quinta-feira, 18 de junho de 2020

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (LII)

XLVII

DO JUÍZO OU ATO EM QUE SE CLASSIFICAM OS DESTINADOS AO CÉU, AO PURGATÓRIO E AO INFERNO

Quando se apartam e segregam os que imediatamente hão de entrar no Céu dos destinados a ir para o Purgatório ou para o Inferno?
No ato do Juízo.

Que entendeis por Juízo?
O ato em que a Justiça divina decide sobre a sorte eterna do indivíduo, pronunciando sentença de prêmio ou castigo.

Quando se realiza o Juízo?
Imediatamente depois da morte, isto é, no momento em que a alma se separa do corpo.

Onde se realiza?
Onde ocorrer a morte.

Quem o realiza?
O mesmo Deus, cujo poder reside na humanidade de Jesus Cristo, desde o dia da sua gloriosa ascensão.

As almas vêem a Deus ou a sacratíssima humanidade de Jesus Cristo?
Somente vêem a essência divina e a humanidade de Cristo as almas que hão de entrar imediatamente na glória.

De que forma se celebra o juízo das outras?
Fazendo com que elas contemplem, instantaneamente e de um só golpe, todo o curso de sua vida, donde tirarão a convicção íntima e inquebrantável de que, com justiça, merecem o lugar que se lhes destina, quer no Inferno, quer no Purgatório.

Logo, quando morre um homem, no mesmo instante e quase no mesmo ato, é a alma julgada, sentenciada e colocada no Céu, no Purgatório ou no Inferno?
Sim, senhor, porque o poder divino obra instantaneamente.

De que coisas se examina e se acusa a alma neste tremendo juízo?
De todos os atos de sua vida moral e consciente, desde o primeiro, executado com o uso da razão, até ao que precede o último suspiro.

Pode suceder que o último ato consciente decida, por si só, a sorte eterna de uma alma e lhe franqueie a entrada no Céu?
Sim, senhor; porém, requer-se uma graça especialíssima de Deus, que somente costuma concedê-la quando o homem, de certo modo, a preparou com obras boas anteriormente feitas e a rogos e vivas instâncias dos justos.

Que coisas entende e vê a alma submetida a juízo, mercê da ilustração instantânea que lhe põe diante dos olhos o curso inteiro da sua vida?
Verá, dia por dia, e momento por momento, todos e cada um dos atos por ela praticados e de que pode ser responsável, com as suas mais insignificantes circunstâncias e pormenores; todos os seus pensamentos, por íntimos e rápidos que tenham sido; todos os movimentos afetivos, qualquer que fosse o seu objeto e caráter; todas as palavras, ainda as mais leves, inconsideradas, vãs ou ociosas, todas as suas ações e a parte que nelas tomaram os sentidos, os órgãos e os membros corporais. Compreenderá o alcance, a conformidade ou desconformidade de todos os seus atos com todas as virtudes e vícios, começando pela virtude da Temperança e suas numerosas aplicações, seguindo pela da Fortaleza e suas anexas, a Justiça e suas infinitas ramificações, a Prudência e seu constante exercício na prática das demais, quer se considerem estas virtudes como hábitos naturais, quer como sobrenaturais e infusas, e sobretudo compreenderá como se ajustaram as suas ações às grandes virtudes teologais da Fé, Esperança e Caridade que deviam ter sido a norma da sua vida. Verá a estimação em que teve o sangue de Cristo e os meios de salvação com que a presenteou o Redentor nos sacramentos administrados pela Igreja; como utilizou a grande virtude da penitência e como se aproveitou das facilidades que, por intermédio do soberano poder das chaves, se lhe davam para satisfazer por suas culpas e pecados. Este conhecimento universal, compreensivo e instantâneo, será o que lhe fará exclamar com a plácida alegria dos bem-aventurados, ou com a doce resignação dos justos no Purgatório, ou com a raiva desesperada dos condenados no Inferno: 'Vosso juízo e vossa sentença, ó Deus, são a mesma justiça'.

XLVIII

DO LUGAR DESTINADO AOS QUE NÃO SÃO JULGADOS: O LIMBO DAS CRIANÇAS

Há homens que, ao morrerem, não são julgados?
Sim, senhor; todos os que, por qualquer motivo, não tiveram uso da razão (LXIX, 6)*.

Correm todos a mesma sorte?
Não, senhor; porém, também se lhes não dá destino diverso, no ato do juízo, em atenção aos seus méritos ou deméritos.

Logo a que se atende?
A que uns hajam recebido o batismo e outros não.

Para onde vão os que o recebem?
Para o Céu diretamente.

E os que o não recebem?
Para um lugar especial conhecido com o nome de Limbo.

É o Limbo lugar distinto do Purgatório e do Inferno?
Sim, senhor; porque ali não se padece a pena do sentido, pelos pecados pessoais (Ibid).

