiúra e estudando inúmeros pretextos para nos enganarmos, acreditando que o orgulho não é orgulho e não reina em nosso coração no momento em que é mais dominante do que nunca.

Assim como a humildade é geralmente chamada de fraca e desprezível pelos amantes cegos deste mundo, o orgulho é chamado de coragem e grandeza, e os orgulhosos são considerados proativos, dignos, de comportamento nobre e bom julgamento, sustentando sua posição com honra, mantendo sua reputação, mantendo sua posição e cumprindo os deveres de seu estado. Que vocabulário de vaidade! Mas vamos contrapor a ele o vocabulário da verdade que foi usado por Jó: 'Eu disse à podridão: Tu és meu pai; aos vermes: minha mãe e minha irmã' [Jó 17,4].

Se você peneirar essas expressões mundanas, descobrirá que delas emana a quintessência do orgulho mais consumado. Esta é, de fato, a única coisa que peço a vocês: que, se infelizmente foram enganados por outros, pelo menos não se enganem a si mesmos. Estudem para conhecer seus próprios males, se desejam ser curados deles. Recomendo-lhes apenas que se dediquem a aprender a verdade e aproveitem este conselho: se o conhecimento dessa verdade lhes parecer difícil, é sinal de que vocês são orgulhosos.

É o próprio São Tomás que os convencerá disso. Vocês podem aprender a verdade de duas maneiras: pelo intelecto e pelos afetos. O homem orgulhoso não a conhece pelo intelecto, porque Deus a esconde dele, como disse Cristo: 'Tu escondeste estas coisas aos sábios e prudentes' [Mt 11, 25]; e menos ainda a conhecerá com seus afetos, porque ninguém que se deleita na vaidade pode se deleitar na verdade: 'Quando os orgulhosos se deleitam em sua própria excelência' - explica Santo Agostinho - 'eles se afastam da excelência da verdade' [D. Th. 2a 2æ, qu. clxii, art. 3].

O homem orgulhoso não tem nenhum prazer em sermões, meditações ou instruções sobre a verdade eterna; na verdade, todos estes são enfadonhos para ele. Se você descobrir algum sinal disso em si mesmo, deve concluir imediatamente que é orgulhoso e humilhar-se um pouco - você que lê esta doutrina -para que o Pai eterno lhe dê luz, assim como Cristo disse: 'Eu te bendigo, ó Pai, porque revelaste estas coisas aos pequeninos' [Mt 11,25].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)