sexta-feira, 31 de outubro de 2014

NOSSA SENHORA DE TODOS OS NOMES (1)

1. NOSSA SENHORA DESATADORA DOS NÓS



A origem desse estranho título de Nossa Senhora - Maria Knotenlöserin (Maria Desatadora dos Nós) - está em uma pintura do artista alemão Johann Schmittdner, de 1700, que se encontra na capela de St. Peter am Perlach em Augsburg, na Alemanha e que retrata a Virgem desatando uma longa linha de nós, que lhe é entregue por um anjo, enquanto um segundo anjo recolhe a fita já com os nós desfeitos. 

A provável referência da pintura está numa frase atribuída a São Irineu que, meditando sobre a desobediência dos nossos primeiros pais, diz que Eva teria amarrado o homem a toda sorte de pecados (representados pela terra imersa em trevas, na parte inferior da pintura) e que Nossa Senhora, pela virtude da obediência perfeita aos desígnios divinos, libertaria o homem do pecado desatando todos estes nós. Trata-se de devoção particularmente difundida no Brasil e em toda a América do Sul e, aparentemente, pouco conhecida na própria Alemanha.


(capela de St. Peter am Perlach) 


(altar da capela com a pintura original) 

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A FÉ EXPLICADA (XVI)


P. – A eternidade das penas do inferno se contrapõe à justiça de Deus. É injusto castigar eternamente um pecado que durou apenas alguns momentos.

R. – Nenhum crime se castiga pelo tempo que se leva para cometê-lo, e sim, pela gravidade intrínseca que ele contém. A justiça humana não condena às vezes à prisão perpétua e mesmo à pena capital ao malfeitor que cometeu um crime num instante? Pois levando-se em conta que o pecado - sobretudo o pecado cometido contra Deus com plena vontade e maldade obstinada - encerra uma malícia de certo modo infinita, em função da distância que separa o ofensor do ofendido, torna-se justo que seja castigado também com uma pena infinita. Não sendo possível tal pena em intensidade, tem que ser pelo menos em extensão. Assim pois, a eternidade das penas do inferno não somente não se contrapõe à justiça de Deus, como é um exigência e uma consequência elementar da mesma.

P. – Parece-me muito difícil conceber a malícia infinita do pecado, pois uma criatura não pode realizar um ato infinito.

R. – O caráter infinito do pecado não procede do ato em si mesmo, objetivamente considerado, mas da infinita distância existente entre Deus e o pecador. Ao pecar, livre e voluntariamente, o pecador assume uma condição que o alija e o separa de Deus. E esta separação possui, de fato, uma dimensão infinita e naturalmente irreparável.
   
P. – O pecador não comete seu pecado prevendo e ratificando essa projeção eterna. A grande maioria dos homens peca provisoriamente, 'por um tempinho', esperando arrepender depois.

R. – Essa esperança de um futuro arrependimento é uma ilusão vã e imoral. Vã, porque o pecador não poderá deixar o seu pecado sem a graça do arrependimento, que Deus não está obrigado a lhe dar e que pode mesmo negar-lhe em castigo por tanta ingratidão. Quem se arrisca a descer em um poço que não pode sair sem que alguém de fora lhe estenda um cabo tende a ficar lá eternamente se alguém de fora - que não tem a obrigação de ajudá-lo em sua louca temeridade - não se dispor a fazê-lo. E é imoral porque se apoia precisamente na misericórdia de Deus para ofendê-lO com maior tranquilidade. 

P. – De qualquer forma, o pecador peca num tempo, por que castigá-lo pela eternidade?

R. – Desde o momento em que o pecador coloca seu propósito de vida em uma criatura, ato absolutamente incompatível e que constitui a própria renúncia ao seu fim último sobrenatural, demonstra claramente que se entregaria a esse pecado ainda com maior vigor se pudesse gozar eternamente do prazer que o mesmo lhe oferece agora. Se, por um instante que seja, fugaz e passageiro, aceita a possibilidade de perder a eternidade junto de Deus, quanto mais não se aprazaria em cometer tal pecado se nele pudesse permanecer impunemente por toda a eternidade! Neste sentido, São Tomás dizia, com profunda percepção, que o pecador, ao separar de Deus, peca em sua eternidade subjetiva. Assim sendo, se o pecador ofende a Deus em sua eternidade, é muito justo que Deus o castigue pela sua, como diz Santo Agostinho. 

P. – Mas a malícia subjetiva do pecado não depende do grau de conhecimento e voluntariedade com que procedeu o pecador?

R. – Certamente que sim.

P. - E que pecador se dá conta, ao cometer um pecado, do alcance e da transcendência do seu ato? Seria preciso que ele tivesse uma ideia bastante clara da grandeza de Deus e da dimensão incomensurável da eternidade.

R. – O pecado cometido nessas condições teria uma malícia verdadeiramente diabólica. Esse foi o pecado dos anjos rebeldes, cuja malícia era tal que Deus negou para sempre o benefício da redenção que é oferecido, no entanto, ao homem pecador. 

P. –  Então vós mesmo confessais que o pecado do homem não possui a malícia satânica dos demônios e, portanto ...

R. – Portanto, Deus se compadeceu dele e lhe ofereceu o benefício da redenção, que negou aos anjos rebeldes. Mas, precisamente por causa dessa recorrência voluntária do homem em pecar, mesmo depois de ter sido derramado o sangue do Filho de Deus encarnado para redimi-lo, implica maior ingratidão e também maior malícia subjetiva. E isso é o bastante para que esse pecado, cometido livre e voluntariamente, tenha a força suficiente para afastar o pecador para sempre de Deus como fim último sobrenatural.

P. – Mas por que Deus cria aqueles que sabe que serão condenados?

R. – Entre outras razões que transcendem infinitamente a pobre inteligência humana, há que se dizer que, caso contrário, ter-se-ia uma grande imoralidade, a qual contradiz a santidade infinita de Deus. De fato, se Deus, levado por sua infinita misericórdia, não criasse mais os que não haveriam de salvar-se, resultaria que o homem poderia zombar impunemente de Deus, violando um por um todos os mandamentos da lei divina. Nem sequer precisariam se arrepender de seus pecados, uma vez que Deus teria que os perdoar forçosamente, mais cedo ou mais tarde. Pelo que se poderia ter o caso de um pecador, que depois de sofrer na vida uma pena temporal ainda que bastante longa, eventualmente, entraria no céu sem se arrepender de seus pecados e sem ter pedido perdão a Deus. Quem não percebe que tal coisa seria uma monstruosidade ultrajante, mil vezes mais inconcebível que o fato de Deus criar aqueles que virão a ser condenados? 

Por outro lado, uma coisa está bastante clara na teologia da salvação, qualquer que seja a escola teológica a que se pertença: Deus não cria nem criará jamais ninguém para ser condenado por princípio (punição positiva), embora possa prever que alguém possa querer se condenar voluntariamente (punição negativa, em castigo pelo pecado voluntariamente cometido). De quem é a culpa, pois, se o pecador é condenado? Seria o cúmulo da imoralidade pedir contas a Deus por punir com justiça um crime que somente o pecador, por perversão, tem por culpa livre e voluntária.

P. - Mas, por que a pena do pecado deve ser eterna? Não seria suficiente uma pena temporal - ainda que longuíssima - para satisfazer as exigências da justiça divina?

R. – De forma alguma. A obstinação do pecador, perpetuamente agarrado ao seu pecado, obriga a uma manutenção eterna da pena. O pecador não se arrepende nem se arrependerá jamais. Nessas condições, a pena terá de ser necessariamente eterna. Enquanto se estiver em falta, há que perdurar o castigo. Nas palavras de São Tomás: 'A culpa permanece para sempre, porque não pode existir remissão sem a graça, que o homem não pode mais adquirir depois da morte. Portanto, a pena não pode cessar enquanto permanecer a culpa' (Supl. 99, 1).

(Excertos da obra 'Teología de la Salvación', do Pe. A. Royo Marín, tradução do autor do blog)

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

TIPOS DE CRUZES (I)

1. CRUZ LATINA

É a mais comum de todas as cruzes. Ela era um instrumento de condenação à morte nos tempos de Jesus. Ela nos lembra o supremo sacrifício que Jesus ofereceu pelos pecados de todo o mundo. Tradicionalmente ela simboliza a crucificação e, como está vazia, também nos lembra a ressurreição e a esperança da vida eterna.


2. CRUZ LATINA (VARIANTE)









3. CRUZ LATINA COM INSCRIÇÃO


As letras latinas apostas sobre a cruz representam a inscrição que Pilatos ordenou que fosse colocada sobre a cruz de Jesus, que consiste nas iniciais da frase 'Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus'. 


4. CRUZ DE SÃO PEDRO


Segundo a Tradição, o apóstolo Pedro teria sido crucificado de cabeça para baixo, numa cruz como esta. 




5. CRUZ ÍNDIA







6. CRUZ GREGA OU QUADRADA



Um antigo tipo de cruz com braços de igual extensão; dessa cruz e da cruz latina derivam a maioria das cruzes utilizadas em heráldica.



7. CRUZ DE SANTO ANDRÉ


De acordo com a tradição, Santo André sentiu-se indigno de ser crucificado como o seu Senhor. Desta forma, ele suplicou que a sua cruz fosse diferente. Esta cruz é um símbolo da humildade e do sofrimento e foi utilizada pelos romanos para marcar as fronteiras de seu território.

8. CRUZ EM FORMA DE TAU


Chamada Tau por sua aparência com a letra grega de mesmo nome. Tradicionalmente, esta cruz representa o sinal de sangue do cordeiro, usado pelos israelitas sobre as portas na noite de Páscoa, antes da saída do Egito. Ela também representa o bastão que Moisés converteu em serpente no deserto. Chamada também de cruz da profecia, cruz do Antigo Testamento ou cruz de Santo Antônio.


