quarta-feira, 24 de setembro de 2014

DAS CONTRADIÇÕES DO AMOR CRISTÃO


Digo muitas vezes que quero amar a Jesus, e realmente quero amá-lo; sei que o amor conduz necessariamente à imitação, e que não se pode amar a Jesus sem imitá-lo; mas, se se trata de eu sofrer um pouco por seu amor tornando-me deste modo semelhante a Ele, logo a coragem me falta e o desânimo se apodera de mim. Digo que o amo, mas se o sofrimento me assalta vou logo ter com Ele e peço-lhe que me alivie. Afigura-se-me ver a Jesus mostrando-me o coração todo inflamado em chamas de caridade, e peço-lhe... Peço-lhe que tenha compaixão de mim.

Eis a contradição! Tenho uma ferida no coração, e em vez de sofrê-la resignadamente por seu amor, peço-lhe que a cure. Não reparando que Ele tem uma mais profunda que a minha. Tenho espinhos agudos que me envolvem a alma e me fazem sofrer um martírio; mas em vez de sofrer-lhes a punção por seu amor, peço-lhe que os arranque para sempre, não pensando que os espinhos que cercam o seu coração são bem mais agudos e cruéis que os meus.

Tenho também eu que levar uma cruz, uma cruz que me parece tão pesada! Mas em vez de levá-la com coragem pelo caminho do meu calvário, peço-lhe com insistência cotidiana que me alivie, que me livre desse peso. E peço isto a Ele que tem uma cruz plantada no meio do coração, cruz que não tem semelhança em toda a série das dores humanas.

Jesus é tão bom que, para tornar-me semelhante a Ele e proporcionar-me o seu amor, faz-me participante dos sofrimentos do seu coração. E eu, eu que pretendo amá-lo, ouso desejar e pedir-lhe que Ele mesmo destrua em mim o traço de maior semelhança que tenho com Ele. E pensar eu que toda a minha devoção ao Sagrado Coração consiste quase inteiramente neste desejar as suas delícias e ser isento das minhas penas!

Agora compreendo a razão por que Jesus não me ouve; é porque me quer maior bem que o que merecem as minhas orações; é porque, se eu não sofro um pouco, em quase nada me torno semelhante a Ele. Portanto, terei bem fixo diante dos olhos a imagem do Sagrado Coração de Jesus... aquelas feridas... aqueles espinhos... aquela cruz... e, no futuro, serei mais cauteloso em pedir-lhe que me alivie das minhas dores.

Antes deveria pedir-lhe que me desse um pouco, não mais que um pouco, das suas penas. Mas devo confessá-lo para minha confusão, sinto que me falta a coragem. Contudo quantas almas fervorosas há que todos os dias pedem a Jesus que as torne participantes da sua Paixão? Quanto mais penso nisto, mais me sinto humilhado. É possível que eu, com esta estima que tenho de mim, não tenha a coragem de pedir um, ao menos um, dos espinhos da sua coroa? Que lugar me compete, pois, entre o número das almas devotas do Sagrado Coração? Poderei dizer que ocupo ao menos o último lugar?

Ó Jesus, tu bem o sabes: eu não ouso perguntar-te se sou uma alma afeiçoada ao teu Coração, pois tenho medo de uma resposta desanimadora. Mas, vejas em mim o que vires, seja qual for o grau de imperfeição a que tenha descido, peço-te que tenhas de mim piedade. Encontro-me sem coragem, sem energia, porque me falta o verdadeiro amor. O sofrimento repugna-me, causa-me horror; não ouso já prometer-te coisa alguma, quase não ouso sequer dirigir-te uma súplica. Porém estou aqui diante de Ti: Tu me amas, queres santificar-me, queres salvar-me. Portanto, não olhes a minha pusilanimidade e a fraqueza do meu coração: prossegue a obra do teu amor sobre mim, faze de mim o que quiseres, contanto que me faças santo, contanto que meu lugar seja o Paraíso.

(Excertos da obra 'Centelhas Eucarísticas', de original italiano, 1906; trad. de Adolfo Tarroso Gomes, 1924)