terça-feira, 31 de dezembro de 2019

ORAÇÃO PARA O ÚLTIMO DIA DO ANO

Obrigado, Senhor,
pelo ano que termina,
porque estou aqui, junto Convosco e com minha família (com meus amigos),
vivendo a alegria de ter vivido um ano mais
em Vossa Santa Presença.

Obrigado, Senhor,
por mais um ano de vida,
por ter tido ainda este tempo para viver 
as santas alegrias do Natal e deste Ano Novo.
Por estar com pessoas que amo
e que compartilham comigo
a mesma fé e o sincero propósito
de viver o Evangelho a cada dia.

Obrigado, Senhor,
por tantas graças recebidas neste ano que passa;
eu Vos ofereço hoje o meu nada
e, dentro do meu nada, todo o meu amor humano possível,
como herança de Vossa Ressurreição.
No meio das luzes do mundo nesse dia de festa,
eu me recolho à sombra da Vossa Misericórdia;
e Vos honro e Vos dou glória nesse tempo
pelos tempos que estarei Convosco para sempre.

Obrigado, Senhor,
por estar aqui na Vossa Presença,
no tempo que conta mais um ano que se vai,
na gratidão da alma confiante
que aprendeu o caminho do Pai.
Das coisas boas que fiz, dou-Vos tudo,
porque as recebi de Vosso Santo Espírito.
E Vos suplico curar com Vosso Corpo e Sangue
as cicatrizes dos meus pecados.

Obrigado, Senhor,
pela caminhada diária com Maria, 
que nos ensina no cotidiano de nossas vidas
a ir ao Vosso encontro todos os dias.
Pelo meu Santo Anjo da Guarda,
pelos meus santos de devoção, 
pelo papa, e pela Vossa Igreja,
eu Vos agradeço, Senhor, e Vos louvo, 
neste último dia do ano.

Obrigado, Senhor,
pelo ano que termina.
Que eu não me lembre nesse tempo
das dores e sofrimentos que passei,
das tristezas e angústias que vivi:
que todo mal seja olvidado agora
na alegria de eu estar aqui Convosco,
e pela resignação à Santa Vontade de Deus.

E que nesta última hora do tempo que se vai,
do ano que chega ao fim:
mais uma vez, não seja eu que viva,
mas o Cristo que vive em mim.
Amém.


(Arcos de Pilares)

OREMUS! (365)

A sequência diária e completa (uma postagem para cada dia do ano) destes pensamentos e reflexões está agora disponível na Página OREMUS! na Biblioteca Digital deste blog.

31 DE DEZEMBRO 

Oremus! [Oremos!]

Escreve Santo Afonso no prefácio do seu livrinho sobre a oração: tenho publicado várias obras espirituais. Parece-me, no entanto, que nenhuma escrevi, mais útil que o presente opúsculo, sobre a oração. Se me fosse possível, quisera mandar imprimir tantos exemplares deste livro quantos fiéis há na terra, e distribuí-los a todos, para que não houvesse um só que não se instruísse acerca da necessidade que todos temos de rezar.

Oremus! [Oremos!]... dizendo assim é que subo ao altar, todos os dias. E com que consciência posso eu convidar os fiéis à oração, se eu mesmo não rezo? Ou terei chegado ao ponto de não compreender essa palavra, e de não sentir a sua força? Oremus! [Oremos!]... é o convite que me faz a Igreja, tantas e tantas vezes ao dia. É a insistência de uma mãe que não quer perder os seus filhos. Oremus! [Oremos!]... é o resumo de todos os sermões, conferências e retiros de que eu preciso para melhorar a minha vida.

Oremus! [Oremos!]... é o aviso que Nosso Senhor me deu, tantas e tantas vezes, insistindo comigo neste ponto, mais que em qualquer outro. Oremus! [Oremos!]... seja este o último pensamento deste ano, para que seja a minha preocupação de todos os anos e de todos os dias. Que eu reze! Que eu não abandone a oração, para não chegar ao ponto de abandonar a Deus, e ser por Ele abandonado. Oremus! [Oremos!]... que este desejo de rezar possa agora suprir tudo o que eu não rezei durante a minha vida. Que esta preocupação me persiga sempre. Somente assim terei uma alma nova, para viver um Ano Novo. Sine intermissione orate! [Orai incessantemente! (sem interrupções) (1Ts 5,17)].

(Oremus — Pensamentos para a Meditação de Todos os Dias, do Pe. Isac Lorena, 1963, com complementos de trechos traduzidos do latim pelo autor do blog).

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

DISCURSO SOBRE O SANTO NOME DE JESUS

Vocatum est nomen ejus Jesus - Deram-lhe o nome de Jesus

O grande nome de Jesus não é de invenção humana; foi o Pai Eterno que o deu a seu divino Filho, diz São Bernardino de Sena. É um nome novo e saído dos lábios do Senhor, segundo o profeta, um nome que só Deus podia dar Àquele que destinara para Salvador do mundo. É um nome a um tempo novo e eterno porque, como a redenção foi decretada desde a eternidade, assim o nome do Redentor lhe foi assinalado desde a eternidade. 

Entretanto, na terra, o nome de Jesus só foi imposto a Nosso Senhor no dia da circuncisão: depois que se completaram os oito dias para ser circuncidado o Menino, foi-lhe dado o nome de JESUS, diz Lucas. Deus quis então recompensar a humildade de seu Filho, dando-lhe esse nome glorioso. Sim, enquanto Jesus se humilha sujeitando-se com a circuncisão a receber a marca dos pecadores, é justo que seu Pai o glorifique dando-lhe um nome que, como se exprime São Paulo, sobrepuja em dignidade e grandeza todos os outros nomes. E manda que esse nome seja adorado pelos anjos, pelos homens e pelos demônios ou, para nos servirmos das expressões do mesmo Apóstolo, Deus quer que ao nome de Jesus se curve todo o joelho no céu, na terra e no inferno.

Se todas as criaturas adoram esse grande nome, nós, pecadores, muito mais do que os outros, somos obrigados a adorá-lo, porque por nosso amor é que o Filho de Deus leva esse nome de Jesus, que significa Salvador; é para salvar os pecadores, como canta a Igreja, que Ele desceu do céu e se fez homem. Devemos adorá-lo, e ao mesmo tempo render graças a Deus por haver dado a Nosso Senhor, para o nosso bem, esse nome que nos consola, nos defende, e nos inflama; três pontos que vamos tratar neste discurso, depois de pedir a Jesus e Maria as luzes de que temos necessidade.