Padece-se ali a pena de dano?
Sim, senhor; porque os seus habitantes compreendem que estarão eternamente privados da felicidade proveniente da visão beatífica, se bem que neles não se reveste o caráter de suprema tortura, como nos condenados ao Inferno (Apêndice, 1, 2).

Por que esta diferença na dureza da pena de dano?
Porque os condenados do Limbo compreendem que, se estão privados da visão beatífica, não é em castigo de qualquer pecado pessoal, mas por serem filhos de Adão pecador, isto é, pelo pecado de natureza que pessoalmente contraíram pelo simples fato de terem nascido (Ibid).

Logo, conhecem os mistérios da Redenção?
Certamente que sim, ainda que o conhecimento que deles têm é superficial e puramente externo, se assim nos podemos exprimir (Ibid).

Podemos dizer que possuem a luz da fé?
Se por luz da fé entendemos a claridade interior sobrenatural que aperfeiçoa a inteligência e de algum modo lhe permite penetrar no mais íntimo dos mistérios, e sentir no seu conhecimento gosto e complacência sobrenaturais e desejo eficaz de possuir o que se crê, não, senhor; posto que conhecem as verdades da fé especulativamente, à maneira dos que estão convencidos da verdade da revelação, porém, incapacitados para crê-la sobrenaturalmente e aprofundar-se no seu conhecimento, por faltar-lhes o impulso da graça.

Logo, podemos dizer que vêem os mistérios da fé à claridade de uma luz mortiça e fria que não tem cores nem comunica vigor?
Sim, porque, nem é luz a cujos resplendores se destaquem as negras cores da ingratidão, nem que ocasione acessos de raiva impotente como a raiva dos condenados, nem calor de adesão, de esperança e de caridade como a dos justos na terra, nem a luz ardente e embriagadora da felicidade que ilumina os santos no céu; é uma luz sem radiações sobrenaturais, sem esperança, que não causa remorso nem pesar, e que se limita a dar-lhes conhecimento da existência de um bem que não lhes pertence, de uma felicidade que jamais possuirão, notícia que não lhes causa tristeza, pranto, nem ranger de dentes; pelo contrário, experimentam intensa alegria, ao pensar nos dotes e qualidades naturais recebidas de Deus e nas da mesma ordem com que as dotará o dia da ressurreição (Ibid, ad 5).

Não fala a Igreja de outro limbo situado junto ao das crianças que morrem sem batismo?
Sim, senhor; o limbo em que aguardavam a vinda do Redentor os justos completamente isentos de estorvos pessoais para entrar no céu.

Está agora desabitado?
Recordando que Jesus Cristo baixou a esse limbo no instante de ressuscitar, levando consigo as almas dos que ali estavam detidos, é evidente que não tem nem pode ter o primitivo destino; pode ser, sem embargo disso, que hoje sirva de morada aos inocentes, formando um só com o limbo das crianças.

XLIX

DO FIM DO MUNDO E DO QUE A ELE SE SEGUIRÁ

Dissestes que, no momento em que o último predestinado chegue ao grau de preparação e merecimento a que Deus o destina, sobrevirá o fim do mundo; em que consistirá tal fim e que ordem de coisas se seguirá? Consistirá, exclusivamente em trasladar para o céu o último eleito, e em determinar o estado e lugar definitivo que hão de ocupar os condenados no inferno e as crianças no limbo?
Não, senhor; ao fim do mundo se seguirão os dois atos mais transcendentais e importantes da obra e plano divino; a ressurreição e o Juízo final.

Como acabará este mundo?
O Apóstolo São Pedro nos ensina que no momento em que Jesus Cristo descer, envolto em nuvens de glória para julgar os vivos e os mortos, o mundo terá acabado por meio do fogo (LXXIV, 1, 2).

Logo, a conflagração universal será o ato preparatório do Juízo?
Sim, senhor; pois que servirá para purificar todos os elementos e dispô-los para serem úteis no novo estado de coisas.

O fogo da conflagração final queimará e destruirá somente com a sua energia natural ou possuirá qualidades superiores como instrumento de Deus?
Atuará como instrumento da divina justiça para que nele possam expiar as suas faltas, as almas que deveriam estar mais ou menos tempo no Purgatório (LXXIV, 3-8).

Logo, o tempo de purificação dos que então morrerem durará um só instante?
Sim, Senhor; porque Deus graduará a intensidade e a energia dos tormentos conforme ao que cada um deve, em Justiça, padecer.

Sabemos quando se dará o fim do mundo?
Não, senhor; porém, estamos certos de que à vinda do Juiz Supremo precederão certos sinais e formidáveis avisos.

Quais serão?
Extraordinários transtornos e comoções em toda a natureza, a cuja vista, na expressão do Evangelho, andarão os homens desfalecidos de terror.

Podemos determinar, em concreto, quais serão?
Não, senhor; porém, serão tais que, à sua vista, os justos ou os homens simples e sinceros e não obstinados em cegueira voluntária, reconhecerão a próxima vinda do Juiz.

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)