9. CRUZ DA GLÓRIA ETERNA


Alfa e Ômega, primeira e última letras do alfabeto grego, sob os braços da Cruz, recordam que Deus é o princípio e o final de todas as coisas, a glória eterna, e também, que nossa vida terrena tem começo e fim. É chamada também cruz alfa e ômega.



10. CRUZ BIZANTINA


Cruz de bordas estilizadas que era utilizada pela Igreja Ortodoxa Grega.





11. CRUZ DA TRINDADE

Cruz latina cujas extremidades são arrematados por três círculos interseccionados que representam a Trindade.




12. CRUZ DE POMOS

Cruz latina (ou quadrada) cujas extremidades são arrematados por pomos (esferas) ou maçãs, fruta que simboliza a fé cristã. Foram usadas sobre os báculos pastorais como símbolo de autoridade e, por isso, é chamada também cruz dos bispos.


13. CRUZ DA PAIXÃO



Cruz latina cujas extremidades são arrematadas com espadas, simbolizando o sofrimento de Jesus Cristo na sua crucifixão.





14. CRUZ RADIANTE OU IRRADIADA









15. CRUZ DE PENITÊNCIA


Cruz latina com o braço horizontal envolvido por um tecido (sudário) de cores diferentes e extremidades assimétricas.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Caríssimos, revesti-vos com a veste nupcial, os que ainda não a usais. Eis irmãos, que entrais naquele sagrado banquete (o mistério do altar e a salvação), mas ainda não usais a veste adequada em honra ao Esposo (Jesus Cristo), pois ainda procurai vossos interesses e não os interesses do Cristo vosso salvador e Senhor. Conheceis a esposa: é a Santa Igreja (pura, sem mácula, ruga ou coisa semelhante, mas pura e irrepreensível). Prestai homenagem à Ela, pois assim homenageareis também ao Esposo Sagrado, amai pois ao Senhor e logo aprendereis a amar-vos uns aos outros no temor de Deus. Quando revestidos da veste, souberdes amar a Deus, ao próximo, amar a verdade e rejeitar o erro, cultivar a fé, sabereis amar a vós mesmos'.

(Santo Agostinho, Sermão XC)


DA SUBMISSÃO À VONTADE DE DEUS

Uma das verdades mais bem estabelecidas e das mais consoladoras que jamais nos tenham sido reveladas é que, com ressalva do pecado, nada nos sucede na terra senão porque Deus o quer; é Ele quem dá as riquezas e é Ele quem envia a pobreza; se estais doente, Deus é a causa do vosso mal; se haveis recuperado a saúde, foi Deus quem vo-la restituiu; se viveis, é unicamente a Ele que deveis tão grande bem; e quando a morte vier terminar a vossa vida, será da mão Dele que recebereis o golpe mortal.

Mas, quando os maus nos perseguem, é então a Deus que o devemos imputar? Sim, cristãos ouvintes, é ainda a Ele que deveis então acusar unicamente do mal que sofreis. Ele não é causa do pecado que comete o vosso inimigo maltratando-vos, mas é causa do mal que esse inimigo vos faz pecando. Esse homem injusto é como uma torrente que, do alto dum rochedo, vem despenhar-se num vasto campo. Não é o lavrador que dá a essa torrente rápida o movimento que a arrasta, mas é o lavrador quem, ora rompendo um dique, ora tapando um valado ou levantando uma represa, lhe faz entrar as águas num campo antes que em outro, quer pretenda adubar, quer pretenda desolar por esse meio aquele campo. 

Ou se preferis, aquele mau homem é, nas mãos de Deus, como um veneno nas mãos dum artista hábil: não foi o artista que deu àquela erva ou àquele mineral a virtude maligna que lhes é própria, mas foi ele quem as misturou na beberagem que vos apresenta, quer tenha o intento de vos dar a morte, quer talvez o de vos restituir a saúde. Assim, não foi Deus quem inspirou ao vosso inimigo a má vontade que tem de vos prejudicar, mas foi Ele quem lhe deu o poder, foi Ele quem fez voltar sobre vós a malícia daquela pessoa, quem dispôs as coisas de tal sorte que ele se tenha achado em estado de perturbar o vosso repouso, que o tenha efetivamente perturbado. 

O Senhor quis que caísseis na cilada, já que não a evitou, já que prestou mesmo mão aos que vo-la armavam; é Ele que vos entrega sem defesa aos vossos inimigos, e foi Ele que dirigiu, por assim dizer, todos os golpes que eles vos desfecharam. Não duvideis: se recebeis alguma chaga, foi o próprio Deus quem vos feriu. Quando todas as criaturas se ligassem contra vós, se o Criador não quisesse, se se lhes não juntasse; se lhes não desse tanto as forças como os meios de executar os seus maus desígnios, nunca o conseguiriam. 'Não teríeis nenhum poder sobre mim se ele vos não fosse dado do alto', dizia o Salvador do mundo a Pilatos. Nós podemos dizer outro tanto aos homens como aos demônios, mesmo às criaturas que são privadas de razão e de sentimento. Não, vós não me afligiríeis, não me prejudicaríeis como fazeis, se Deus não vo-lo tivesse ordenado; é Ele quem vos envia, é Ele quem vos dá o poder de me tentardes e de me fazerdes sofrer. 'Não teríeis nenhum poder sobre mim, se ele não vos tivesse sido dado do alto'.

Se, de quando em quando, meditássemos seriamente este artigo da nossa crença, não seria preciso mais para abafar as nossas murmurações em todas as perdas, em todas as infelicidades que nos acontecem. Era o Senhor que me tinha dado todos aqueles bens, foi Ele mesmo quem mos tirou; não foi nem aquela parte, nem aquele juiz, nem aquele ladrão quem me arruinou, não foi aquela mulher que me denegriu a reputação com as suas maledicências; se esse menino morreu, não foi nem por ter sido maltratado, nem por ter sido mal servido; foi Deus, a quem tudo aquilo pertencia, quem não me quis deixar fruir dele por mais tempo.

É, pois, uma verdade de fé que Deus conduz todos os acontecimentos de que a gente se queixa no mundo; e, demais, não podemos duvidar de que todos os males que Deus nos manda nos sejam utilíssimos: não podemos duvidá-lo sem suspeitar a Deus de carecer de luz para discernir o que é vantajoso. 'É prova dum orgulho insuportável', diz são Basílio, 'que nos próprios negócios a gente não necessita de tomar conselho de ninguém, e que tem por si mesmo bastante prudência para escolher o melhor partido'. Mas, se nas coisas que nos dizem respeito qualquer outro vê melhor do que nós aquilo que nos é útil, que loucura pensar que o vemos melhor do que Deus mesmo, Deus que é isento das paixões que nos cegam, que penetra o futuro, que prevê os acontecimentos e o efeito que cada causa deve produzir! Sabeis que os acidentes mais molestos têm às vezes felizes consequências, e que, ao contrário, os sucessos mais favoráveis podem finalmente terminar em funestos desfechos. É mesmo uma regra que Deus observa assaz comumente, ir aos seus fins por vias inteiramente opostas às que a prudência humana costuma escolher.

Na ignorância em que estamos do que deve acontecer no futuro, como então ousamos murmurar daquilo que sofremos pela permissão de Deus! E mesmo por simples vantagens deste mundo, quantos exemplos não temos desse proceder! Vendem José, trazem-no em servidão, lançam-no numa prisão: ele se aflige das suas desditas aparentes, aflige-se com efeito da sua felicidade, pois são outros tantos degraus que o elevam insensivelmente ao trono do Egito. Saul perdeu as mulas de seu pai, tem que as ir buscar muito longe e muito inutilmente: é muito tempo e muito trabalho perdido, é certo; mas se essa mágoa o aflige, jamais houve pesar tão desarrazoado, visto que tudo aquilo só foi permitido para o conduzir ao profeta que o deve ungir da parte do Senhor, para ser o rei de seu povo. 

Qual não há de ser a nossa confusão, quando comparecermos perante Deus, quando virmos as razões que Ele terá tido de nos mandar essas cruzes que nós tão mal lhe agradecemos! Eu lamentei a perda daquele filho único morto na flor da idade: ai! Se Ele tivesse vivido ainda alguns meses, alguns anos, teria perecido da mão dum inimigo, teria morrido em pecado mortal. Eu não me pude consolar do rompimento daquele casamento: se Deus tivesse permitido que ele se concluísse, eu iria passar os meus dias no luto e na miséria. Devo trinta ou quarenta anos de minha vida àquela doença que sofri com tanta impaciência. Devo a minha salvação eterna àquela confusão que me custou tantas lágrimas. Minha alma estaria perdida, se eu não tivesse perdido aquele dinheiro. 

Com que nos embaraçamos, cristãos ouvintes? Deus se encarrega da nossa direção, e nós estamos na inquietude! Abandonamo-nos à boa fé dum médico porque supomos que ele entende da sua profissão; ele ordena que vos façam as operações mais violentas, às vezes até que vos abram o crânio com o ferro: ali, que vos furem o corpo; aqui que vos cortem um membro para deter a gangrena que poderia enfim chegar até ao coração; a gente sofre tudo isso, fica-lhe agradecido, recompensa-o liberalmente, porque julga que ele não o faria se o remédio não fosse necessário, porque julga que cumpre fiar-se na sua arte; e não queremos fazer a mesma honra ao nosso Deus! Dir-se-ia que desconfiamos da sua sabedoria e que tememos que ele nos transvie! Que? Entregais vosso corpo a um homem que se pode enganar e cujos menores erros vos podem tirar a vida, e não vos podeis submeter à conduta do Senhor!