I

Em primeiro lugar, o nome de Jesus nos consola; em todas as penas basta-nos dizer: Jesus! para nos sentirmos aliviados. Quando recorremos a Jesus, Ele não pode deixar de consolar-nos; Ele quer consolar-nos porque nos ama, e Ele o pode, porque não é só homem mas também Deus todo-poderoso; do contrário, esse grande nome de SALVADOR não lhe convidaria em toda verdade. O nome de Jesus supõe um poder infinito e ao mesmo tempo uma sabedoria e um amor infinitos; se essas perfeições não se achassem reunidos em Jesus Cristo, Ele não poderia salvar-nos, como o disse São Bernardo. Esse Santo diz ainda, falando da circuncisão: 'Ele foi circuncidado como filho de Abraão; foi chamado Jesus como Filho de Deus'. Nosso Senhor está marcado, como homem, com o sinal dos pecadores, porque Ele se encarregou de satisfazer pelos pecadores, e desde o seu nascimento quer começar a expiar os pecados deles por seus sofrimentos e pela efusão de seu sangue; mas Ele é chamado Jesus, é chamado Salvador, como Filho de Deus, porque só a Deus compete salvar.

O nome de Jesus é chamado pelo Espírito Santo óleo derramado. E não sem razão, observa São Bernardo: o óleo aclara, nutre e cura; assim o nome de Jesus. Em primeiro lugar é luz: aclara quando anunciado. Com efeito, pergunta o Santo, donde veio essa luz que a fé difundiu com tanta rapidez sobre a terra ao ponto de levar em pouco tempo grande número de gentios ao conhecimento e ao serviço do verdadeiro Deus? Foi da pregação do nome de Jesus. É a esse nome que devemos a felicidade de sermos feitos filhos da verdadeira luz, isto é, filhos da Santa Igreja, tendo nascido no grêmio da Igreja Romana, em países cristãos e católicos: graça e sorte não concedidas à maior parte dos homens, que nascem entre os idólatras, maometanos ou hereges. 

Além disso, o nome de Jesus é um nutrimento que fortifica nossas almas, cada vez que nele pensamos. Enche de paz e consolação os fiéis, mesmo no meio das misérias e das perseguições que têm de sofrer sobre a terra. Sustentados pela virtude do nome de Jesus, os apóstolos exultavam de alegria no meio dos maus tratos e dos opróbrios: Eles saiam da presença do conselho, contentes por terem sido achados dignos de sofrer afrontas pelo nome de Jesus. É, pois, uma luz e um nutrimento, e é também um remédio para os que o invocam. Damos a palavra a São Bernardo: 'Se uma alma está aflita ou atribulada, pronuncie o nome de Jesus; e logo a tempestade fugirá e voltará a paz'. Se alguém tem a desgraça de cair no pecado e desespera do perdão, invoque esse nome de vida que logo sentirá a confiança do perdão; esse nome de Jesus, o Pai eterno lho deu como Salvador precisamente para obter o perdão aos pecadores.

Se Judas, tentado de desespero, tivesse invocado o nome de Jesus, não teria sucumbido, afirma Eutímio. Ele acrescenta que um pecador, seja ele qual for, não cairá jamais no abismo do desespero, contanto que invoque esse santo nome que é nome de esperança e salvação. Infelizmente os pecadores deixam de recorrer a esse remédio salutar, porque não querem sarar de suas enfermidades. Jesus Cristo está pronto a curar todas as nossas chagas; mas se alguém gosta de suas chagas e não deseja a cura, como poderá Jesus curá-lo? A venerável Irmã Maria Crucifixa viu um dia Nosso Senhor como num hospital; as mãos cheias de remédios, ia dum doente a outro; mas, em vez de lhe testemunharem reconhecimento e de chamarem-no, esses infelizes o repeliam. Assim fazem muitos pecadores: depois de se envenenarem voluntariamente pelo pecado, recusam a saúde, isto é, a graça que Jesus lhe oferece; ficam pois na sua miséria e se perdem.

Ao contrário, que temor pode ter um pecador que recorre a Jesus, pois que Jesus mesmo se oferece para obter de seu Pai o perdão aos culpados havendo já com a sua morte pago a pena que eles mereceram? 'O ofendido fez-se nosso intercessor, diz São Lourenço Justiniano; e Ele mesmo pagou o que lhe devíamos'. Alhures ele acrescenta: 'Quando pois vos sentirdes acabrunhados pela enfermidade, atormentados pela dor, agitados pelo temor, chamai Jesus em vosso auxílio, e Ele vos consolará'. Aliás basta que peçamos a seu Pai em seu nome, para obtermos tudo quanto lhe pedirmos: essa promessa, repetida muitas vezes pelo próprio Jesus Cristo, não pode deixar de ser cumprida: Tudo o que pedirdes a meu Pai em meu nome, Ele vo-lo dará. Tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, eu o farei.

II

Dissemos, em segundo lugar, que o nome de Jesus nos defende. Sim, nos protege contra as emboscadas e ataques de nossos inimigos. O Messias foi por Isaías chamado o Forte: Fortis; e o Sábio disse que o seu nome é uma torre fortíssima. Com isso nos dá a entender que quem se põe sob a proteção desse nome poderoso nada tem a temer dos assaltos do inferno.

Jesus Cristo, diz São Paulo, humilhou-se por obediência a seu Pai, ao ponto de morrer na cruz; eis por que Deus o exaltou. 'Com outras palavras, observa Santo Anselmo, Nosso Senhor humilhou-se de tal forma, que não podia humilhar-se mais; e por isso o seu divino Pai, pelo mérito dessa humildade e obediência do Filho, o exaltou o mais que pôde'. E de fato, diz o apóstolo, o Padre eterno deu a seu Filho divino um nome acima de todo outro nome, um nome tão glorioso e poderoso, que é venerado pelo céu, porque nos pode obter todas as graças; nome poderoso na terra, porque pode salvar a todos os que o invocam devotamente; nome poderoso no inferno, porque espanta todos os demônios. 