Se nós víssemos tudo o que Ele vê, quereríamos infalivelmente tudo o que Ele quer; haviam-nos de vir pedir-lhe com lágrimas as mesmas aflições que tratamos de desviar pelos nossos votos e pelas nossas preces. Por isto, é a nós todos que Ele diz nas pessoa dos filhos de Zebedeu: Nescitis quid petitis; homens cegos, a vossa ignorância me faz pena, não sabeis o que me pedis; deixai-me cuidar dos vossos interesses, conduzir-vos à fortuna. Eu conheço o que vos é necessário, melhor do que vós mesmos; se até aqui eu tivesse levado em conta os vossos sentimentos e os vossos gostos, já estaríeis perdidos sem recurso.

Mas quereis, cristãos ouvintes, quereis ficar persuadidos de que em tudo o que Deus permite, em tudo quanto vos sucede, não tem Ele em mira senão as vossas verdadeiras vantagens, a vossa felicidade eterna? Fazei um momento de reflexão sobre tudo o que Ele há feito por vós. Estais agora na aflição: pensai que quem é o autor dela é Aquele mesmo que quis passar toda a sua vida nas dores para vo-las poupar eternas; que é Aquele cujo anjo está sempre ao vosso lado, velando por sua ordem sobre todos os vossos caminhos, e se aplicando a desviar tudo o que vos possa ferir o corpo ou manchar a alma; pensai que quem vos expõe a essa pena é Aquele que nos nossos altares ora incessantemente e se sacrifica mil vezes ao dia para expiar os vossos crimes e aplacar a cólera de seu Pai, à medida que O irritais; que é Aquele que vem a vós com tanta bondade no sacramento da eucaristia; Aquele que não tem prazer maior do que conversar convosco, do que se unir a vós. 

Que ingratidão, após tamanhas provas de amor, desconfiar ainda Dele, duvidar de se é para nos prejudicar ou para nos fazer bem que Ele nos visita! Mas Ele me fere cruelmente, faz pesar a Sua mão sobre mim. E que temeis duma mão que foi transfixada, que se deixou pregar na cruz por vós? Ele me faz andar por um caminho espinhoso. Se não há outro para ir ao céu, ai de vós se preferis perecer para sempre a sofrer por um tempo! Não foi esse mesmo caminho que Ele seguiu, antes de vós e por amor de vós? Achais acaso Nele um espinho que Ele não tenha marcado, que não tenha enrubescido com o seu sangue?

Ele me apresenta um cálice cheio de amargura. Sim, mas pensai que é o vosso Redentor que vo-lo apresenta; amando-vos tanto quanto vos ama, poderia resolver-se a tratar-vos com rigor se não houvesse uma utilidade extraordinária ou uma urgente necessidade? Ouvistes falar daquele príncipe que preferiu expor-se a ser envenenado, a recusar a bebida que seu médico lhe receitara, porque reconhecera sempre naquele médico muita fidelidade e muito apego à sua pessoa; e nós, cristãos ouvintes, nós recusamos o cálice que Nosso Divino Mestre nos preparou Ele próprio, atrevemo-nos a ultrajá-lo até esse ponto! Rogo-vos não esquecerdes esta reflexão; ela basta, se me não engano, para nos fazer aceitar, para nos fazer amar as disposições da vontade divina que nos parecem mais incômodas, e nos conformarmos desse modo com essa vontade suprema; é, aliás, assegurar infalivelmente a nossa felicidade, mesmo desde esta vida.

Eu suponho, por exemplo, que um cristão está liberto de todas as ilusões do mundo, pelas suas reflexões e pelas luzes que recebeu de Deus; que reconhece que tudo não passa de vaidade; que nada lhe pode encher o coração; que aquilo que há desejado com mais afã é muitas vezes fonte dos mais mortais pesares; que a gente custa a distinguir o que nos é útil e o que nos é contrário, por isto que o bem e o mal estão quase por toda a parte misturados, e porque aquilo que ontem era o mais vantajoso é hoje o pior; que os seus desejos só fazem atormentá-lo; que os cuidados que emprega para lograr êxito o consomem e até lhe prejudicam às vezes os desígnios, ao invés de os adiantar; que, ao cabo de tudo, é uma necessidade que a vontade de Deus se cumpra; que nada se faz senão por suas ordens, e que Ele nada pode ordenar a nosso respeito que não nos reverta em vantagem.

Após todas essas vistas, suponho ainda que ele se lance nos braços de Deus como às cegas; que se lhe entregue, por assim dizer, sem condição e sem reserva, inteiramente resolvido a confiar Nele para tudo, e nada mais desejar, nada mais temer, numa palavra, nada mais querer senão aquilo que Ele quiser; digo que, desde esse momento, essa feliz criatura adquire uma liberdade perfeita, que não pode mais nem ser molestada nem constrangida; que não há autoridade, não há poder na terra que seja capaz de lhe fazer violência ou de lhe dar um momento de inquietação.

'Como me quereis obrigar a fazer o que eu não quero?' dizia um santo homem cujos sentimentos são referidos. Seria preciso poder constranger o próprio Deus, para me por no caso de fazer algo contra minha vontade; porque, enquanto Deus fizer tudo o que quiser, eu não posso deixar de ser perfeitamente livre, visto que só quero o que Ele faz. Deus quer que eu adoeça? Pois a moléstia me é mais agradável do que a saúde; que eu seja pobre? Pois eu não queria ser rico; que eu seja o repúdio de todos? Consinto que toda a gente me despreze, fundo toda a minha glória nos seus desprezos. Importa que eu viva aqui ou alhures, que eu passe os meus dias no repouso ou nas intrigas dos negócios, que morra na flor ou no declínio da idade? De tudo isso eu não poderia dizer o que gosto mais; mas, desde que Deus tiver feito a sua escolha, e me tiver feito conhecer para que lado pende o seu coração, o meu seguirá esse pendor, e achará nele a sua felicidade'.

Mas não é uma quimera um homem em quem os bens e os males fazem uma igual impressão? Não, não é uma quimera; conheço pessoas que estão igualmente contentes na moléstia e na saúde, nas riquezas e na indigência; algumas conheço mesmo que preferem a indigência e a moléstia às riquezas e à saúde. De resto, não há nada tão verdadeiro como o que vos vou dizer: tanta submissão temos à vontade de Deus, tanta condescendência tem Ele para com as nossas vontades. Parece que, desde que a gente se apega unicamente a lhe obedecer, Ele próprio só cuida de nos satisfazer: não só ouve as nossas preces, mas até as previne; vai buscar até no fundo do coração aqueles mesmos desejos que a gente trata de sufocar para lhe aprazer, e os realiza, cumula-os, excede-os todos.

Enfim a ventura daquele cuja vontade é submissa à vontade de Deus é uma ventura constante, inalterável, eterna. Temor algum lhe perturba a felicidade, porque acidente algum a pode destruir. Eu o represento como um homem sentado num rochedo no meio do oceano: vê virem a ele as mais furiosas vagas sem ficar atemorizado, acha prazer em considerá-las e contá-las, à medida que elas se lhe veem quebrar aos pés; quer o mar esteja calmo ou agitado, quer o vento empurre as ondas para um lado ou para outro, ele fica igualmente imóvel, porque o lugar em que se encontra é firme e inabalável.

Vem daí essa paz, essa calma, esse semblante sempre sereno, esse ânimo sempre igual que notamos nos verdadeiros servos de Deus. Que razão não tendes, almas santas, de ser sem inquietações? Achastes na vontade do vosso Deus um retiro inacessível a todas as desditas da vida; elevaste-vos muito acima da região das tempestades: não há dardo que possa chegar até lá. Não podeis temer nem os homens nem os demônios. Façam o que fizerem, suceda o que suceder, sereis sempre felizes, ou então o próprio Deus deixará de sê-lo.

Resta ver como é que poderemos atingir essa venturosa submissão. Isto só se pode fazer, senhores, pela experiência frequente dessa virtude; é por isto que as grandes ocasiões de praticá-la são raras, todo o segredo consiste em aproveitar as pequenas, que são diárias, e cujo bom uso em breve nos porá em estado de sustentar os maiores revezes sem sermos abalados. Não há ninguém a quem cada dia não aconteçam cem pequenas coisas contrárias aos seus desejos e inclinações, seja que no-las atraia à nossa imprudência ou nosso pouco espírito, seja que elas nos venham da inconsideração ou da malignidade alheia, seja enfim que constituam um puro efeito do acaso ou do concurso imprevisto de certas causas necessárias. 

Toda a nossa vida é semeada dessas sortes de espinhos, que nos nascem incessantemente debaixo dos pés, que produzem no nosso coração mil frutos amargos, mil movimentos involuntários de ódio, de inveja, de temor, de impaciência, mil pequenas mágoas passageiras, mil ligeiras inquietações, mil perturbações, que, ao menos por um momento, alteram a paz da alma. Escapa-nos, por exemplo, uma palavra que não quiséramos ter dito, dizem-nos outra que nos ofende, um criado vos serve mal ou com vagarosidade, uma criança vos incomoda, um estorvante vos faz parar, um estouvado vos encontrou, um cavalo vos cobre de lama, faz um tempo que vos desagrada, a vossa obra não vai como desejaríeis, um pequeno móvel se quebra, uma roupa se mancha ou se rasga; eu sei que não há aí em que exercer uma virtude bem heroica, mas digo que seria o bastante para adquiri-la infalivelmente se o quiséssemos; digo que todo o que estivesse alerta para oferecer a Deus todas essas contrariedades, e para aceitá-las como ordenadas pela sua providência, esse homem, além de adquirir por essa prática grande número de méritos, além de se dispor insensivelmente a uma união muito íntima com Deus, seria ainda, em pouco tempo, capaz de aguentar os mais tristes e os mais funestos acidentes da vida.

A este exercício, que é tão fácil, e não obstante mais útil para nós e mais agradável a Deus do que vos posso dizer, pode-se ajuntar ainda outro. Embora as grandes desgraças não aconteçam todos os dias, pode-se a gente oferecer a Deus todos os dias para aturá-las quando lhe aprouver. Se Deus vos quisesse tirar ou aquele filho ou aquele marido, se permitisse que perdêsseis aquele processo ou aquele dinheiro que colocastes, precisaríeis duma grande força de espírito para suportar esses golpes tão rudes. 

Não sabeis ainda qual será a vontade Dele sobre esses pontos; preveni-lhe as ordens, e desde agora submetei-vos a tudo quanto Ele resolveu fazer; renunciai com frequência em sua presença a todos os desejos que podeis ter de aumentar ou de conservar os vossos bens, a vossa saúde, a vossa reputação, e protestai-lhe que estais pronto a lhe sacrificar tudo. Pensai todos os dias, desde a manhã, em tudo quanto vos pode suceder de mais molesto durante o curso do dia. Pode suceder que no correr do dia tragam a notícia dum naufrágio, duma bancarrota, dum incêndio; talvez que, antes da noite, recebais alguma afronta pesada, alguma sangrenta confusão; talvez que a morte vos roube a pessoa do mundo que mais amais; não sabeis se vós mesmo não morrereis subitamente e duma maneira trágica. 

Aceitai todas essas desgraças no caso que praza a Deus permiti-las, coagi a vossa vontade a consentir nesse sacrifício, e não vos deis trégua enquanto não a sentirdes disposta a querer ou a não querer tudo o que Deus pode querer ou não querer. Enfim, quando uma dessas desditas se fizer efetivamente sentir, em lugar de perderdes tempo em vos queixardes ou dos homens ou da fortuna, ide lançar-vos prontamente aos pés do Divino Mestre, para lhe pedir a graça de suportar com constância aquele infortúnio. Um homem que recebeu uma chaga mortal, se é prudente, não corre atrás de quem o feriu. Vai primeiro ao médico que o pode curar. Mas quando, em tais conjunturas, buscásseis o autor dos vossos males, seria ainda a Deus que cumpriria ir, pois só Ele lhes pode ser a causa.

Ide, pois, a Deus, mas ide prontamente, ide na mesma hora, seja o primeiro de todos os vossos cuidados: ide levar-lhe, por assim dizer, a flecha que Ele vos atirou, o flagelo de que se serviu para vos provar. Beijai mil vezes as mãos do Vosso Senhor crucificado, essas mãos que vos feriram, que fizeram todo o mal que vos aflige. Repeti-lhe muitas vezes estas palavras que Ele próprio dizia a seu Pai no auge da sua dor: 'Senhor, faça-se a vossa vontade, e não a minha'. Dizei-lhe: 'Eu vos bendigo mil vezes, eu vos dou graças de que as vossas ordens se cumpram sobre mim; e quanto estivesse em meu poder resistir-lhes, eu continuaria a me submeter a elas. Aceito esta calamidade em si mesma como em todas as suas circunstâncias; não me queixo nem do mal que sofro, nem das pessoas que me causam o mal, nem do modo por que ele veio até mim, nem da conjuntura do tempo ou do lugar em que ele me surpreendeu; estou certo de que o quisestes sob todos esses pontos de vista, e gostaria mais de morrer do que de me opor ao que fosse de Vossa Vontade: Fiat voluntas tua... Sim, meu Deus, em tudo o que quiserdes de mim, hoje e por todos os tempos, no céu e na terra, faça-se essa vontade, e esta se faça na terra como se cumpre no céu'.

(Dos Escritos de São Cláudio de La Colombière) 

domingo, 26 de outubro de 2014

OS DOIS GRANDES MANDAMENTOS

Páginas do Evangelho - Trigésimo Domingo do Tempo Comum


Eis chegada agora a vez dos fariseus tramarem contra Jesus, após os tentadores de primeira hora, os saduceus, aos quais 'Jesus tinha feito calar' (Mt 22, 34). Cientes das manifestações anteriores das sábias palavras do Senhor e testemunhas de suas respostas demolidoras diante da perfídia e tentativas de manipulação dos saduceus, era preciso adotar desta vez estratégias mais elaboradas e mais ardilosas para induzir Jesus à contradição ou à suspeição da sua observância a algum preceito fundamental da lei judaica.

E, cingidos de todos os cuidados pela astúcia e pela malícia, reuniram-se em grupo, definiram-se pela pergunta mais ardilosa e escolheram 'um deles' (Mt 22, 35) para fazê-la, provavelmente aquele que fosse capaz de apresentar a questão aparentemente de forma mais sincera e espontânea possível: 'Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?' (Mt 22, 36). E, diante a insincera indagação do homem fragilizado pelo pecado, a sabedoria divina vai pronunciar que, é no amor a Deus, traduzido em dois grandes mandamentos, que está contida toda a Lei e toda glória humana.

'Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento!' (Mt 22, 37). O amor de Deus não contempla divisões, parcelas, frações... impõe-se como a perfeição do todo, na manifestação plena de todos os sentidos e de todos os afetos humanos; não permite partilhas ou ressalvas, é o todo em tudo que fazemos, é tudo em todas as coisas que possuímos. De todo coração, de toda a alma, de todo o entendimento constitui a percepção da plenitude sem concessões de natureza alguma, a síntese de que o amor de Deus só pode ser emanado a partir de todas as forças da vontade humana, de toda a potência da alma entregue e disposta a cumprir, como meta única e definitiva, a Santa Vontade de Deus.

O pleno cumprimento da Vontade de Deus exige o amor incondicional ao próximo: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’ (Mt 22, 38). Amor ao próximo no amor de Deus: a face do irmão refletida no espelho de nossa alma, pois o amor sem medidas tem como princípio a caridade. Nas palavras de Jesus ao Doutor da Lei, afloram os dois grandes mandamentos que constituem a síntese da perfeição do amor que, nascido do coração humano, eleva-se sem máculas e em plenitude até o Coração de Deus. 

sábado, 25 de outubro de 2014

'DOMINE, NON SUM DIGNOS...'


Há muito tempo, em Roma, para além da Porta Nomentana, erguia-se um amontado de míseros casebres, onde viviam centenas de escravos foragidos, comediantes arruinados, mendigos, traficantes e gladiadores estropiados, que pareciam mais ameaçadores com seus andrajos do que os arrogantes vigias do Emporium com suas pesadas lanças rebrilhantes. Aquele perigoso refúgio, raramente visitado pelos agentes de César, era apelidado a 'Pequena Salária', ou melhor 'A Salária'.

Por entre as vielas sórdidas e sombrias da Salária, um dos tipos mais populares era o velho Flaminius, o Sereno. Pela manhã, muito cedo ainda, arrastando-se lentamente, deixava o seu miserável tugúrio e dirigia-se para o pátio da Semita, em busca de sol, sob as árvores ferrugentas. Era um homem alto, magro, de faces amortecidas e olhar distraído. A sua cabeleira, inteiramente branca, sempre revolta, dava-lhe uma estranha aparência de profeta gaulês. Usava, habitualmente, uma espécie de túnica avermelhada, suja, esfarrapada, que mal lhe chegava até os joelhos. De que vivia? Onde ia buscar recursos aquele ancião que não esmolava na Praça do Mercado nem era visto a tirar sortes nas escadarias dos templos? Repontava aí a sombra de um mistério, que o tempo jamais conseguiria esclarecer.

Garantiam alguns que o velho Flaminius era amparado por um antigo senador, íntimo de Augusto, que ele conhecera muitos anos antes, em Nápoles, quando trabalhava no porto, carregando as galeras de Tibério. E, na verdade, Flaminius, que agora arrastava a sua triste decrepitude na Salária, tivera, em sua vida, um período de prosperidade e alegria. Casara-se com uma camponesa da Sicília e tivera dois filhos. O filho mais moço fez-se soldado e alistou-se nas legiões de César. O outro — Cláudio, o Belo — fizera-se poeta. Tornara-se popular na corte. As suas poesias eram declamadas pelos nobres e elogiadas pelo imperador. Até os cônsules, altivos, com prestígio entre os senadores, invejavam os triunfos do jovem Cláudio. 

Flaminius orgulhava-se deste seu filho, que os deuses haviam cumulado de talento. Mas Cláudio tinha sido ambicioso. Ligou-se a um certo Marcus Lucius, político sem escrúpulos, que Tibério escolhera, no período mais agitado de seu governo, para pacificar uma província grega. Lucius partiu e levou o poeta. E, de Atenas, Cláudio jamais regressou. O desaparecimento do filho amado cortou o coração de Flaminius. Abandonou o trabalho em Nápoles e passou a viver em Roma, entre aventureiros da pior espécie, sem pão, sem conforto, sem esperança. Sua esposa abandonou-o e partiu para a Espanha, com alguns parentes ricos. 