Esse nome sagrado faz tremer os anjos rebeldes, porque, ao ouvi-lo, se lembram do Forte por excelência, que destruiu o império que exerciam violentamente sobre os homens. 'Eles tremem, diz São Pedro Crisólogo, porque são forçados a adorar nesse nome toda a majestade de Deus'. Aliás nosso Salvador declarou que seus discípulos expulsariam os demônios em virtude de seu nome. E de fato, a Santa Igreja, em seus exorcismos, sempre se serve desse nome para expelir esses espíritos infernais dos possessos. E os sacerdotes que assistem aos moribundos, se servem do nome de Jesus para libertar os enfermos dos mais terríveis assaltos que o inferno faz naqueles momentos da morte.

Leia-se a vida de São Bernardino de Sena, e lá se verá quantos pecadores ele converteu, quantos abusos fez desaparecer, quantas cidades santificou, pregando aos povos a devoção ao nome de Jesus. Segundo a palavra de São Pedro, o santo nome de Jesus é o único pelo qual, pela vontade divina, podemos esperar a salvação. Jesus Cristo não nos salvou apenas uma vez; Ele nos salva continuamente por seus méritos, livrando-nos do perigo de pecar todas as vezes que o invocamos com confiança; assim cumpre a promessa: 'Tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, eu o farei'. Daí a animadora palavra de São Paulo que quem invocar o nome do Senhor, será salvo.

Repito, pois, com São Lourenço Justiniano: 'Em todas as vossas tentações, venham elas dos demônios ou dos homens que vos excitam ao pecado, chamai a Jesus em vosso auxílio, e triunfareis; e se as tentações continuarem a perseguir-vos, continuai a invocar Jesus, e não sucumbireis jamais'. É um fato de experiência: as almas fiéis a essa santa prática permanecem firmes no combate e conquistam infalivelmente a vitória. Ao nome de Jesus usamos sempre o de MARIA, que é igualmente terrível no inferno, e nada teremos a temer. 'Jesus! Maria!' haverá oração mais curta, mais fácil de reter? Ela não é menos poderosa para repelir todos os ataques dos inimigos da nossa salvação. Assim nos fala Tomás de Kempis.

III

O nome de Jesus não apenas nos consola, mas nos preserva de todo o mal; além disso, inflama de santo amor a todos os que O pronunciam com devoção. O nome de Jesus, ou de Salvador, é um nome que por si mesmo exprime o amor, por-que nos lembra, observa São Bernardino de Sena, tudo o que o Filho de Deus fez e sofreu para operar a nossa salvação. Daí a tocante exclamação dum piedoso autor: 'Ó meu Jesus, quanto vos custou o serdes Jesus, isto é, meu Salvador!'

São Mateus narra, falando da crucifixão de Nosso Senhor, que lhe puseram sobre a cabeça a inscrição: 'Aqui está Jesus, o Rei dos Judeus'. O Padre eterno, pois, quis que na cruz em que morreu nosso Redentor, se lesse o nome de Jesus, isto é, do Salvador do mundo. Por essa inscrição, Pilatos não pretendia declarar Jesus Cristo culpado por se arrogar o título de rei, como o acusavam os judeus, pois não se incomodou com a acusação, reconhecendo a inocência dele e protestando por não querer ter parte na sua morte: 'Eu sou inocente do sangue deste justo'. Por que então lhe dar o título de rei? Porque essa foi a vontade de Deus que nos quis com isso dizer: 'Ó homens, sabeis porque morre este inocente que é o meu Filho? Morre porque é o vosso Salvador; morre, esse divino Pastor, e morre no madeiro infame para salvar a vós suas ovelhas'.

Eis uma razão a mais por que nos Cânticos o nome do Senhor é chamado óleo derramado; esse nome, diz São Bernardo, significa 'a efusão da divindade'. Na obra da nossa redenção, Deus levou o seu amor por nós até dar-se e comunicar-se a nós sem reservas: Ele nos amou e entregou-se por nós. Para poder comunicar-se a nós, tomou sobre si, diz Isaías, as penas que tínhamos de sofrer. Pela inscrição afixada à cruz quis Ele, diz São Cirilo de Alexandria, apagar a sentença de morte lavrada contra nós pecadores. É precisamente isso que nos ensina o apóstolo com as palavras: Cancelou o decreto que nos era desfavorável, que era contra nós, e o aboliu inteiramente, encravando o seu nome na cruz. Enfim, nosso amoroso Redentor quis subtrair-nos à maldição que merecêramos e, por isso, atirou sobre sua cabeça as maldições divinas, carregando-se de todos os nossos pecados: Cristo remiu-nos da maldição da lei, feito ele mesmo maldição por nós.

Assim, quando uma alma fiel pronuncia o nome de Jesus e se recorda do que o Senhor fez para salvá-la, é impossível que não sinta o seu coração inflamar-se por Aquele que a amou tanto. 'Quando dizemos ‘Jesus’, afirma São Bernardo, devemos figurar-nos um homem manso, afável, compassivo, cheio de todas as virtudes; devemos ainda pensar que Ele é o nosso Deus e que, para curar-nos de nossas chagas, quis ser desprezado e maltratado até morrer de pura dor na cruz'. 'Seja-nos caro, ó cristão', exorta Santo Anselmo, 'o belo nome de Jesus; Jesus esteja sempre em vosso coração; seja o único alimento de vossa alma e a vossa única consolação'. Ah! replica São Bernardo, só quem experimentou pode compreender a doçura, as celestes delícias que se sentem, mesmo neste vale de lágrimas, quando se ama ternamente a Jesus.

Expertus potest credere quid sit Jesum diligere - quem conheceu pode saber o que é amar Jesus

Isso souberam por experiência tantas almas piedosas: Santa Rosa de Lima ao comungar tinha o coração de tal forma abrasado do amor divino, que seu hálito queimava a mão que lhe dava água a beber, segundo o costume, após a comunhão; Santa Maria Madalena de Pazzi, empunhando o crucifixo, andava toda inflamada gritando: 'Ó Deus de amor! ó Deus de amor! direi mesmo, louco de amor!'; São Filipe Néri, cujo peito teve de ser alargado para dar espaço às palpitações de seu coração abrasado; Santo Estanislau Kostka, ao qual às vezes era preciso banhar o peito em água fria para temperar o ardor de que se consumia por Jesus; São Francisco Xavier que, pelo mesmo motivo, se descobria o peito dizendo: 'Basta, Senhor, basta'; declarando com isso que já não podia suportar a chama que ardia em seu coração.

Procuremos, pois, também nós ter, quanto possível, o amor de Jesus em nosso coração e o seu santo nome nos nossos lábios. O Apóstolo ensina que não podemos pronunciar com devoção o nome de Jesus a não ser pela graça do Espírito Santo. Assim o Espírito Santo comunica-se a todos os que pronunciam devotamente o nome de Jesus.