Mas, no meio de tanta desgraça, Flaminius sentia-se feliz. As palavras, que ele ouvira de um oráculo do Templo de Vesta, enchiam o seu coração de esperanças. Passara-se o caso num dos últimos dias de setembro, quando os fiéis traziam suas oferendas aos seus deuses. Cruzava Flaminius o átrio do Templo, quando ouviu que o chamavam. Era um dos oráculos. Trajava uma túnica branca, muito alva, vistosamente recamada de franjas...'Não se lembras de mim, Flaminius?' O ancião aproximou-se, desconfiado. Surpreendia-a, além do mais, o tom amistoso daquele profeta de olhos mortiços e rosto pálido.' Quero recordar-te' — prosseguiu o oráculo olhando fito no velho — 'que há vários anos passados, quando reinava Augusto, em Nápoles, certa noite, socorreste um viajante que fôra assaltado no porto. Graças a teu auxílio, ele conseguiu livrar-se do sicário. Esse viajante era precisamente eu. Devo-te, portanto, a vida. Quero agora prestar-te igualmente um benefício. Vou ler o teu futuro.

Flaminius parou diante do oráculo. Cruzou os braços sobre o peito e aguardou impassível a terrível e arrebatadora sentença. 'O teu nome será esquecido. A tua memória será apagada por completo e desaparecerá como as cinzas levadas pelo vento. Mas as palavras admiráveis de teu filho jamais serão olvidadas. Milhões e milhões de homens, no desenrolar dos séculos, repetirão por todos os recantos do mundo as palavras de teu filho! Que júbilo, que glória imensa para o teu coração de pai!'

Ao retornar ao seu casebre de Salária, o velho Flaminius assim meditava: 'Vivi sempre obscuro; morrei esquecido e obscuro. Não importa! Mas a glória perpetuará, sobre a terra, o nome de Cláudio, meu filho. Os seus versos que César não se cansava de repetir, serão lembrados pelos homens, no desenrolar dos séculos! ... Que importa a pobreza em que vivo! Consola-me a certeza de que meu filho Cláudio terá por prêmio a imortalidade!

E o velho Flaminius, a quem as palavras do oráculo deram alento para resistir a todas as amarguras e vicissitudes de sua negra existência, teve um fim trágico. Ao regressar, um dia, de um visita ao templo de Júpiter, avistou, num recanto da praça Salutis, um soldado espancando cruelmente uma pobre menina. O agressor, irritado com a intervenção inesperada daquele desconhecido, não hesitou em atravessá-lo com uma punhalada.

Flaminius pereceu heroicamente... E assim como previra o oráculo, como a cinza que o vento espalha, apagou-se entre os homens a lembrança daquele que fora em vida Flaminius, o Sereno. Após a morte, viu Flaminius surgir diante dele a figura radiosa de um Anjo: 'Flaminius — disse o Enviado de Deus, em tom mavioso de paciência — a tua morte gloriosa mereceu-te uma recompensa no Céu. Fala, meu bom amigo, e o Eterno ouvirá a tua voz'. — 'Nada fiz, estou certo, para merecer a menor recompensa da misericórdia de Deus. Confesso, porém, que tenho o coração torturado por uma grande angústia. Gostaria de retornar ao mundo, no fim de alguns séculos, a fim de verificar se os homens, conforme me garantiu o oráculo, conservam, na memória, os versos de meu filho. Que indizível alegria para mim certificar-me de que meu filho, por seu gênio incomparável, tornou-se imortal!'

Deus, na sua infinita misericórdia, atendeu ao pedido daquele pai. E, decorridos dezenove séculos, Flaminius, conduzido por um Anjo, retornou a Roma. Por todos os recantos da terra erguiam-se cruzes. A religião que César havia desprezado, a princípio, e perseguido mais tarde, vencera, afinal, e dominava o mundo. Flaminius, o Sereno, guiado pelo Anjo, entrou num grande templo cristão. Milhares de fieis achavam-se em oração; um jovem sacerdote, revestido de riquíssima paramenta, debruada com fios de ouro, junto a um belíssimo altar, adorava o verdadeiro Deus, Jesus, Nosso Senhor! Flaminius não cabia em si de deslumbramento! Tudo ali era para ele motivo de indescritível assombro! 

E balbuciou muito humilde (e suas palavras só eram ouvidas pelo Anjo): 'E os versos de meu filho? Poderei ouvi-los aqui, neste Templo, cheio de cristãos, que erguem para o Céu as suas preces lamuriantes?' — 'Sim' — confirmou o Anjo — 'dentro de alguns instantes! Rejubila-te! Todos os cristãos, aqui reunidos, repetirão as palavras de teu filho!' Decorridos alguns minutos cessaram os cânticos. Fez-se profundo silêncio. E o sacerdote, batendo no peito três vezes, suplicou cheio de humildade e confiança:

— Domine, non sum dignos ut intres sub tectum meum...
(Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa...)

'Eis aí' — acudiu o Anjo — 'Acabaste de ouvir! Foram estas palavras proferidas, há muitos séculos por teu filho e, até hoje, os homens as repetem diante de Deus! Sinto dizer-te, porém, que não são versos de Cláudio, o poeta; são simples palavras proferidas por Marcelo, teu filho mais moço'

Flaminius quedou um momento perplexo e replicou, esboçando um sorriso pálido: 'Aquele que se fez soldado?' — 'Sim' — confirmou o Anjo, num tom de absoluta confiança — 'aquele que se alistou nas legiões de César! Marcelo era um homem bom e caridoso: apiedava-se dos sofrimentos alheios; socorria os pobres; consolava os aflitos. Quando servia às ordens de Herodes, tetrarca da Galiléia, um dos seus servos adoeceu com uma grave paralisia. Marcelo, neste tempo, fora promovido; já era centurião. E todos os homens de sua centúria o estimavam.

Inspirado pela delicadeza de sua sensibilidade, cuidou Marcelo de acudir, com desvelo, ao servo enfermo. Todos os remédios, aconselhados por amigos e vizinhos, ele experimentava, sem resultado. Alguém sugeriu: 'Chefe! Por que não apelas para Jesus de Nazaré? Dizem que o rabi faz milagres!' Marcelo era puro de coração e, muito embora fosse romano, acreditava naquele rabi, cheio de simplicidade e candura, que sorria para as crianças e curava os enfermos com o simples estender suave de suas divinas mãos. Não se atreveu, porém a ir procurar Jesus e pediu a alguns israelitas, fossem em busca do Mestre, de cujo amparo o infeliz servo tanto necessitava. Jesus, Nosso Senhor, com seus discípulos, dirigiam-se para Cafarnaum, quando recebeu o pedido de dois anciãos, amigos de Marcelo. E disse aos que o acompanhavam: 'Sim, irei até lá!'.


Quando o centurião romano foi informado de que Jesus de Nazaré se dirigia à sua morada, levantou-se imediatamente a passos rápidos, seguido de alguns ajudantes e servos e foi ter, muito respeitoso, ao encontro do Mestre. E disse-lhe, com extrema humildade: 'Senhor! Eu não sou digno de que entreis na minha morada! (Domine, non sum dignus...) Basta que digais uma só palavra e, estou certo, meu servo estará para sempre curado!' E, como Cristo o fitasse surpreendido, ajuntou: 'Porque eu, Senhor, sou militar e sei muito bem o que é obedecer e o que é mandar! Estou sujeito à autoridade de meus chefes, e tenho soldados às minhas ordens! Digo a um: 'Vai!' E ele segue o rumo que indiquei. Digo a outro: 'Vem cá!'  E ele se aproxima de mim! Basta, pois, Senhor, uma só palavra Vossa, e meu servo será salvo'.

Ouvindo isto, Jesus se admirou; e, voltando-se para o povo que o seguia, disse: 'Em verdade, em verdade eu vos digo que nem em Israel achei tão grande fé'. E disse ao bom centurião: 'Vai, e que se cumpra como tu me pedes!' E, naquela mesma hora, ficou curado o servo! Que restam dos versos famosos de Cláudio, o festejado poeta? Nada! Os homens não se lembram mais das odes admiráveis que César elogiava e que os comediantes mais ilustres declamavam nos festins romanos. Mas as palavras do bom-soldado são repetidas todos os dias, com profunda veneração, por milhares de lábios humildes! E por quê? ... Escuta, meu filho, as palavras ditas com fé, para a salvação de uma alma, ficarão na lembrança dos homens per omnia saecula saeculorum!

(texto original publicado na obra 'Novas Lendas Orientais', de Malba Tahan; texto readaptado da versão apresentada  em http://pastoralteologica.blogspot.com.br) 

REGRAS DE VIDA DE SANTO ANTÔNIO MARIA CLARET

1. Jesus e Maria são todo o meu amparo e guia, e os modelos que me proponho a seguir e imitar. Além disso, tenho como protetores e exemplos os gloriosos São Francisco de Sales, São Carlos Borromeu, Santo Tomás de Villanueva e São Martinho. 

2. Lembrarei das palavras do Apóstolo escrevendo a Timóteo: Attende tibi et doctrinae - 'olha por ti e pela instrução dos outros', tal como diz Cornélio: Haec duo munia sunt episcopi... qui aliterfaciunt... nec sibi nec aliis prosunt.  

3. Todo ano farei os santos exercícios espirituais.

4. Todo mês farei um dia de retiro espiritual. 

5. Toda semana, pelo menos uma vez, me confessarei. 

6. Três dias por semana tomarei disciplina e nos demais dias me porei o cilício ou outra coisa equivalente. 

7. Jejuarei toda sexta-feira do ano e na vigília das festas do Senhor e da santíssima virgem. 

 8. Levantarei diariamente às três horas, ou antes, se não conseguir dormir; irei dormir às vinte e duas horas. Assim que me levante, rezarei Matinas, Laudes e lerei a santa Bíblia até a hora da meditação. 

9. Farei uma hora de meditação. 

10. Celebrarei a santa missa e empregarei meia hora para ação de graças e para pedir graças para mim e para os outros. 

11. Em seguida me dirigirei ao confessionário até as oito horas.Nessa hora tomarei o café da manhã e, em seguida, voltarei ao confessionário. Se não houver penitentes, ocuparei o tempo com outra coisa até as onze, quando iniciarei a audiência pelo espaço de uma hora. Às doze horas rezarei o Ângelus e farei o exame (de consciência). 