Para alguns, o nome de Jesus é um nome estranho; por que? porque não amam a Jesus Cristo. Os santos tiveram sempre nos lábios esse nome de salvação e de amor. Nas epístolas de São Paulo quase não se encontra uma página em que não se leia mais vezes o nome de Jesus. São João também o repete frequentemente. Um dia, o bem-aventurado Henrique Suso, querendo imprimir-se mais fortemente no coração o amor de seu divino Mestre, tomou um ferro afiado e gravou-se no peito o nome de Jesus; depois exclamou banhado em sangue: 'Senhor, quisera gravar-vos no fundo do meu coração, mas não posso; vós que tudo podeis, gravai vosso nome adorável no meu coração, de maneira que dele não possa desaparecer nem o vosso nome nem o vosso amor'. Santa Joana de Chantal chegou a imprimir o nome de Jesus em seu coração por meio dum ferro em brasa.

De nós Jesus não pede tanto; contenta-se que o conservemos em nosso coração com um afeto sincero e que o invoquemos muitas vezes com amor. E já que tudo quanto Ele fez e disse durante sua vida, Ele fez e disse por nosso amor, é justo que façamos todas as nossas ações em nome e por amor de Jesus Cristo; São Paulo a isso nos exorta: 'Tudo o que fizerdes, em palavras ou por obra, fazei tudo em nome do Senhor Jesus Cristo'. E já que Jesus Cristo morreu por nós, devemos estar prontos a morrer pelo nome de Jesus, como o apóstolo que dizia: 'Estou pronto a sofrer não só as cadeias, mas também a morte pelo nome do Senhor Jesus'.

Concluamos este discurso. Se, pois, estivermos aflitos, invoquemos a Jesus, e Ele nos dará a força de resistir a todos os nossos inimigos; se enfim estamos áridos e frios no amor divino, invoquemos a Jesus, e Ele nos inflamará. Felizes as almas que tiverem sempre nos lábios esse nome tão santo e amável, nome de paz, nome de esperança, nome de salvação, nome de amor! Mas que felicidade, sobretudo a de morrer, pronunciando o nome de Jesus! Se desejamos exalar o derradeiro suspiro com esse doce nome nos lábios, devemos habituar-nos a repeti-lo muitas vezes durante a vida, e sempre com amor e confiança.

Ao nome de Jesus unamos sempre o belo nome de Maria, que é também um nome vindo do céu, um nome poderoso, que faz tremer o inferno e, ao mesmo tempo, um nome cheio de doçura, pois que nos recorda essa augusta Rainha que é a um tempo a Mãe de Deus e a nossa, Mãe de misericórdia, Mãe de amor.

Afetos e Súplicas

Ó Jesus, já que sois o meu Salvador, que destes o vosso sangue e a vossa vida para resgatar-me, gravai, peço-vos, o vosso nome adorável em meu pobre coração, a fim de que, tendo-o sempre impresso no coração pelo amor, eu o tenha também sempre nos lábios invocando-o em todas as minhas necessidades. Se o demônio me tentar, o vosso nome me dará força de resistir-lhe. Se a confiança me abandonar, o vosso nome me reanimará a esperança. Se estiver aflito, o vosso nome me fortalecerá, recordando-me o muito que sofrestes por mim. Se estiver frio no vosso amor, o vosso nome me inflamará, recordando-me o muito que sofrestes por mim. Se estiver frio no vosso amor, o vosso nome me inflamará, recordando-me o amor que me testemunhastes. No passado, caí muitas vezes no pecado, porque vos não invoquei; para o futuro, o vosso nome será a minha defesa, o meu refúgio, a minha esperança, o meu único consolo e o meu único amor. Assim espero viver, assim espero morrer, tendo sempre nos lábios o vosso santo nome.

Virgem Santíssima, obtende-me a graça de invocar sempre em minhas necessidades o nome de vosso divino Filho, Jesus, e o vosso, minha Mãe Maria; mas fazei que os invoque sempre com confiança e amor, dizendo-vos como o devoto Afonso Rodrigues: 'Ó meu dileto Jesus, ó minha querida Rainha, Maria, concedei-me a graça de sofrer e de morrer por vosso amor: já não quero ser meu, mas vosso e todo vosso, vosso na vida e vosso na morte, em que, com o vosso socorro, espero entregar a minha alma repetindo: Jesus e Maria, ajudai-me; Jesus e Maria, recomendo-me a vós; Jesus e Maria, eu vos amo, confio em vós, e eu vos dou toda a minha alma'.

(Excertos da obra 'Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo', de Santo Afonso Maria de Ligório)

domingo, 29 de dezembro de 2019

PÁGINAS COMENTADAS DOS EVANGELHOS DOS DOMINGOS


'Esposas, sede solícitas para com vossos maridos, como convém, no Senhor. Maridos, amai vossas esposas e não sejais grosseiros com elas. Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, pois isso é bom e correto no Senhor. Pais, não intimideis os vossos filhos, para que eles não desanimem' (Cl 3, 18-21)

PÁGINAS DO EVANGELHO (2019 - 2020)

sábado, 28 de dezembro de 2019

28 DE DEZEMBRO - SANTOS INOCENTES


Santos Inocentes de Deus,
almas cristalinas,
pousai vossos ternos anelos
nas sombras das colinas;
não inquieteis com vosso pranto
as feras sibilinas,
fitai o esgar dos carrascos
com doces retinas;
que a vida que foge breve,
em adagas repentinas,
renasça em eternos louvores
nas glórias divinas.
(Arcos de Pilares)

Santos Inocentes de Deus, rogai por nós

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

SOBRE A DIFAMAÇÃO E A CALÚNIA

'Também a língua é um fogo, um mundo de iniquidade. A língua está entre os nossos membros e contamina todo o corpo; e sendo inflamada pelo inferno, incendeia o curso da nossa vida' (Tg 3,6)

Quem de nós não poderia contar, ao menos, um caso de alguém que amargou graves prejuízos, vítima que foi da 'língua alheia'? Como o vício da detração, que tem na fofoca um dos seus sintomas mais evidentes, é um mal comum e disseminado entre os maus católicos que, apesar de somados anos de frequência à Igreja, não se corrigem. Queremos, com o presente artigo, baseado na sólida doutrina da Igreja sobre o assunto, oferecer uma advertência aos que não se emendam e, aos que buscam a plenitude da vida cristã, um auxílio doutrinal seguro em vista de uma conformação cada vez maior com Jesus Cristo, cujas palavras são 'Espírito e Vida'.

A detração é a difamação injusta do próximo e, para levá-la a cabo, pode-se usar tanto da murmuração (fofoca), que consiste em revelar e/ou criticar, sem justo motivo, os defeitos ou pecados ocultos dos outros, como da calúnia, que consiste em imputar a alguém defeitos ou pecados que ele não tem, nem cometeu ou simplesmente em exagerar os defeitos dele. Posto isso, diga-se que a gravidade do pecado de detração ou difamação é medida:

• pela importância do que se divulgou ou murmurou;

• pelo prejuízo ou dano causado não só à reputação de alguém, mas também por se ter-lhe provocado grave desassossego e desgosto;

• pela condição do murmurador(a) ou fofoqueiro(a): uma autoridade civil ou eclesiástica causa mais dano ao murmurar que uma pessoa comum considerada leviana;

• pela condição de quem foi detratado, porque não é a mesma coisa dizer que um 'moleque' é mentiroso e fazer o mesmo a respeito de uma autoridade, de um padre ou de um chefe de família.

Desgraçadamente, porém, o pecado da detração é tão comum como o furto, ou melhor: a detração ou fofoca é um furto, como diz Santo Tomás de Aquino: 'De duas formas pode o próximo ser prejudicado por uma obra: manifestamente, como sucede quando ele é vítima de um roubo ou de qualquer outra violência aberta; ou ocultamente, como no furto, ao modo de traição. De duas formas pode-se causar prejuízo ao próximo pela palavra: de modo manifesto, pela injúria; e de modo oculto, pela detração' (Suma Teológica, IIa, 73, a. 1). 

Mas a detração ou fofoca é, dentre todas as formas de furto, a mais grave e torna-se ainda mais grave quanto maior é o prejuízo que causa. O dano será tão mais grave quanto mais estimado for o objeto furtado. Ora, como diz a Escritura, 'é melhor um bom nome do que muitas riquezas' (Pv 22,1). Logo, a detração ou fofoca é não só o pior dos furtos, mas também, 'em si, pecado grave' (Santo Tomás, ibid).

Além do mais, quem furta algo nem sempre atua com cúmplices; o detrator ou fofoqueiro, ao contrário, sempre os tem, porque, se não os tivesse, a fama do próximo não padeceria nenhum prejuízo. Ora, como diz o Apóstolo São Paulo, 'quem faz tais coisas é digno de morte; e não só quem as faz, mas também os que junto com ele as praticam' (Rm 1,32). Sim, porque quem dá ouvidos ao detrator fofoqueiro ou o aplaude, é 'copartícipe' do seu pecado: peca contra a caridade, por estimular o difamador a levar adiante o seu crime, e contra a justiça, por permitir que na sua presença se manche a boa reputação do próximo.

Há, porém, um caso bem mais grave: aquele em que a detração se torna pecado contra o Espírito Santo por ser movida pela inveja das graças ou dons divinos recebidos por um irmão de fé. Quanto a pecados desse tipo, são muito duras as palavras do Evangelista: eles 'não serão perdoados neste século nem no futuro' (Mt 12,32) e o repete Santo Agostinho no Sermão do Senhor da Montanha, o qual, porém, em suas retratações atenua um pouco a afirmação, dizendo: 'Enquanto houver vida, porém, não há que desesperar'. O mesmo, aliás, fará Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica, dizendo, no entanto, que sim, quem peca contra o Espírito Santo tem grandíssima dificuldade de arrepender-se e pedir perdão a Deus. Foi o caso de Judas Iscariotes.

Como quer que seja a gravidade do pecado da detração, bem pode ser avaliada pelo seguinte episódio que se deu com São Francisco de Sales, bispo de Genebra, na Suíça. Para um certo católico que, por uma fofoca destruíra uma família causando separação matrimonial, entre outros fatos, o santo lhe impôs uma estranha penitência: primeiramente depenar muitas galinhas, espalhar as penas por toda a cidade e depois voltar para saber a segunda parte da penitência. Voltou o penitente após cumprir aquela primeira parte e perguntou qual seria a segunda. Respondeu São Francisco: 'Agora, vá e recolha todas as penas'. Disse o homem: 'Mas isso é impossível'. Concluiu o bispo: 'Também é impossível recolher os cacos da família que você destruiu'.

Como se pode ver, desse pecado surgem males sem conta, pois um fofoqueiro, é muitas vezes, culpado de que se percam bens materiais, a reputação, a vida e até a salvação da alma. Isso pode atingir tanto o ofendido, que não sabe sofrer o agravo com paciência e procura revidá-lo, como também o próprio ofensor que, por orgulho e respeito humano, se recusa a dar satisfação ao ofendido. Lemos nas Sagradas Escrituras: 'seis coisas há que o Senhor odeia e uma sétima que lhe é uma abominação: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, um coração que maquina projetos perversos, pés rápidos em correr ao mal, um falso testemunho que profere mentiras e aquele que semeia discórdias entre irmãos' (Pv 6,16-19).

Ora, se o homem mentiroso é singularmente abominado por Deus, quem o poderia livrar dos mais rigorosos castigos? Depois, haverá coisa mais torpe e infame, como reparou São Tiago, do que 'servir-nos da mesma língua com que bendizemos a Deus Pai para maldizer os homens, feitos à imagem e semelhança de Deus. É como uma fonte que, pela mesma abertura, jorra água doce e água salobra' (Tg 3,9-11). Com efeito, a mesma língua que, antes louvava e glorificava a Deus, põe-se depois pela mentira a cobri-Lo, o quanto pode, de injúrias e ofensas.

Essa é a razão porque os mentirosos são excluídos da posse da celeste bem-aventurança. Por isso, quando Davi se dirigiu a Deus com a pergunta: 'Quem morará na Vossa casa?' – o Espírito Santo lhe respondeu: 'Aquele que diz a verdade no seu coração e que não solta em calúnias a sua língua'. (Sl 14,1-3). O pior dano da mentira é que ela constitui doença do espírito quase incurável, pois o pecado de calúnia e o de detração ou fofoca contra a fama e o bom nome do próximo não são perdoados, enquanto o acusador não prestar satisfação ao ofendido pelas injustiças praticadas. Isso, porém, se torna muito difícil aos homens, antes de tudo, porque se deixam levar por sentimentos de falsa vergonha e falsa dignidade. Ora, não podemos duvidar que, com tal pecado na consciência, a pessoa se condena aos eternos suplícios do inferno.