12. Às doze e quinze, almoçarei, ouvindo uma leitura espiritual. 

13. Descanso até as treze e trinta. 

14. Trabalharei até às oito e meia, quando rezarei o rosário e outras devoções. 

15. Às nove horas janto e, às dez, descanso. 

16. Proponho jamais perder um instante de tempo. Por isso estarei sempre ocupado, estudando, rezando, pregando ou ministrando os sacramentos, etc. 

17. Proponho-me estar sempre na presença de Deus e dirigir a ele todas as coisas, não buscando jamais elogios, e sim, unicamente a maior glória de Deus, à imitação de Jesus, a quem procurarei sempre imitar, pensando como ele se portaria em tais ocasiões. 

18. Proponho executar bem, e do modo que me parecer melhor, as coisas comuns. Diante de duas alternativas, procurarei escolher sempre a melhor, mesmo que custe sacrifício à vontade própria, e particularmente escolherei o que for mais pobre, humilde e doloroso. 

19. Proponho conservar sempre um mesmo humor equilibrado, sem jamais me deixar dominar pela ira, impaciência, tristeza, nem por demasiada alegria, lembrando-me sempre de Jesus, de Maria e de José, que também tiveram suas aflições, e maiores que as minhas. Pensarei que Deus assim o dispôs para o meu bem. Por isso mesmo, não me queixarei, mas direi: Faça-se a vontade de Deus. Lembrarei do que diz santo Agostinho: Aut facies quod Deus vult, aut patieris quod tu nonvis - ou fazes o que Deus quer ou padecerás o que tu não queres). 

20. Também recordarei o que Deus recomendou à santa Maria Madalena de Pazzi: Que sempre mantivesse o mesmo humor inalterável, uma grande bondade no trato com qualquer tipo de pessoa e que jamais pronunciasse uma palavra de lisonja. Lê-se que são Martinho nunca foi visto irritado, nem triste, nem dando risadas, e sim, sempre com a mesma disposição, com celestial alegria. Tamanha era sua paciência que, mesmo sendo bispo, se algum clérigo o ofendesse, podia ter a certeza de que não seria castigado. 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

HORA SANTA DE OUTUBRO


Esta é uma hora três vezes santa, pela proximidade de Jesus Cristo a nossas almas pobrezinhas. A ferida sempre aberta de Seu peito fala-Lhe da terra e O força docemente a atender, ao mesmo tempo em que os cânticos do céu, as súplicas e os gemidos sobem do desterro. Ele avança agora para o abismo de nosso nada, sedento de almas. Avancemos também nós para o abismo de Seu Coração até sucumbir ditosamente nele. Senhor Jesus, faz que compreendamos o dom inefável de Vosso Divino Coração!

(Breve Pausa)
(Pedi-Lhe a luz da fé para conhecê-lO, caridade abrasadora para amá-lO e para fazê-lO amar em Seu Sagrado Coração)

Getsêmani, o horto da agonia mortal do Mestre, não desapareceu. Perpetua-se em cada Sacrário da terra. Ele está aqui, pois, na Hóstia. Nela, Jesus agonizante sente os desfalecimentos de uma angústia suprema e de uma caridade incontrolável. Triste até a morte nesse tabernáculo, Ele anseia, oh, dulcíssima misericórdia!, encontrar uma reparação, descansar em nossos peitos e confiar-nos aí todo o tesouro de aflição e de carinho em que extravasa Seu adorável Coração. 

A terra em que agora o adoramos é terra santa. Aqui está realmente Jesus, o jovem encantador de Nazaré. Jesus, o Mestre compassivo de Tiberíades. Aqui, está Jesus, o Amigo de Betânia. Sim, aqui, a dois passos, está o amável moribundo de Getsêmani, a Vítima adorável do Calvário. Oh, noite mais formosa que a alvorada! À sua sombra, de inefável paz, São João e Santa Maria parecem aproximar-se a este altar para compartilhar conosco o segredo que, ao descansar sobre seu Coração, lhes confiou o Prisioneiro do amor. 

(Pausa) 
(Declarai-lhe em doce intimidade que o amais com toda o alma, com amor de desagravo) 

A sós com Jesus! Que delícia! A sós com Ele, compartilhando Sua solidão e Sua agonia! Mas escutai; lá fora ruge uma tormenta de ódio contra o perseguido Jesus Cristo. O eco dos séculos vai gritando ante as grades de seu cárcere, a blasfêmia horrenda do povo grita: 'És réu de morte... Crucifica-o!' Que mal nos fez esse Deus ensanguentado? Almas piedosas, que desejam consolá-lO, vede-O chegar nesta Hora Santa, pressionado sob o peso de Sua Cruz. Vem ferido na alma, percorrendo uma Via Dolorosa que parece não ter fim. Vem, mas abraçado sempre a Seu patíbulo. Ama-nos tanto! Vede-O. Chega agoniado, perdida a formosura de Seus olhos na formosura de Suas lágrimas. Vem exausto de sangue e transbordante em misericórdia Seu doce Coração. Já está aqui. Oh, mistério inefável! Se compreendêssemos o dom desta aproximação de Jesus, a graça incomparável de sua vizinhança consoladora no Sacrário. Está aí... A um passo... Ao abençoar-nos, à sombra de Sua mão nos atinge.

(Breve Pausa) 

E o que é que procura? Uma trégua às Suas dores. Quer o amor de Seus amados. Que venha então. Ah, sim! Que venha repousar nesta Hora Santa ao calor de afeto de nossas almas compassivas. Os anjos do Santuário escutam abismados uma harmonia triste e misteriosa: é como o eco, nunca apagado, de um divino lamento: o do Getsêmani. É o gemido salvador do Gólgota, que parece repercutir ao renovar-se este sacrifício incruento do altar. Desde o fundo do Sacrário, Seus lábios, encharcados na amargura de todas as ingratidões, nomeiam-nos com bênção de amor a todos os que nesta Hora Santa viemos chorar com Ele a desventura de Seu amor menosprezado. É grande, que imensa é a dor que Lhe atormenta... Mas é maior ainda, é infinito, o amor que o tortura!

Quanta dignidade a deste Salvador! Quer confiar-nos Suas tristezas; está ansioso de desafogar conosco a decepção sofrida com tantos que, tomados de favores, chamaram-se Seus discípulos, e depois O abandonaram. Mais fieis ainda do que São Pedro, que São Tiago e que São João no Horto da agonia, escutemo-IO nós, pois quer falar-nos pela ferida de Seu amante Coração. 

(Pausa mais longa) 
(Solicita com fervor e humildade a graça de escutar a voz do Senhor, que pede e que se queixa) 

(Lento)

Voz do Mestre 

Fazia tanto tempo, alma querida, que vos aguardava aqui na Hóstia para contar-vos o amor que Me devora. Abençoo-vos, porque tiveste compaixão de vosso Deus encarcerado, sumido em amarga solidão. Tinha sede de vós. Por fim vos venci. Admite vós mesmo, sim, repete-me que Meu Coração vos venceu. Assegura-Me em seguida que Me amas. Que vós também sentes sede de Mim, e sede devoradora. 

Longe de Meu lado, vós, que és pó e nada, quantas vezes riste e gozaste. Eu sem vós, Eu, vosso Deus, por recobrar-vos, deixei aos anjos, deixei aos céus, e, depois de trinta e três anos de agonia, expirei num madeiro. Rompeste um dia minhas correntes. E livre de Meus braços pela culpa, ai, como pudeste amar tão triste liberdade? Olhe as mudanças, os disfarces que na terra Me forjei para atar-Me a vosso ingrato coração. Aqui me tens, constituído Prisioneiro ditoso de vosso amor. Como me pagaste? 

Perdoo-vos; mas sereis desde hoje, em desagravo, inteira e eternamente Meu. Filho tão amado, contempla-Me traído e só, só e blasfemado, só e escarnecido, só e sempre abandonado. Como Me fere esse esquecimento, sobretudo o dos bons; como Me magoa a covardia e indiferença dos que se chamam Meus amigos! Tenho aqui o Coração que tanto amou aos homens, e dos quais é tão mal correspondido. Terá dor semelhante a Minha dor? Minha alma está triste até a morte. Acerca-vos, põe os lábios na ferida de Meu lado, e, em reparação de amor, diga que Me amas com todo vosso coração, com toda vossa alma e todas vossas forças. Dá-Me de beber vossa alma. Tenho sede de vossa felicidade.

(Cortado e muito lento) 

Chamei a vossa consciência tantas vezes por Minha graça, e emudeceste. Recordas? Perdoo vosso desdém e vosso silêncio. Esperei muito próximo de vossa alma semanas, meses, longos anos. Supliquei-vos que Me abrisses. E me recusaste... Lembras- vos? Perdoo essa cruel deslealdade. Arrojado de todas as partes, mendiguei um consolo e o albergue de vosso coração. Por respeito humano, por falta de abnegação ou por indiferença, Me negaste-o. Recordas? Esqueço essa perfídia. Quando repartias carinho a todos, pedi para Mim uma centelha desse afeto. Todas as criaturas chegam sempre a tempo, todas. E Eu, alma querida, por que só Eu chego sempre tarde? Por que Me feres? Quando e em que vos tenho contristado? Responde-Me! 