Ninguém pode, tampouco, esperar o perdão de suas calúnias e detrações se antes não der satisfação a quem foi por ele lesado na fama ou consideração, quer em juízo público quer em conversas familiares e reservadas, segundo a grave advertência de Nosso Senhor Jesus Cristo que disse: 'No dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido' (Mt 12,36).

(texto de autoria do Pe. Renato Leite e publicado originalmente em Fratres In Unum)

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

CÂNTICO DE NATAL


CÂNTICO DE NATAL

Ó meu Menino Jesus, 
sede a minha esperança!
Que na gruta da vossa Belém 
eu possa renascer também
como uma outra criança!  

Ó meu Menino Jesus, 
sede minha santa alegria!
Que o meu presépio se faça 
banhando minha alma na graça
de uma pobre estrebaria!


Ó meu Menino Jesus, 
sede minha força e minha fé!
Que a mãe que me vela agora
seja a mesma Nossa Senhora 
da família de Nazaré!

Ó meu Menino Jesus, 
sede farol e minha luz!
Que este Natal de abraços,
se faça caminho de passos
que passam diante da Cruz! 

Ó meu Menino Jesus, 
sede a alma do meu viver!
Que este Natal me converta
em dom, partilha e oferta
para os que vão renascer!
E em dom, oferta e partilha,
onde ainda hoje não brilha
a luz do vosso nascer! 

Ó meu Menino Jesus, 
sede minha paz e todo bem!
Que eu viva a bem aventurança 
de adorar Deus feito criança
numa gruta de Belém!

(Arcos de Pilares)

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

FELIZ E SANTO NATAL EM CRISTO!


Desejo a todos os nossos amigos visitantes um Santo e Feliz Natal. 
Deseo a todos los amigos y visitantes Felices Navidades. 
I wish to our friends' visitors an happy and Holy Christmas. 
Je désire à tous nos amis un heureux et joyeux Noel. 
Auguro a tutti gli amici uno Santo ed Felice Natale. 
Ich wunshe to unsere Freude eine Wundabar und Stille Nacht.

IGREJA CATÓLICA: ALMA DO NATAL
(Luís Dufaur)


NATAL


Jesus nasceu! e na pequena estrebaria
José apressa-se em fazer a manjedoura
ajunta palha e feno, mudo de alegria,
enquanto a Mãe em êxtase se entesoura

Os animais se aproximam cautelosos
inebriados diante a luz que transfigura
e os pastores de joelhos, jubilosos,
louvam o Criador agora criatura!

Há uma paz imensa nesta noite fria
todos os anjos cantam a doce melodia
que une céu e terra em amor profundo;

É Natal, a Mãe embala seu pequeno filho
e a luz que inunda a gruta tem o brilho
da salvação que ora libertou o mundo!

                                                                           (Arcos de Pilares)

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

O NASCIMENTO DE JESUS

Maria sentiu um leve estremecimento no ventre. Estremecimento e não dor. Percebera-o nitidamente em meio ao movimento harmônico do trote do burrico pela estrada poeirenta. No recolhimento de sua oração profunda, sua mão busca tocar levemente o ventre como uma resposta imediata da Mãe ao sinal enviado pelo Filho: a longa preparação do Tempo dos Profetas há de ser realidade em breve naquele tempo da história e Deus feito homem vai nascer no mundo. É o primeiro sinal. Suave estremecimento, perceptível apenas por Maria, naquele momento da longa travessia que perpassa agora os campos abertos que levam mais adiante à Belém de todas as profecias.

José, puxando o burrico, olha para trás e se preocupa. O vento começa a soprar mais forte e mais frio e a jornada agora é mais lenta e penosa, nos declives mais acentuados da estrada que serpenteia pelo vale e pelos contrafortes de formações rochosas. E há muitas pessoas e alarido em torno deles. De tempos em tempos, são obrigados a parar e dar passagem a outros viajantes em marcha mais apressada ou para superarem com extremo cuidado os trechos mais íngremes. Quase todos os peregrinos têm o mesmo destino e o mesmo objetivo: apresentarem-se às autoridades em Belém e cumprirem as normas do novo recenseamento imposto pelas autoridades romanas. 

Em meio a um acontecimento regional e específico da história humana, está prestes a ocorrer o mais extraordinário evento da humanidade. Em meio ao burburinho e à agitação de toda aquela gente, Maria recebeu o primeiro sinal da manifestação da vinda do Messias prometido. Um murmúrio de humanidade no sagrado ventre consubstancia em definitivo o Mistério da Anunciação. Um leve estremecimento acaba de prenunciar o nascimento de Deus. 


As ruas estreitas se consomem de tanta gente. Há um cenário de mercado livre por toda a Belém daqueles dias. Eles acabaram de cumprir os registros formais do recenseamento e agora buscam ansiosamente uma pousada para o pernoite. Não é apenas o albergue principal da cidade que está com a lotação esgotada; as casas se transformaram em emaranhados de pessoas e utensílios, num entra e sai sem fim de gente ruidosa e apressada. Há o burburinho comum das crianças e o festim grotesco das ofertas gritadas e dos negócios de ocasião. No vaivém das ruas apinhadas e confusas, Maria e José buscam refúgio fora da cidade, além das casas mais ermas e mais afastadas. Aqui e ali ainda se veem acampamentos rústicos, improvisados, à guisa de refúgio de grupos mais ou menos numerosos. Além, mais além, as formações calcárias formam reintrâncias e cavernas, que muitas vezes são utilizadas como estrebarias pelos mercadores das grandes rotas até Jerusalém.

José leva o burrico na direção destas cavernas. Ele não sente no rosto o vento frio da tarde que se desvanece, nem o cansaço da longa jornada. Seu pensamento é todo, totalmente por Maria. A preocupação em encontrar um lugar digno para ela o consome por completo. A ânsia de dar descanso e refúgio a Maria tolhe todos os seus sentidos e atividades. A dimensão do mistério insondável o atordoa e o aniquila: a humanidade de José sente o peso incomensurável dos desígnios da Providência.