(Breve pausa) 
(Cortado)

Tive fome de dar consolo aos enfermos e aos tristes. Procurei um refúgio nas casas da dor humana. Entrei com ousadia nelas, pois sou o Deus consolador de todas as misérias. E aqui Me têm jogado com ignomínia de centenas de hospitais, da cabeceira dos anciãos e dos berços dos órfãos. Que mal vos fez Minha compaixão e Minha ternura? Oh! Vocês, filhinhos Meus, amai-Me, em reparação de tanta crueldade. Amai-Me muito. Sou Jesus... 

Tive sede de um amor sem mancha: o das flores da infância. Procurei o carinho dos meninos pois, ao baixar do Calvário de Minhas decepções, recordei os lírios e as brisas de Minha Nazaré inesquecível, quando Eu também fui Menino. Oh, dor! Escuta, alma consoladora, como os que se chamam sábios no mundo Me renegam e amaldiçoam. Que mal fiz a vossos filhos? Amai-Me, oh! Amai-Me muito. Sou Jesus... Estive ansioso de fazer-vos felizes, dando-vos a verdadeira paz, que o mundo não possui, e vos roguei que me aceitásseis, como um dos vossos, no íntimo de vosso lar. Quis constituir-Me e ser chamado o Pai, o Esposo adorado, o Irmão inseparável. 

E o lar Me despediu. Mas não irei. Ah, não! Aqui me tendes aguardando com doçura que um pesar me abra, ainda que tarde, sua porta, pois as de Meu Coração jamais se fecham. Eu sou Jesus, a paz e o amor das famílias. Deixai em Minha frente, se quereis, a coroa dos espinhos, deixai-a sangrenta e crudelíssima, mas dai-Me, vo-lo peço por Minha Mãe, dai-Me hospedagem em vossas casas, consenti que Eu reine no lar. Amai-Me na família. Sou sua vida. Amai-Me muito, porque eu sou Jesus...

(Pausa longa) 

E agora, fala-Me vós, alma ditosa; fala-Me em íntima confiança, a este Deus que é todo caridade. Eis-Me aqui, benigno e manso, sou Jesus de Nazaré. Que poderia negar-vos nesta Hora Santa, em que vieste compartilhar Meus abandonos e Minhas agonias? Aqui Me tens; entrego-vos o Coração que tanto vos amou. Não posso conter os ardores do amor que vos professo. Chama-Me, e serei mil vezes vosso. Fala-Me, sou vosso Irmão. Adora-Me, sou vosso Deus. Consola-Me, com todo o amor de vossa alma. 
Eu sou Jesus... 

(Pausa) 

(Enquanto tantos bons dormem, enquanto tantos desgraçados pecam, o Senhor Jesus segue agonizando misticamente no Sacrário. Aproximemo-nos e falemos, em doce intimidade, a Seu Coração que nos aguarda) 

(Lento e sempre cortado) 

Voz da alma 

Que tenho eu, Senhor Jesus, que Vós não me tenhas dado? O que sei eu, que Vós não me tenhas ensinado? O que valho eu, se não estou ao Vosso lado? O que mereço eu, se a Vós não estou unido? Perdoa-me os erros que contra Vós tenho cometido! Pois me criaste sem que eu o merecesse, e me redimiste sem que eu o pedisse. Muito fizeste em criar-me, Muito em redimir-me. E não será menos poderoso em perdoar-me. Pois o muito sangue que derramaste, e a acerba morte que padeceste, não foi pelos anjos que Vos adoram, senão por mim e o restante dos pecadores que Vos ofendem. Se Vos neguei, deixa-me reconhecer-Vos; se Vos injuriei, deixa-me adorar-Vos; se Vos ofendi, deixa-me servir-Vos, porque é mais morte do que vida, a que não está empregado em Vosso santo serviço. 

(Breve pausa) 

Que bem me encontro assim, reclinado maciamente no céu de Vosso peito! E este, só este, o lugar de meu descanso eterno. Este, o Tabernáculo onde escuto Vossas palavras de vida e Vossas lamentações de amor e sacrifício. Deixa de sofrer, Mestre e atende o hino de minha alma, ansiosa de confundir-se, num abraço eterno, com a Vossa; escuta-me, Jesus irmão.

(Lento) 

Coração de Jesus, dulcíssimo com os pecadores: um pecador Vos fala... 
Coração de Jesus, caminho dos extraviados: um pródigo Vos procura... 
Coração de Jesus, suavidade dos que sofrem: um desgraçado chama em Vosso santuário... 
Coração de Jesus, amigo fidelíssimo do homem, um amigo ingrato está aqui e Vos chora... 
Coração de Jesus, bonança nas contínuas vacilações da vida; uma alma combatida Vos chama em seu socorro...
Coração de Jesus, fogueira de santidade no amor, minha alma anseia saciar-se em Vós de amor e santidade... 
Coração de Jesus agonizante, esperança dos moribundos, lembra-Vos dos que nesta mesma hora lutam nas convulsões da morte...
Tem piedade dos agonizantes, os salva segundo Vossa grande misericórdia...
Envia-lhes, Senhor, o anjo de Getsêmani, e acerca a seus lábios que já não podem chamar-Vos o cálice de Vosso Coração piedoso...
Coração de Jesus, lembra-Vos dos moribundos mais desamparados! 

(Pedi pelos agonizantes) 
(Pausa) 

Vossa terna Mãe e Vossa Cruz são testemunhas desta Vossa amabilíssima palavra: 'Vim em procura dos enfermos, dos extraviados, das ovelhas perdidas de Israel'. A Virgem Maria recolheu zelosa, em beneficio dos pecadores, Vossas lágrimas de sangue. Em união, pois, com Ela, boa, misericordiosa, refúgio dos pecadores e caídos, peço-Vos por aqueles que ao ofender-Vos não sabem o que fazem. O mundo lhes condena inexorável; mas Vós, que conheceis a fraqueza humana e que lês tão adentro dessas almas infelizes, Vós, Jesus, tem piedade, tem paciência, tem perdão para com elas em Vosso amável Coração.

Peço-Vos, rogo-Vos, em nome de Vossa Eucaristia, pelos pobres pecadores. Perdoa-os, Jesus, e escreve seus nomes no livro da vida. Divino Salvador das almas, coberto de confusão me prostro em Vossa presença, e, dirigindo minha vista ao solitário Tabernáculo, sinto oprimido o coração ao ver o esquecimento em que Vos têm relegado tantos dos redimidos. Mas já que com tanta condescendência permites que nesta Hora Santa uma de Vossas lágrimas (...) às que verteu Vosso benigno Coração, rogo-Vos, Jesus, por aqueles que não rogam, louvo-Vos por tantos que Vos amaldiçoam e, com todo o ardor de minha alma, Vos clamo e Vos adoro em todos os sacrários da terra. Aceita, Senhor, o grito de expiação que um pesar sincero arranca de nossas almas afligidas. Elas vos pedem piedade; pelos meus pecados, pelos de meus pais, irmãos e amigos. 

(Todos, em voz alta) 

Piedade, ó Divino Coração! Pelas infidelidades e sacrilégios. 
Piedade, ó Divino Coração! Pelas blasfêmias e profanações dos dias santos. 
Piedade, ó Divino Coração! Pela libertinagem e os escândalos públicos. 
Piedade, ó Divino Coração! Pelos corruptores da juventude. 
Piedade, ó Divino Coração! Pela desobediência sistemática à Santa Igreja. 
Piedade, ó Divino Coração! Pelos crimes dos lares, pelas faltas dos pais e dos filhos. 
Piedade, ó Divino Coração! Pelos atentados cometidos contra o Romano Pontífice. 
Piedade, ó Divino Coração! Pelos transtornadores da ordem pública social cristã. 
Piedade, ó Divino Coração! Pelo abuso de sacramentos e o ultraje a Vosso santo Tabernáculo. 
Piedade, ó Divino Coração! Pela covardia dos ataques da imprensa, pelos maquinadores de seitas tenebrosas. 
E, por fim, Jesus, pelos bons que vacilam e pelos pecadores obstinados que resistem à Vossa graça... Piedade, ó Divino Coração! 

(Pausa) 

As doze promessas

Não nos basta, Senhor, Vossa misericórdia. Vossos interesses são os nossos, queremos Vosso Reinado. Pedimos, bom Jesus, que cumpras conosco as promessas que fizestes à Vossa confidente Margarida Maria em beneficio das almas que Vos adoram na formosura indizível, na ternura inefável, no amor incompreensível de Vosso Sagrado Coração. Por isso Vos pedimos com Vossa Santa Igreja, suplicamos-Vos pela Virgem Mãe, exigimos-Vos pela honra inviolável de Vosso nome, que estabeleças já, que apresses o reinado de Vosso amante Coração. 

(Todos, em voz alta) 

Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

1ª. Jesus, reine logo, antes que Satanás e o mundo arrebatem as consciências e profanem em Vossa ausência todos os estados da vida... 
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

2ª. Jesus, triunfe nos lares, reine neles pela paz inalterável, aos que Vos receberam com hosanas... 
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração.

3ª.  Não demores, Mestre muito amado, porque muitos destes padecem aflições e amarguras que só Vós prometestes remediar. 
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração. 

4ª. Vem, porque és forte. Vós, o Deus das batalhas da vida, vem ... mostrando-nos Vosso peito ferido como esperança celestial na hora da morte... 
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração. 

5ª. Seja Vós o sucesso prometido em nossos trabalhos, só Vós a inspiração e recompensa de todas as empresas. 
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração. 

6ª. E Vossos prediletos, quer dizer, os pecadores, não esqueças que para eles, sobretudo, revelaste as ternuras Incansáveis de Vosso amor.
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração. 

7ª. São tantos os mornos, Mestre, tantos os indiferentes a quem deves inflamar com esta admirável devoção! 
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração. 

8ª. 'Aqui está a vida', disseste-nos, mostrando-nos Vosso peito atravessado. Permite, pois, que aí bebamos o fervor, a santidade, a que aspiramos. 
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração. 

9ª. Vossa imagem, a pedido Vosso, foi entronizada em muitas casas. Em nome delas Vos suplico sigas sendo, em todas, o Soberano muito amado. 
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração. 

10ª. Põe palavras de fogo, persuasões irresistíveis, vencedoras, naqueles sacerdotes que Vos amam e que Vos pregam como São João, Vosso Apóstolo amado. 
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração. 

11ª.  E a quantos ensinem esta devoção sublime, a quantos publiquem vossas inefáveis maravilhas, reserva-lhes, Jesus, uma fibra vizinha àquela em que tens gravado o nome de Vossa Mãe. 
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração. 

12ª.  E, por fim, Senhor Jesus, dá-nos o céu de Vosso Coração enquanto compartilhamos Vossa agonia na Hora Santa, por esta hora de consolo e pela Comunhão das primeiras sextas-feiras; cumpre conosco Vossa promessa infalível. Pedimos-Vos que na hora decisiva da morte... 
Venha a nós o reinado de Vosso amante Coração. 

(Pedi-lhe que cumpra suas promessas de vitória, que reine nas almas e na sociedade) 
(Pausa) 

No seio de meu lar, bom Jesus, há penas muito fundas e secretas. Se Vós reinasses entre os meus com toda a intensidade de amor que Vós mereces, ah! não haveria em minha casa tantos e tão amargos pesares! Vem, vem! Amigo de Betânia, pois em minha família há alguém que está enfermo e Vós o amais. Quando Vós estais, as mesmas penas são suaves, e ao Vosso lado, os espinhos têm bálsamo de paz. Vem, pois, e não tardeis, amigo de Betânia. Apressa-Vos, porque meu lar está ferido com a ausência de seres queridos que faltam nele: pai, mãe e irmãos, todos crescemos junto ao pé da Cruz. Ah! E depois essa mesma Cruz, por vontade do Céu, foi-nos separando do ninho santo do lar. Tende piedade desses amados ausentes, que trabalham e lutam longe da família, e talvez também longe de Vosso altar. E venha logo a nosso lado, Jesus, amigo doce de Betânia!

(Nomeai os seres queridos do lar, os pródigos por quem vos interessam) 
(Breve pausa) 

Mestre, Irmão, Amigo da alma, Jesus querido, tende misericórdia também dos meus que morreram, daqueles que foram à eternidade em seguimento Vosso. Dormem em paz porque Vos amaram, e porque Vós sois infinito em caridade. Mas, ao ir-se, deixaram-nos sombras e tristezas na alma, espinhos e uma tumba no caminho. Ah! Mas bem sei eu que em Vosso Coração amabilíssimo não pode ter separações; nele, onde está a vida, desaparece a horrível morte. Por isso, Vos peço paz sobre suas tumbas, e aos que ficamos, gemendo neste vale de lágrimas, dá-nos a resignação que levanta, o desapego da terra e o amor ao sofrimento, que nos une inseparavelmente a Vós. 


(Nomeai a vossos mortos tão queridos, inesquecíveis). 
(Pausa) 

Não fechais ainda a preciosa ferida de Vosso lado: tenho que Vos pedir, em especial, pelos que sofrem, por aqueles, Senhor Jesus, que Vos procuram com olhos cansados de chorar. Por tantos a quem a desgraça, os duelos, as decepções, a pobreza, as doenças ou suas próprias fraquezas feriram de morte. Nazareno amabilíssimo, Vós sabeis, por amarguíssima experiência, quão pulsantes são os espinhos do caminho. Consolai, pois, aos atribulados. Tende piedade dos que sofrem. 

(Pedi-lhe força de consolo nas tribulações) 

De mim não Vos falei, porque me confiais sem reservas ao Vosso Divino Coração. Vós, que tanto me amais e que és o único em compreender-me, não ireis seguramente querer esquecer-me. Oh, Jesus: escutai minha última prece, unida sempre à agonia do Vosso Coração Sacramentado! Inclinai-Vos e atendei-me benigno. 
(Cortado e lento)

Quando os anjos de Vosso Santuário Vos louvarem na Hóstia Sacrossanta e eu me encontrar na agonia... Seus louvores são os meus. Lembrai-Vos do pobre servo de Vosso Divino Coração. Quando as almas justas da terra Vos clamam acendidas em amor e eu me encontre na agonia... Seus trabalhos e suas lágrimas são as minhas. Lembrai-Vos do pródigo, resgatado por Vosso Sagrado Coração. Quando Vossos sacerdotes, as virgens do templo e Vossos apóstolos vos aclamarem Soberano, pregarem-Vos às almas e Vos entronizarem nos povos e eu me encontre na agonia..., seu zelo e seus ardores são os meus. Lembrai-Vos do apóstolo de Vosso Divino Coração. 

Quando a Igreja orar e gemer ante o altar, para redimir convosco o mundo e eu me encontre na agonia... , seu sacrifício e sua prece serão os meus. Lembrai-Vos do amigo de Vosso Sagrado Coração. Quando, na Hora Santa, Vossas almas amadas, amando e reparando, fizerem-Vos esquecer abandonos, sacrilégios e traições e eu me encontre na agonia... , seus colóquios contigo e seus consolos são os meus. Lembrai-Vos deste altar e desta vítima de Vosso Divino Coração. Quando Vossa divina Mãe Vos adorar na Sagrada Eucaristia e repare aí os crimes infinitos da Terra e eu me encontre na agonia..., Suas adorações serão as minhas. Lembrai-Vos do filho de Vosso Sagrado Coração. 

Oh, sim! Lembrai-Vos desta criatura miserável, que Vós tanto amastes... recordai que lhe exigiste que se esquecesse de si mesma por Vosso amor. Mas não, Senhor; esquecei-me se quiseres, com a condição que me deixeis esquecido para sempre na chama formosa de Vosso amante Coração. Ah! e cuidai, Jesus, do meu coração; desprendei-o de tudo afeto terreno. Velai por esta alma, encadeada deliciosamente a Vosso Sacrário, e alimentai nela o fogo santo em que Vos abrasas. Oh, abrasai-me, Senhor Jesus. Acendei-me em Vossa caridade, pois almejo amar-Vos até a paixão, até a insensatez, até o delírio, com amor mais forte do que a morte! 

(Pausa) 
(Cortado) 

Que tenho eu, Senhor Jesus, que Vós não me tenhais dado? Despojai-me de tudo, de Vossos próprios dons; mas abismai-me na fogueira de Vosso ardente Coração. O que sei eu, que Vós não me tenhais ensinado? Esqueça eu a ciência sombria da terra e da vida, e em mudança, conheça melhor a Vós, oh, amável Coração! Que valho eu, se não estou a Vosso lado? O que mereço eu, se a Vós não estou unido? Une-me, pois, a Vós, com vínculo que seja eterno. Renuncio a todas as delícias de Vosso amor, com tal de 
possuir perfeitamente este outro Paraíso, o do Vosso terno Coração. E nele sepulta, ó sim, os erros que contra Vós cometi. E castiga, e vinga-Vos de todos eles ferindo com dardo de acendida caridade ao que tanto Vos ofendeu. 

E se Vos neguei, deixai-me reconhecer-vos na Eucaristia em que Vós viveis. Se Vos ofendi, deixai-me servir-Vos em eterna escravidão de amor eterno, porque é mais morte do que vida a que não se consome em amar e em fazer amar Vosso esquecido, Vosso amoroso, Vosso divino Coração. Venha a nós Vosso reino! 

Padre Nosso e Ave-Maria pelas intenções particulares dos presentes; 
Padre Nosso e Ave Maria pelos agonizantes e pecadores; 
Padre Nosso e Ave-Maria pedindo o reinado do Sagrado Coração mediante a Comunhão frequente e diária, a Hora Santa e a Cruzada da Entronização do Rei Divino em lares, sociedades e nações. 

(Cinco vezes) 

Coração Divino de Jesus, venha a nós o Vosso reino! 

Fórmula de consagração individual ao Sagrado Coração de Jesus, composta por Santa Margarida Maria 

Eu (nome) Vos dou e consagro, ó Sagrado Coração de Jesus Cristo, minha pessoa e minha vida, minhas ações, penas e sofrimentos, para não querer mais servir-me de nenhuma parte de meu ser senão para Vos honrar, amar e glorificar. É esta minha vontade irrevogável: ser todo Vosso e tudo fazer por Vosso amor, renunciando de todo o meu coração a tudo quanto Vos possa desagradar. Tomo-Vos, pois, ó Sagrado Coração, por único objeto do meu amor, protetor de minha vida, segurança de minha salvação, remédio de minha fragilidade e de minha inconstância, reparador de todas as imperfeições de minha vida e meu asilo seguro na hora da morte. 

Sede, ó coração de bondade, minha justificação diante de Deus, Vosso Pai, para que desvie de mim Sua justa cólera. Ó coração de amor! Deposito toda a minha confiança em Vós, pois tudo temo de minha malícia e de minha fraqueza, mas tudo espero de Vossa bondade! Extingui em mim tudo o que possa desagradar-Vos, ou se oponha à Vossa vontade. Seja o Vosso puro amor tão profundamente impresso em meu coração, que jamais possa eu esquecer-Vos, nem separar-me de Vós. Suplico, por Vosso infinito amor, que meu nome seja escrito em Vosso coração, pois quero fazer consistir toda a minha felicidade e toda a minha glória em viver e morrer como Vosso escravo. Amém. 


(Hora Santa de Outubro, pelo Pe. Mateo Crawley - Boevey)