Passa adiante da primeira entrada, que não passa de um buraco estreito e irregular na rocha. A seguinte é pouco melhor do que isso. As demais mostram-se maiores e limpas, mas já estão todas ocupadas. As pessoas amontoam-se nos espaços exíguos em silêncio, homens na sua grande maioria, cercados por animais, feno e capim. São estrebarias que agora acomodam pessoas. José se inquieta ainda mais. Não há possibilidade aparente de privacidade para o nascimento de Jesus, não há lugar nenhum para um abrigo ainda que provisório. 

Avançado o paredão rochoso, José agora se depara com um cinturão de amendoeiras que margeiam o caminho adiante, que se abre, então, para campos e vales ao longe. Bem distante, na encosta suave do outro lado do vale, consegue divisar um pastor empurrando o seu rebanho. Nesse momento, sente os ombros dolorosamente pesados e seu andar vacilante. Seu olhar havia percorrido cada entrada rochosa e cada rosto humano em busca de recepção e de um gesto de boa vontade. E nada. Agora volve o seu olhar para Maria, como que pedindo perdão pela sua incapacidade e incerteza daquele momento. A humanidade inteira geme as suas ânsias pelo olhar desconsolado de José. 

Ao passar pela terceira gruta, Maria sentiu, como uma vibração percorrendo todo o seu corpo, o sopro do Espírito de Deus. Desde o primeiro sinal, recolhera-se, ainda com maior devoção, à oração de dar glórias ao Pai pelo que estava prestes a acontecer. Como serva da Anunciação, era agora a mesma serva como Mãe de Deus. E, nesse momento, pressentira o segundo sinal. A Divina Promessa iria dispensar a Redenção em breve à humanidade pecadora. Ao olhar para José, compreendendo a sua aflição e seu desapontamento, fitou-o com os olhos da perseverança e da fé inquebrantáveis e o brilho deste olhar emanava a própria luz de Deus.

Diante do olhar de Maria, a humanidade de José se detém e suas dúvidas se dissipam. Então, ele avança mais vinte, mais cinquenta metros, contorna as árvores e avista a gruta que emerge da continuação do maciço rochoso à esquerda. É e será sempre a visão do paraíso. Não é exatamente uma gruta, mas uma escavação que avança em profundidade na rocha e é protegida por uma murada frontal de pedras mal alinhadas, trançadas com restos de vigas de madeira, espalhados em desordenada profusão, que fecham de maneira irregular a entrada do lugar, protegendo-o dos ventos e das intempéries. Escondida, erma, isolada, bendita seja a gruta de Belém! 

Ela está suja, úmida, mal cuidada, mas não de todo desconhecida ou abandonada, porque um boi ali se encontra, com bastante feno e água. Há sujeira e palha solta em todos os lugares. Num canto, um arranjo de pedras enegrecidas indica o lugar de costume de se acender o fogo. Aliviado e feliz, José se consome nos arranjos práticos do refúgio improvisado. Ajuda Maria a entrar na gruta e se apressa a alimentá-la e a acomodá-la o melhor possível; dá feno e água ao burrico que é levado para junto do boi, monta um tablado de feno no chão, dispondo cuidadosamente os fardos; com paus e pedras, faz um arremedo de cercado em torno de Maria e o cobre com a sua manta grossa de viagem; empilha num canto os troncos e os pedaços de madeira espalhados; limpa as pedras e o chão com feixes de palhas e, com gravetos e pedaços de madeira seca, acende o fogo. A pequena luz se espalha pela escondida, erma, isolada, bendita gruta de Belém! 


O silêncio da gruta é quebrado apenas pelo crepitar das últimas chamas. O fogo aqueceu o espaço limitado e agora existe mais penumbra do que claridade. O fogo emoldura em repentes luminosos o rosto de José enquanto, pelas aberturas das muradas de pedras, o luar desenha feixes de luzes prateadas que cortam a escuridão que envolve toda a gruta. De repente, Maria põe-se de joelhos em contrita oração. Prostra-se com o rosto no chão e José percebe, apesar de toda a escuridão, o que está para acontecer. Coloca-se também de joelhos, também em fervorosa oração, louvando a Deus por ser testemunha e personagem de mistério tão extraordinário. Em muda expectativa, contempla o perfil de Maria apenas esboçado na escuridão da gruta.

A princípio, supõe ver os feixes de luar convergirem para o rosto de Maria ou auréolas de luz provenientes do fogo a envolverem completamente. Mas sabe que é muito mais que isso: uma luz, de claridade e brilho espantosos, nasce, emana e flui dela, enchendo a gruta de uma tal iridescência, que todas as coisas perdem a forma, o volume e a natureza material. Maria não se transfigura em luz, ela é a própria luz! O rosto de Maria é luz, as vestes de Maria são luz, as mãos de Maria são luz. Mas não é uma luz deste mundo, nem o brilho do cristal mais polido, nem o resplendor do diamante mais lapidado, nem a etérea luminosidade dos átomos em fissão; tudo isso seria uma mera pátina de luz. Maria torna-se um espelho do próprio Deus, da qual emana a luz do Céu!

José se transfigura neste redemoinho de luz sem ser a luz. Seus olhos puderam contemplar o terceiro e definitivo sinal da Natividade de Deus. E trêmulo, mudo, pasmado, contempla o recém-nascido acolhido entre os braços de Maria, recebendo o primeiro carinho e o primeiro beijo da Mãe Imaculada. Pressuroso e em êxtase, prepara a humilde manjedoura, o primeiro altar de Jesus na terra. O Filho do Deus Vivo já habita entre nós!

(Adaptação livre do autor do blog sobre os eventos prévios ao nascimento de Jesus)

domingo, 22 de dezembro de 2019

PÁGINAS COMENTADAS DOS EVANGELHOS DOS DOMINGOS


'É por Ele que recebemos a graça da vocação para o apostolado, a fim de podermos trazer à obediência da fé todos os povos pagãos, para a glória de seu nome. Entre esses povos estais também vós, chamados a ser discípulos de Jesus Cristo' (Rm 1, 5-6)

PÁGINAS DO EVANGELHO (2019 - 2020)

sábado, 21 de dezembro de 2019

A SEMANA MAIS SANTA DO ANO

Uma palavra para todos os que querem receber a Deus neste Natal: 'Padre, eu amo a Deus,  como devo proceder?' Se tiverdes a casa suja, varrei-a; se houver poeira, pegai em água e molhai-a. Haverá aqui alguns que não varrem a casa há dez meses ou mais, Existirá mulher tão desleixada que, tendo uma marido muito asseado, fique dez meses sem varrer a casa? Há quanto tempo não vos confessais?

Irmãos, não vos pedi na quaresma passada que vos acostumásseis a confessar-vos algumas vezes no ano? Pelo menos no Natal, nos dias de Nossa Senhora e em outras festas religiosas importantes do ano, mas penso que vos esquecestes. Praza a Nosso Senhor que não vos exijam contas disso no dia do Juízo. E se disserdes então: 'Eu não sabia, por isso não me confessei', dir-vos-ão: 'Bem que vo-lo disseram, bem que vo-lo gritaram, muito se afadigaram em alertar-vos; agora de nada serve puxar os cabelos porque antes não o quisestes fazer'.

Irmãos, pecamos todos os dias. Se até hoje fostes preguiçosos em varrer a vossa casa, pegai agora na vassoura, que é a vossa memória. Lembrai-vos do que fizestes ofendendo a Deus e do que deixastes de fazer ao seu serviço; ide ao confessor e jogai fora todos os vossos pecados, varrei e limpai vossa casa. 

Depois de varrida, molhai o chão. 'Mas não posso chorar, padre'. E se vos morre o marido ou o filho, ou se perdeis um pouco do vosso dinheiro, não chorais? 'Claro que choro, padre, e tanto que quase chego ao desespero'. Pobres de nós que, se perdemos um pouco de dinheiro, não há quem nos possa consolar, mas se nos sobrevém um mal tão grande como perder a Deus - pois isso acontece a quem peca - o nosso coração é de tal forma uma pedra que são necessários muitos pregadores, confessores e admoestadores para que sintamos um pouco de tristeza! 

Mais valorizais o real perdido do que o Deus que perdes. Quando perdeis uma quantia insignificante, não há quem consiga consolar-te, nem frades, nem padres, nem amigos, nem parentes. E, no entanto, não vos entristeceis quando perdeis nada menos que o próprio Deus. Que significa isto, senão que tens tanta terra nos canais entre o coração e os olhos que a água não pode passar? 

'O que me leva ter o coração tão duro a ponto de não poder chorar?' De todos os tempos apropriados que há ao longo do ano, este é o mais apropriado para os duros de coração. Valorizai o tempo santo em que estamos, considerai esta semana como a mais santa de todas do ano. É uma semana santa, e se não a aproveitardes bem e vos preparardes, como agora já o sabeis, certamente será tirada de vós a dureza do coração.

(São João de Ávila)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

A RIQUEZA DA BONDADE DIVINA

Considera de onde te vem a existência, a respiração, a inteligência, a sabedoria, e, acima de tudo, o conhecimento de Deus, a esperança do reino dos céus e a contemplação da glória que, no tempo presente, é ainda imperfeita como num espelho e em enigma, mas que um dia haverá de ser mais plena e mais pura. Considera de onde te vem a graça de seres filho de Deus, herdeiro com Cristo e, falando com mais ousadia, de teres também sido elevado à condição divina. De onde e de quem vem tudo isso?

Ou ainda – se quisermos falar de coisas menos importantes e que podemos ver com os nossos olhos – quem te concedeu a felicidade de contemplar a beleza do céu, o curso do sol, a órbita da lua, a multidão dos astros e aquela harmonia e ordem que se manifestam em tudo isso como uma lira afinada? Quem te deu as chuvas, as lavouras, os alimentos, as artes, a morada, as leis, a sociedade, a vida tranquila e civilizada, a amizade e a alegria da vida familiar?

De onde te vem poderes dispor dos animais, os domésticos para teu serviço e os outros para teu alimento? Quem te constituiu senhor e rei de todas as coisas que há na face da terra? E, porque não é possível enumerar uma a uma todas as coisas, pergunto finalmente: quem deu ao homem tudo aquilo que o torna superior a todos os outros seres vivos?

Porventura não foi Deus? Pois bem, agora, o que ele te pede em compensação por tudo, e acima de tudo, não é o teu amor para com ele e para com o próximo? Sendo tantos e tão grandes os dons que recebemos ou esperamos dele, não nos envergonharemos de não lhe oferecer nem mesmo esta única retribuição que pede, isto é, o amor? E se ele, embora sendo Deus e Senhor, não se envergonha de ser chamado nosso Pai, poderíamos nós fechar o coração aos nossos irmãos?

De modo algum, meus irmãos e amigos, de modo algum sejamos maus administradores dos bens que nos foram concedidos pela graça divina, a fim de não ouvirmos a repreensão de Pedro: 'Envergonhai-vos, vós que vos apoderais do que não é vosso; imitai a justiça de Deus e assim ninguém será pobre'. Não nos preocupemos em acumular e conservar riquezas, enquanto outros padecem necessidade, para não merecermos aquelas duras e ameaçadoras palavras do profeta Amós: 'Tomai cuidado, vós que andais dizendo: quando passará o mês para vendermos e o sábado, para abrirmos nossos celeiros?' (Am 8,5).

Imitemos aquela excelsa e primeira lei de Deus, que faz chover sobre os justos e os pecadores e faz o sol igualmente levantar-se para todos; que oferece aos animais que vivem na terra a extensão dos campos, as fontes, os rios e as florestas; que dá às aves a amplidão dos céus, e aos animais aquáticos, a vastidão das águas; que proporciona a todos, liberalmente, os meios necessários para a sua subsistência, sem restrições, sem condições, sem fronteiras; que põe tudo em comum, à disposição de todos eles, com abundância e generosidade, de modo que nada falte a ninguém. Assim procede Deus para com as suas criaturas, a fim de conceder a cada um os bens de que necessita segundo a sua natureza e dignidade, e manifestar a todos a riqueza da sua bondade.

(Dos Sermões de São Gregório Nazianzeno)

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

BREVIÁRIO DIGITAL - ILUSTRAÇÕES DE DORÉ (VI)

PARTE VI (Jz 2 - Jz 14)

  [Aparição de um anjo aos israelitas (Jz 2)]

 [Jael mostra Sísara que havia sido morto por ela (Jz 4)]

 [O cântico de Débora (Jz 5)]

[Gedeão escolhe os 300 soldados pelos homens que lamberam a água (Jz 7A)]

 [Os madianitas são sitiados (Jz 7B)]

[A morte dos setenta filhos de Jerobaal (Jz 9A)]

 [A morte de Abimelec (Jz 9B)]

 [A filha de Jefté vai ao encontro do pai com tamborins e danças (Jz 11A)]

 [Jovens israelitas choram pela filha de Jefté (Jz 11B)]

[Sansão mata um leão (Jz 14)]